Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 134/2017
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 365/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a obrigatoriedade de assentos especiais para pessoas obesas em estabelecimentos que especifica"

1. Relatório:

 O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 134/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a disponibilização de assentos especiais às pessoas obesas em determinados estabelecimentos do Município de Guaíba. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A obrigação trazida na proposta se insere na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 134/2017, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece um meio de garantia do conforto e da segurança de pessoas com condição física específica, o que se encontra no âmbito do direito à acessibilidade, dever de todos os entes federados.

Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” Sem dúvidas, a medida pretendida está inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação à Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece a iniciativa privativa do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos-de-lei que:

I - disponham sob matéria financeira;

II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos;

III - disponham sobre matéria tributária, orçamentos, aberturas de créditos, concessão de subvenções, de auxílios ou que, de qualquer forma, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública.

Ainda, prevê o artigo 52 da LOM sobre as competências privativas do Prefeito:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Como bem lembrou o IGAM na orientação técnica nº 29.291/2017, na medida em que a proposta confere ao Executivo a obrigação de instalar assentos especiais nas dependências de todos os seus órgãos públicos, há indevida transposição dos limites da harmonia e da independência entre os poderes, princípio basilar do Estado Democrático de Direito (artigo 2º, CF/88, artigo 10, CE/RS, e artigo 2º, LOM), tornando a proposição ilegítima, neste ponto, sob o aspecto formal. Não se está negando o caráter inclusivo do dever que se pretende instituir ao Executivo, mas a verdade é que, para tornar obrigatória a execução dessa medida, é indispensável que o processo legislativo seja deflagrado pelo Prefeito.

A esse respeito, veja-se a jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 2.772/2014. MUNICÍPIO DE ARROIO GRANDE. LEI QUE "TORNA OBRIGATÓRIO O MUNICÍPIO ASSEGURAR A RESERVA DE LOTES E MORADIAS POPULARES DISPONIBILIZADOS PELO MUNICÍPIO PARA PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS". INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que, ao tornar obrigatória a reserva de lotes e moradias a pessoas com necessidades especiais, interfere no funcionamento da administração pública municipal. Lei que importa indevida interferência do Poder Legislativo na organização do Poder Executivo, no que tange à condução das políticas públicas de moradia e habitação, podendo acarretar despesas não previstas pela Lei Orçamentária. Competência privativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria. A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes. Quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito, não apenas incorre em inconstitucionalidade formal propriamente dita, por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), senão que também comete flagrante violação à... independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70061620555, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 13/04/2015). (TJ-RS - ADI: 70061620555 RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Data de Julgamento: 13/04/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/04/2015).

Por outro lado, não há vício formal de origem no que concerne aos demais estabelecimentos constantes nos incisos II, III e IV do artigo 1º, porque não compõem a estrutura administrativa, não havendo reserva de iniciativa nesse caso. Também não há restrição a que se estabeleçam multas pelo descumprimento da obrigação, tal como feito no artigo 2º, eis que, conforme já se sedimentou em diversos outros pareceres desta Procuradoria, o poder de polícia administrativa é conatural ao Executivo, que já conta com estrutura e pessoal para o exercício dessa função, de modo que não se está criando uma nova atribuição a esse poder, nem mesmo há interferência indevida no funcionamento da Administração Pública.

Portanto, para que se torne juridicamente viável sob o ponto de vista formal, é indispensável que a proposta sofra a supressão do inciso I do artigo 1º, criando a obrigação apenas aos demais estabelecimentos ali indicados.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 134/2017 é garantir, através da legislação local, o direito à acessibilidade às pessoas com mobilidade reduzida, especificamente aos portadores de obesidade, que ficam impossibilitados de utilizar os assentos comuns. Nesse caso em específico, há três leis federais que garantem direitos de inclusão aos obesos: Lei nº 10.048/00, Lei nº 10.098/00 e Lei nº 13.146/15.

A Lei nº 10.048/00 garante o direito ao atendimento prioritário às pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes, pessoas com crianças de colo e obesos (artigo 1º).

A Lei nº 10.098/00, por sua vez, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. As pessoas portadoras de obesidade se encaixam no segundo grupo, conforme prevê o artigo 2º, inciso IV. Nesse caso, preveem os artigos 3º e 4º:

Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para todas as pessoas, inclusive para aquelas com deficiência ou com mobilidade reduzida. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

Parágrafo único.  O passeio público, elemento obrigatório de urbanização e parte da via pública, normalmente segregado e em nível diferente, destina-se somente à circulação de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano e de vegetação. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Art. 4º As vias públicas, os parques e os demais espaços de uso público existentes, assim como as respectivas instalações de serviços e mobiliários urbanos deverão ser adaptados, obedecendo-se ordem de prioridade que vise à maior eficiência das modificações, no sentido de promover mais ampla acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

A Lei Federal nº 13.146/15, embora institua um estatuto destinado às pessoas portadoras de deficiência, define certos direitos às pessoas que tenham mobilidade reduzida, grupo no qual se encontram os obesos, nos termos do artigo 3º, inciso IX: “pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso;”.

Em virtude disso, estabelecem os seguintes dispositivos da Lei nº 13.146/15:

Art. 44. Nos teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, locais de espetáculos e de conferências e similares, serão reservados espaços livres e assentos para a pessoa com deficiência, de acordo com a capacidade de lotação da edificação, observado o disposto em regulamento.

[...]

§ 3º Os espaços e assentos a que se refere este artigo devem situar-se em locais que garantam a acomodação de, no mínimo, 1 (um) acompanhante da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, resguardado o direito de se acomodar proximamente a grupo familiar e comunitário.

Art. 53. A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social.

Portanto, não há obstáculos materiais que impeçam a tramitação da proposta. Sugere-se apenas alteração na redação do artigo 2º, de modo a tornar precisa e clara a multa a ser aplicada no caso de descumprimento da obrigação, tendo em vista que a Lei Federal nº 13.146/15, ao estabelecer os crimes e infrações administrativas no Título II, apenas quantificou a pena privativa de liberdade, não dispondo sobre valores de multas. Assim, para tornar possível a aplicação de multas no caso em análise, é importante que se quantifique o valor das futuras sanções pecuniárias.

Por fim, a redação do artigo 4º deve ser corrigida para os seguintes termos: “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”, em razão do disposto no artigo 8º, caput, da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.

Desse modo, seguindo as linhas gerais da orientação técnica nº 29.291/2017 do IGAM, a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 134/2017 está condicionada à retirada do inciso I do artigo 1º, à revisão do artigo 2º, para que se quantifique a multa a ser aplicada no caso de descumprimento da obrigação, e à revisão da técnica legislativa do artigo 4º. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 134/2017 está condicionada ao atendimento das recomendações apresentadas, cuja adaptação deve ocorrer por meio de substitutivo.

Guaíba, 17 de novembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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