Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 129/2017
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 356/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Institui a Contribuição Voluntária para o Fundo Municipal de Meio Ambiente do Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 129/2017 à Câmara Municipal, objetivando instituir a contribuição voluntária do bem-estar animal para o Fundo Municipal do Meio Ambiente de Guaíba, a ser recolhida paralelamente ao pagamento do IPTU, por interesse do doador. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A contribuição que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 129/2017, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece uma fonte voluntária de receita ao Fundo Municipal de Meio Ambiente de Guaíba, vinculada à expansão, ao aprimoramento e à implantação de ações voltadas à proteção e ao bem-estar dos animais.

A respeito da competência dos municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes sobre a matéria, é importante destacar o entendimento firmado no STF (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos-de-lei que:

I - disponham sob matéria financeira;

II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos;

III - disponham sobre matéria tributária, orçamentos, aberturas de créditos, concessão de subvenções, de auxílios ou que, de qualquer forma, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. A propósito, destaca-se que o conteúdo do Projeto de Lei nº 129/2017 em nada se aproxima ao direito tributário, uma vez que, nos termos do artigo 3º do CTN, “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante           atividade administrativa plenamente vinculada.” A contribuição que se pretende instituir por meio desta proposta é voluntária, ou seja, não é passível de cobrança, motivo por que não se confunde com tributos.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 129/2017 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural. A Constituição Federal, no artigo 225, caput, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção do meio ambiente, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” O Projeto de Lei nº 129/2017 se presta, acima de tudo, a atender ao referido comando constitucional.

Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.”

Em relação às advertências contidas na orientação técnica nº 28.570/2017 do IGAM, cabe referir que a Lei Municipal nº 1.447/99 já instituiu o Conselho Municipal do Meio Ambiente de Guaíba, assim como o Fundo Municipal do Meio Ambiente já foi criado pela Lei Municipal nº 1.448/99. No caso da lei que institui o conselho municipal, o artigo 8º, inciso V, já prevê a atribuição de “estudar e propor formas e aplicações de recursos para o Fundo Municipal do Meio Ambiente”. Na lei que cria o fundo, por sua vez, o artigo 1º, incisos II e III, estabelece serem as contribuições voluntárias espécies de recursos desse fundo especial, já que possuem natureza de doações.

Portanto, a proposta em momento algum cria o fundo especial – matéria que compete ao Executivo, nos termos do artigo 167, inciso IX, da CF/88 – ou estabelece as atribuições do órgão governamental, o que também seria competência do Executivo, na forma do artigo 60, inciso II, “d”, da Constituição Estadual Gaúcha. Trata-se de matéria afeta ao interesse local e de iniciativa concorrente, atendendo aos comandos constitucionais sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Por fim, vale ressaltar que, embora não esteja prevista a transparência da arrecadação das contribuições voluntárias, o artigo 8º, inciso VI, da Lei Municipal nº 1.447/99 outorga a atribuição ao conselho municipal para “apreciar, anualmente, as contas do Fundo Municipal do Meio Ambiente”, de modo que a prestação de contas é obrigatória. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 129/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Guaíba, 13 de novembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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