Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 108/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 378/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a divulgação das listagens dos pacientes que aguardam por consultas com especialistas, exames e cirurgias na rede pública do Município de Guaíba e dá outras "

1. Relatório:

 A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 108/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a divulgação, por meio eletrônico, das listagens de pacientes que aguardam por consultas com especialistas, exames e cirurgias na rede pública de saúde de Guaíba. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

 

 

A medida pretendida por meio do Projeto de Lei nº 108/2017 se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, II, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22, CF), a proposta estabelece um novo instrumento de garantia dos direitos à publicidade e à transparência da gestão pública, diretrizes que possuem amparo constitucional nos princípios da administração pública (artigo 37, caput, CF/88).

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer violação ao conteúdo material da CF/88. A Constituição Federal, no artigo 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Ademais, impossível deixar de recordar o previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, que prevê o direito fundamental ao acesso à informação: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Entretanto, não obstante louvável o conteúdo material da proposta, o Projeto de Lei nº 108/2017 suscita divergências jurisprudenciais acerca da legitimidade para sua propositura, vez que o próprio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ainda não consolidou um entendimento sobre o tema.

Acerca, especificamente, da matéria objeto da proposição analisada, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu, recentemente, no sentido de haver iniciativa reservada ao Poder Executivo para legislar sobre o assunto, conforme se verifica no julgado cuja ementa se transcreve:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NOVO HAMBURGO. LEI MUNICIPAL, DE INICIATIVA DA CÂMARA DE VEREADORES, QUE FIXA A OBRIGAÇÃO, DIRECIONADA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL, DE MANUTENÇÃO DE LISTAGE DOS PACIENTES JÁ INSCRITOS NO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO GERAL DOS HOSPITAIS, EM CASO DE TROCA OU ALTERAÇÃO DO SISTEMA. ATIVIDADE ÍNSITA À ORGANIZAÇÃO E AO FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. MATÉRIA CUJA PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA PERTENCE À INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA. VIOLAÇÃO, POR TABELA, DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRECEDENTES DESTE ÓRGÃO ESPECIAL. O diploma normativo impugnado, oriundo de projeto legislativo de iniciativa da Câmara Municipal de Vereadores de Novo Hamburgo, fixa a obrigação, direcionada à Administração Pública Municipal, de manutenção de listagem dos pacientes já inscritos no Sistema de Administração Geral dos Hospitais - AGHOS, em caso de troca ou atualização do sistema (artigo 1º), atividade que se caracteriza como ínsita à organização e ao funcionamento da administração municipal. Diante dessa circunstância, com base nos artigos 82, VII, e 10 da CERS/89, a Lei Municipal impugnada apresenta vício formal de iniciativa - porque esta era privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal -, ferindo, por tabela, o princípio constitucional da separação dos poderes. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70071547244, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 20/03/2017)

Ocorre que em julgado ainda mais recente, o TJRS julgou constitucional a Lei Municipal nº 2.976/16, de Novo Hamburgo, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a obrigatoriedade da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis e a lista de espera das vagas para a educação infantil no Município. No acórdão, o Tribunal sustentou que leis aprovadas nesse sentido não regulam a forma ou o conteúdo da prestação de serviços públicos, nem dispõem sobre as atribuições dos órgãos públicos, apenas garantindo a efetividade do direito fundamental ao acesso à informação e à transparência da atividade administrativa, razão por que inexiste violação às hipóteses de iniciativa reservada previstas constitucionalmente:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI 2.976/2016. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. DIVULGAÇÃO DA CAPACIDADE DE ATENDIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL MUNICIPAL. 1. A Lei 2.976/2016, que "dispõe sobre a determinação da divulgação da capacidade de atendimento, lista nominal das vagas atendidas, total de vagas disponíveis, e a lista de espera das vagas para a Educação Infantil no Município, e dá outras providências", conquanto deflagrada por iniciativa da Câmara Municipal, não conduz a vício de natureza formal do diploma em tela. 2. Diploma legal que não disciplina o conteúdo, a forma de prestação ou as atribuições próprias do serviço público municipal relativo à educação infantil, cingindo-se a especificar a obrigação de divulgação e publicidade de informações acerca da capacidade de atendimento, vagas preenchidas e a preencher e critérios de classificação, cuja imperatividade já decorre do próprio mandamento constitucional constante do art. 37, caput, da CRFB. 3. Interpretação dos art. 60, inc. II, alínea d, e 82, inc. III e VII da Constituição Estadual que deve pautar-se pelo princípio da unidade da Constituição, viabilizando-se a concretização do direito fundamental à boa administração pública, em especial... aquela que se refere ao amplo acesso à educação pública infantil. 4. Necessidade de se evitar - quando não evidente a invasão de competência - o engessamento das funções do Poder Legislativo, o que equivaleria a desprestigiar suas atribuições constitucionais, de elevado relevo institucional no Estado de Direito. 5. Constitucionalidade da norma que se reconhece. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072679236, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em 24/07/2017). (grifou-se)

Ademais, no tocante ao tema, importante destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Relator: Min. Gilmar Mendes, publicado em 11/10/2016).

Diante do cenário exposto, a fim de elucidar a questão, cabe trazer à baila acórdão em que a Lei Estadual nº 11.521/00, do Estado do Rio Grande do Sul, cujo objeto é semelhante ao do projeto ora analisado, teve reconhecida a sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, com base nos mesmos fundamentos deste parecer:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.521/2000 do Estado do Rio Grande do Sul. Obrigação do Governo de divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas. Ausência de vício formal e material. Princípio da publicidade e da transparência. Fiscalização. Constitucionalidade. 1. O art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal atribuiu à União a competência para editar normas gerais de licitações e contratos. A legislação questionada não traz regramento geral de contratos administrativos, mas simplesmente determina a publicação de dados básicos dos contratos de obras públicas realizadas em rodovias, portos e aeroportos. Sua incidência é pontual e restrita a contratos específicos da administração pública estadual, carecendo, nesse ponto, de teor de generalidade suficiente para caracterizá-la como “norma geral”. 2. Lei que obriga o Poder Executivo a divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas não depende de iniciativa do chefe do Poder Executivo. A lei em questão não cria, extingue ou modifica órgão administrativo, tampouco confere nova atribuição a órgão da administração pública. O fato de a regra estar dirigida ao Poder Executivo, por si só, não implica que ela deva ser de iniciativa privativa do Governador do Estado. Não incide, no caso, a vedação constitucional (CF, art. 61, § 1º, II, e). 3. A legislação estadual inspira-se no princípio da publicidade, na sua vertente mais específica, a da transparência dos atos do Poder Público. Enquadra-se, portanto, nesse contexto de aprimoramento da necessária transparência das atividades administrativas, reafirmando e cumprindo o princípio constitucional da publicidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88). 4. É legítimo que o Poder Legislativo, no exercício do controle externo da administração pública, o qual lhe foi outorgado expressamente pelo poder constituinte, implemente medidas de aprimoramento da sua fiscalização, desde que respeitadas as demais balizas da Carta Constitucional, fato que ora se verifica. 5. Não ocorrência de violação aos ditames do art. 167, I e II, da Carta Magna, pois o custo gerado para o cumprimento da norma seria irrisório, sendo todo o aparato administrativo necessário ao cumprimento da determinação legal preexistente. 6. Ação julgada improcedente. (ADI 2444, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015). (grifou-se)

Por conseguinte, corroboro o entendimento exposto no Parecer Jurídico n° 359/2017 no que se refere à ausência de vício formal no Projeto de Lei nº 108/2017. Seja porque este não objetiva a criação de novas atribuições para a Administração Pública e nem pretende interferir na estruturação do Poder Executivo, na medida em que apenas visa dar eficácia ao direito fundamental de acesso à informação, previsto na Constituição Federal de 1988. Seja porque o mero fato de a norma se destinar ao Poder Executivo não contamina a proposta de vício formal de inconstitucionalidade, eis que as hipóteses de reserva de iniciativa do executivo previstas na CF/88 e na CE/RS não admitem interpretação ampliativa, por consistirem em exceções à regra geral da iniciativa concorrente.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 108/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

 É o parecer.

Guaíba, 30 de Novembro de 2017.

Julia Zanata Dal Osto

Procuradora



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