Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 082/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 358/2017
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a atuação do Poder Público Municipal na Prevenção e Combate a Pornografia Infantil"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 082/2017 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a atuação do Poder Público Municipal na prevenção e no combate à pornografia infantil. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As medidas de prevenção e de combate que se pretendem instituir no âmbito do Município de Guaíba se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 227, CF), não atrela-da às competências legislativas privativas da União (artigo 22, CF), o Projeto de Lei nº 082/17 estabelece meios de proteção à infância e à juventude contra a pedofilia e a pornografia, cujo dever, absolutamente prioritário, é do Estado, da família e da sociedade.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 082/2017 é promover a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, por meio de medidas de prevenção e de comba-te à pedofilia e à pornografia, o que se alinha aos deveres estabelecidos na Constituição.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 082/2017, embora louvável o seu objeto, contém vício de iniciativa. As hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Nesse sentido dispõe, ainda, a Lei Orgânica do Município sobre a iniciativa quanto à organização da Administração e dos serviços públicos locais:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Relator: Min. Gilmar Mendes, publicado em 11/10/2016).

Sucede-se que, muito além de apenas criar novas despesas ao Executivo, o Projeto de Lei nº 082/2017 objetiva a criação de novas atribuições para a Administração Pública, regulando como deve ocorrer a atuação do Poder Público Municipal na prevenção e combate à pedofilia e pornografia infantil em sua base territorial. Resta claro, portanto, que o referido projeto pretende interferir na estruturação do Poder Executivo, na medida em que dispõe sobre serviços que são competência daquele Poder.

Nesse sentido, corroboro o entendimento exposto na Orientação Técnica do IGAM nº 23.919/2017 de que a definição da atuação do Executivo nas ações de prevenção e combate à pornografia infantil interfere diretamente na organização e funcionamento dos serviços públicos municipais, na medida em que são atribuições típicas deste Poder, desempenhadas por meio dos órgãos afins a estas atividades na estrutura administrativa do Município.

Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que criem ou estruturem órgãos da Administração Pública, ou que lhe atribuam obrigações até então inexistentes, compete apenas ao Chefe do Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa.

Nesse sentido, a jurisprudência do TJRS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 6.030/2014 DO MUNICÍPIO DE IJUÍ. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. 1. Compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgão da administração pública, bem como sobre a organização e funcionamento desses órgãos. 2. Tratando-se de matéria privativa do Poder Executivo, não poderia o Poder Legislativo ter apresentado projeto de lei substitutivo, alterando substancialmente o objetivo do projeto originário. 3. Existem, no caso, vícios formal e material, com afronta aos arts. 8°, 10 e 60, caput, e inc. II, alínea d , da Constituição Estadual, o que enseja a retirada da lei do ordenamento jurídico pátrio. Ação declaratória de inconstitucionalidade julgada procedente. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70061858320, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 16/11/2015) (grifou-se)

 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 2.626/2001, DE ITAQUI. USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. Norma impugnada que positiva intromissão indevida da Câmara de Vereadores nas atividades próprias do Poder Executivo, em especial no que se refere à própria organização e ao funcionamento da administração municipal, dentre elas o estabelecimento das atribuições de algumas de suas Secretarias. Precedentes. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70017994021, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 14/05/2007) (grifou-se)

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito apresente o mesmo projeto ao Legislativo, afastando, assim, a ocorrência do vício de iniciativa.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 082/2017, pela ocorrência de vício de iniciativa, nada impedindo, contudo, que seja remetido ao Executivo sob a forma de indicação (artigo 114 do RI) ou se apresente substitutivo com as alterações propostas no Parecer Jurídico n° 335/2017, uma vez que a viabilidade jurídica do referido Projeto de Lei está condicionada ao atendimento das recomendações apresentadas pelo Procurador Dr. Gustavo Dobler.

Guaíba, 14 de novembro de 2017.

Julia Zanata Dal Osto

Procuradora



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