Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 109/2017
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 345/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a inclusão da frase "Guaíba Berço da Revolução Farroupilha" no Hino Municipal"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 109/2017 à Câmara Municipal, objetivando autorizar o Executivo a contratar serviços de orquestra e compositor, ou instituir concurso para acrescentar a frase “Guaíba Berço da Revolução Farroupilha” ao hino oficial. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A pretendida alteração no hino municipal se insere, efetivamente, na definição de interesse local, porque diz respeito a um dos símbolos municipais (artigo 4º, LOM), matéria para a qual o Município de Guaíba é competente para legislar, enquanto ente dotado de autonomia política. Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 109/2017 é adaptar a letra do hino oficial do Município de Guaíba ao título reconhecido a partir da Lei Estadual nº 13.791, de 19 de setembro de 2011, o que não afronta o texto constitucional e a legislação respectiva.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 109/2017, da forma como elaborada a sua redação, contém vício de iniciativa. Inicialmente, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba sobre as hipóteses de competência privativa do Prefeito:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

IX - contratar a prestação de serviços, obras e compras observando o processo licitatório;

O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder.

Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo.

Ocorre que essas normas são demasiadamente amplas e carregam conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), tornando-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes.

No caso em análise, embora seja indiscutível o mérito, está sendo “autorizada” uma nova medida ao Poder Executivo, qual seja, a contratação de serviços de orquestra e compositor ou a instituição de concurso (modalidade de licitação) para acrescentar a frase “Guaíba Berço da Revolução Farroupilha” ao hino municipal, determinando-se, ainda, que o Executivo altere a edição oficial das partituras, providencie a nova gravação e disponibilize a versão às escolas municipais, estaduais e às instituições públicas e privadas de Guaíba. O projeto de lei, de evidente caráter autorizativo, viola o princípio da separação dos poderes na medida em que faculta ao Executivo a realização de atribuições que lhe são próprias, com invasão da sua esfera de competências.

A fórmula das típicas leis autorizativas (“Fica o Poder Executivo autorizado a...”), quando veicule matéria para a qual haja competência privativa de outra autoridade, também é contaminada por inconstitucionalidade formal, porque a lei, enquanto norma genérica, abstrata, imperativa e coercitiva, não admite simples concessões. Assim, mesmo quando meramente autorizativa, a lei transmite uma ordem a ser cumprida. Nesse sentido, a jurisprudência dos tribunais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE HERVAL. LEI AUTORIZATIVA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. 1. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal n° 1.101/2013, do Município de Herval, que dispõe sobre o transporte para locomoção de alunos de Herval para Arroio Grande/RS, por tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é do Chefe do Executivo. 2. A expressão "fica o Poder Executivo Municipal autorizado a viabilizar transporte...", em que pese a louvável intenção do legislador, não significa mera concessão de faculdade ao Prefeito para que assim proceda, possuindo evidente caráter impositivo. 3. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70055716161, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 28/10/2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 16/2007, DO MUNICÍPIO DE GUAPORÉ, QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A CRIAR A "ESCOLA DE ARTES DA TERCEIRA IDADE" NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO. INICIATIVA PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE NÃO RESTA AFASTADO EM RAZÃO DE CONTER A LEI, EM SEU ART. 1º, AUTORIZAÇÃO AO PODER EXECUTIVO PARA CRIAR A ESCOLA DE ARTES DA TERCEIRA IDADE, PORQUE, DE OUTRAS DISPOSIÇÕES, DECORRE AO PREFEITO MUNICIPAL O DEVER DE ADOTAR PROVIDÊNCIAS QUE O VINCULAM, POR FIM, AO PROCEDIMENTO PRÓPRIO DE CRIAÇÃO DA ENTIDADE, COM INAFASTÁVEL DESPESA PÚBLICA, À MARGEM DE SUA INICIATIVA. O FATO DE SER AUTORIZATIVA A NORMA NÃO MODIFICA O JUÍZO DE SUA INVALIDADE POR FALTA DE LEGÍTIMA INICIATIVA. AFRONTA AOS ARTIGOS 8º, 10, 60, II, "D", 61, I, 82, II E VII, 149 E 154, I, TODOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL CARACTERIZADAS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022888234, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 26/05/2008).

Desse modo, o Projeto de Lei nº 109/2017, de autoria parlamentar, invade a esfera de competências do Poder Executivo, eis que o autoriza a exercer atribuições que lhe são próprias e que geram aumento de despesa, notadamente a abertura de licitação na modalidade concurso para selecionar trabalho artístico que acrescente a frase “Guaíba Berço da Revolução Farroupilha” à letra do hino oficial.

Para que não haja violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, é essencial que a redação do Projeto de Lei nº 109/2017 seja reformulada para retirar as obrigações ao Poder Público, além de já apresentar a letra e a partitura com a alteração pretendida, de modo a não tornar necessária a contratação de profissional artístico, mediante licitação, para realizar esse trabalho, o que demandaria novas despesas. Ademais, como o hino oficial de Guaíba foi instituído pela Lei Municipal nº 152/72, a proposta deve ser apresentada sob a forma de alteração do anexo do referido diploma legal, mantendo-se a lei originária. Recomenda-se, assim, a seguinte redação:

Art. 1º Fica alterado o anexo da Lei Municipal nº 152, de 11 de outubro de 1972, que passa a vigorar com a seguinte redação:

HINO MUNICIPAL DE GUAÍBA...

(...)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Como bem lembrou o proponente na exposição de motivos (fl. 02), o brasão e a bandeira de Guaíba já tiveram a expressão “Berço da Revolução Farroupilha” incluída nos símbolos por força das Leis Municipais nº 3.157/14 e 3.191/14, de autoria parlamentar, as quais apenas alteraram as disposições de normas originárias (Leis nº 94/65 e 111/71), sem que se tenha evidenciado qualquer vício formal ou material. É por esse motivo que se sugere a adoção da mesma técnica para a presente proposta.

Assim, para que o Projeto de Lei nº 109/2017 se torne viável juridicamente, é imprescindível realizar as alterações acima indicadas na redação, retirando a atribuição de obrigações ao Executivo que esbarrem no princípio da separação dos poderes e tão somente alterando o anexo da Lei Municipal nº 152/72, já com sua letra e partitura assinadas ao menos por um dos autores da canção, para proteger o seu direito moral irrenunciável de modificar a obra, nos termos do artigo 24, V, e do artigo 23 da Lei Federal nº 9.610/98. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 109/2017 está condicionada ao atendimento das recomendações apresentadas, cuja adaptação deve ocorrer por meio de substitutivo.

Guaíba, 07 de novembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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