PARECER JURÍDICO |
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"Fica prescrito aos bares, restaurantes e estabelecimentos similares conceder desconto especial de porção reduzida às pessoas que tenham realizado cirurgia bariátrica ou outra gastroplastia" 1. Relatório:A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 086/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatório aos bares, restaurantes e estabelecimentos similares conceder desconto especial de porção reduzida às pessoas que tenham realizado cirurgia bariátrica ou outra gastroplastia. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Após ampla pesquisa jurídica a respeito da matéria posta no Projeto de Lei nº 086/2017, foram encontrados inúmeros acórdãos em ações diretas de inconstitucionalidade declarando a incompatibilidade formal de leis municipais por violarem as regras de competência previstas no art. 22, I, e no art. 24, V, da CF/88. A ADI nº 0015556-91.2013.8.26.0000, a ADI nº 2042147-22.2014.8.26.0000 e a ADI nº 2140952-39.2016.8.26.0000, todas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a ADI nº 0037555-96.2016.8.08.0000, do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, e a ADI nº 1404297-02.2016.8.12.0000, do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, tiveram os pedidos julgados procedentes para declarar a inconstitucionalidade de leis municipais com base nesse fundamento. De fato, o artigo 22, I, da CF/88 estabelece a competência legislativa privativa da União para legislar sobre direito comercial, assim como o artigo 24, V, prevê a competência legislativa concorrente para a União, os Estados e o DF legislarem sobre produção e consumo. O tema posto no Projeto de Lei nº 086/2017 diz respeito, claramente, a essas matérias, atraindo a competência para legislar apenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal. A norma que se pretende instituir, por outro lado, não se restringe ao predominante interesse local, fundamento para a competência exclusiva dos Municípios prevista no artigo 30, I, da CF/88. Como restou assentado nos diversos acórdãos citados, “a questão referente à situação especial de pessoas submetidas à cirurgia bariátrica é de ordem geral, devendo eventual disciplina sobre o assunto ter abrangência nacional ou regional.” Isto é, a aplicação da norma surtiria efeitos não apenas em âmbito local, porquanto todas as pessoas que tenham a condição de pós-operados em cirurgia bariátrica, independentemente da sua origem ou residência, poderiam se beneficiar do pretendido desconto especial, daí a necessidade de garantir o direito em âmbito nacional ou regional, com base na competência estabelecida no artigo 22, I, ou no artigo 24, V, da CF/88. A propósito, tramita, no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5561, proposta pela Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (ABRESI) em face da Lei Estadual nº 16.270/16, do Estado de São Paulo, exatamente sobre o tema que se pretende aprovar no Projeto de Lei nº 086/2017. O referido diploma legal, na época da tramitação legislativa, foi totalmente vetado pelo Governador do Estado sob o fundamento de inconstitucionalidade, mas o veto foi derrubado pela Assembleia Legislativa, promulgando-se a lei estadual. A tendência é que o STF, amparado nos fundamentos dos acórdãos dos tribunais de justiça, venha a declarar a lei inconstitucional. Os diversos julgados já citados neste parecer também declaram ocorrer afronta aos princípios gerais da ordem econômica (art. 170, c/c art. 1º, IV, e art. 5º, XIII, CF/88). Isso porque obrigar bares, restaurantes e estabelecimentos similares a concederem descontos especiais ou prato de porção reduzida revelaria indevida e desproporcional ingerência à livre iniciativa e à livre concorrência, já que o modelo de mercado adotado pelo Brasil – capitalismo – não permite, de regra, intromissões pelo Estado, garantindo-se autonomia ao empresário para, dentro de certas condições básicas de funcionamento, estipular a forma de prestação de seus serviços, de acordo com os custos que só ele deverá suportar. Inclusive, nesse sentido, o artigo 174, caput, da CF/88 é esclarecedor: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” Ou seja, as medidas que impliquem regulação do mercado econômico possuem natureza meramente indicativa quando voltadas ao setor privado, não sendo possível a imposição pelo Poder Público. Conforme leciona Luís Roberto Barroso (A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços, Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 14, maio, junho e julho/2008, Salvador/BA),
Em artigo publicado na Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 43, n. 141, em dezembro/2016, Cláudio Kaminski Tavares analisou o acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2038277-66.2014.8.26.0000, que retirou do ordenamento jurídico a Lei Municipal nº 5.511/13, do Município de Sumaré/SP, que dispunha sobre a obrigatoriedade dos restaurantes e similares concederem descontos ou meia porção para pessoas que passaram por intervenção cirúrgica de redução de estômago (doc. anexo). Destacam-se os seguintes trechos, relevantes para a análise do objeto do projeto de lei:
No Município de Porto Alegre, está em vigor a Lei Municipal nº 11.746, promulgada em 19 de dezembro de 2014, que torna obrigatório aos bares, restaurantes e estabelecimentos similares conceder desconto especial ou a oferta de prato especial de porção reduzida às pessoas que realizaram cirurgia bariátrica ou outra gastroplastia para a redução do estômago. Ocorre que, em análise do Projeto de Lei nº 118/13, que originou a referida lei municipal, constata-se que a Comissão de Constituição e Justiça não acompanhou o parecer jurídico da Procuradoria da Casa Legislativa, que foi contrário à proposta sob o fundamento de indevida interferência no livre exercício da atividade econômica e de violação aos preceitos constitucionais que resguardam a livre iniciativa. Portanto, o direito é garantido no Município de Porto Alegre, mas o parecer da Procuradoria defende não haver sustentação jurídica para a medida aprovada, que está sujeita ao controle de constitucionalidade, a qualquer tempo, por iniciativa de algum dos legitimados previstos no artigo 95, § 2º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Assim, embora o direito ao desconto especial ou ao prato de porção reduzida, por imposição aos proprietários de bares, restaurantes e estabelecimentos similares, seja garantido no Município de Porto Alegre, certo é que medidas similares, quando analisadas sob o ponto de vista jurídico – inclusive pelo Judiciário, em ações diretas de inconstitucionalidade –, vêm sendo retiradas do ordenamento jurídico por violação às regras de competência previstas nos artigos 22, I, e 24, V, da CF/88, bem como por afronta aos princípios da livre atividade econômica e da livre concorrência (artigos 170, 1º, IV, e 5º, XIII,CF/88). Resumidamente, caso seja aprovado o Projeto de Lei nº 086/2017 e, eventualmente, algum legitimado ingresse com ação direta de inconstitucionalidade perante o TJ/RS, é bem possível que seja retirada a lei municipal do ordenamento jurídico, diante de todos os precedentes sobre a matéria em outros tribunais. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 086/2017, diante da existência de vícios formais e materiais que impedem a regular tramitação da proposta perante a Câmara Municipal de Vereadores. Guaíba, 08 de novembro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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