Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 082/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 335/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a atuação do Poder Público Municipal na Prevenção e Combate a Pornografia Infantil"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 082/2017 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a atuação do Poder Público Municipal na prevenção e no combate à pornografia infantil. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As medidas de prevenção e de combate que se pretendem instituir no âmbito do Município de Guaíba se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 227, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22, CF), o Projeto de Lei nº 082/17 estabelece meios de proteção à infância e à juventude contra a pedofilia e a pornografia, cujo dever, absolutamente prioritário, é do Estado, da família e da sociedade.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 082/2017 é promover a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, por meio de medidas de prevenção e de combate à pedofilia e à pornografia, o que se alinha aos deveres estabelecidos na Constituição.

O artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 082/2017 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Ocorre que o Projeto de Lei nº 082/2017, para não conter vício de iniciativa, precisa ser ajustado em partes. As hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Rel.: Min. Gilmar Mendes, p. em 11/10/2016).

O artigo 1º deve ser reescrito de forma a não deixar evidente que a lei servirá para disciplinar a atuação do Município na prevenção e combate à pedofilia e à pornografia infantil, porque tal escrita acaba por direcionar os demais artigos à matéria de organização e funcionamento da Administração Pública, a qual é reservada ao Chefe do Executivo. Sugere-se a seguinte alteração: “Ficam por esta lei estabelecidas as medidas de atuação na prevenção e combate à pedofilia e pornografia infantil na base territorial do Município de Guaíba.” O parágrafo único deve ser suprimido, pelos mesmos motivos. A ementa deve ser alterada para trazer os termos do artigo 1º aqui recomendado.

O artigo 2º deve atribuir as obrigações diretamente aos proprietários dos estabelecimentos que menciona, retirando a tarefa outorgada ao Poder Público, porque as medidas ali previstas configuram novas atribuições aos órgãos públicos, não consistindo em mero detalhamento de encargos já existentes para a garantia de efetividade. Assim, recomenda-se a seguinte redação: “Os proprietários de estabelecimentos que ofereçam serviços de internet deverão manter cadastro de usuários das máquinas e efetuar o controle do acesso dos usuários durante a navegação, impedindo o acesso de crianças e adolescentes a sites com conteúdo pornográfico, bem como a transmissão, a distribuição, a divulgação e a troca de fotografias, vídeos ou outros registros que contenham cena de sexo explícito ou pornográficas envolvendo criança ou adolescente.

Sugere-se a elaboração de um artigo 3º, nesses termos: “Os proprietários de estabelecimentos que ofereçam serviços de internet devem afixar, em lugar visível, cartazes informativos sobre os crimes e as penas dos artigos 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A respeito do artigo 3º do Projeto de Lei nº 082/2017, é preciso fazer alguns esclarecimentos. À primeira vista, e sob uma visão não atual das restrições ao poder de iniciativa previsto no artigo 61 da CF e no artigo 59 da CE/RS, ter-se-ia o dispositivo como inconstitucional, por se referir a atividades a serem desempenhadas pela Administração Pública, que ingressariam na temática das atribuições dos órgãos públicos. Esse, aliás, era o entendimento predominante na jurisprudência antes de 11/10/2016.

No entanto, na referida data, o STF fez história ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.911/RJ, reconhecendo repercussão geral no tema nº 917: “Competência para iniciativa de lei municipal que preveja a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias”. No acórdão, o STF registrou que as hipóteses de restrição previstas no artigo 61, § 1º, da CF – e, portanto, as correspondentes nas Constituições Estaduais – são taxativas, não admitindo interpretação extensiva por consistirem em normas de exceção ao poder de iniciativa:

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, cito o julgamento da ADI 2.672, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator p/ acórdão Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 10.11.2006; da ADI 2.072, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 2.3.2015; e da ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, DJe 215.8.2008.

[...]

Assim, somente nas hipóteses previstas no art. 61, § 1º, da Constituição, ou seja, nos projetos de lei cujas matérias sejam de iniciativa reservada ao Poder Executivo, é que o Poder Legislativo não poderá criar despesa. [...] No caso em exame, a lei municipal que prevê a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos, motivo pelo qual não vislumbro nenhum vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada.

O entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), sem dúvidas ecoa por todos os tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC).

O Tribunal de Justiça do RJ, atento à decisão do STF, já adequou a sua jurisprudência em casos semelhantes. Inclusive, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 00385475120168190000, em face da Lei Municipal nº 6.001/15, do Município do Rio de Janeiro, que instituiu em âmbito local o ciclo de palestras sobre gravidez precoce em escolas municipais, decidiu:

REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.001/2015 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO QUE INSTITUIU CICLO DE PALESTRAS SOBRE GRAVIDEZ PRECOCE EM ESCOLAS MUNICIPAIS. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO À SEPARAÇAÕ DE PODERES. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA INOCORRÊNCIA DO VÍCIO. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. 1. Trata-se de Representação de Inconstitucionalidade em face da Lei 6.001/2015 do Município de Rio de Janeiro, de iniciativa de membro do Poder Legislativo, que instituiu ciclo de palestras sobre gravidez precoce em escolas municipais. Alega o representante que a lei é eivada de inconstitucionalidade por inobservância ao princípio da separação dos poderes, vício de iniciativa e definição de currículo escolar. 2. Órgão Especial que vinha entendendo, em casos semelhantes, pela violação à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para propor leis que versem sobre organização e funcionamento de órgãos daquele poder. 3. Julgamento recente do Supremo Tribunal Federal em repercussão geral que, analisando legislação que tornava obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento nas dependências e cercanias de todas as escolas públicas do Município do Rio de Janeiro, reafirmou jurisprudência daquela Corte no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas na Constituição, não permitindo interpretação ampliativa (tema 917). Assim, entendeu que legislações como a presente, que não criam ou alteram a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública, nem tratam do regime jurídico de servidores públicos, não usurpam a iniciativa do Chefe do Poder Executivo. 4. Julgamento da Corte Suprema que destacou, ainda, a relevância do tema em análise, reconhecendo que compete a todos os entes federativos adotar políticas destinadas à proteção dos vulneráveis. Lei objeto desta representação que, ao promover o incentivo ao planejamento familiar e à paternidade responsável, efetiva o acesso a direitos fundamentais previstos nas Constituições Estadual e Federal (educação, saúde e proteção de crianças e adolescentes), sem disciplinar estrutura de órgão público, regime jurídico de servidores ou conteúdo curricular. Adoção do entendimento proferido pelo Pretório Excelso, guardião da Constituição Federal, para reconhecer a constitucionalidade da lei em comento. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 6.001/2015 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO (TJ-RJ - ADI: 00385475120168190000, RIO DE JANEIRO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Relator: CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 19/06/2017, OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 22/06/2017).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do RJ também assim decidiu sobre lei municipal de iniciativa parlamentar que dispõe sobre a oferta de palestras permanentes sobre noções de cidadania e política aos alunos da rede pública municipal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - RIO DE JANEIRO - LEI MUNICIPAL 6.028/2015 DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE DISPÕE SOBRE OBRIGATORIEDADE DE OFERTA DE PALESTRAS PERMANENTES SOBRE NOÇÕES DE CIDADANIA E POLÍTICA PARA OS ALUNOS DO ÚLTIMO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO - VÍCIO DE INICIATIVA NÃO CONFIGURADO - MUNICÍPIO QUE PODE LEGISLAR SOBRE MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL - INOCORRÊNCIA DE ALTERAÇÃO DA GRADE CURRICULAR - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (art. 2º LDB) A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visa ao pleno desenvolvimento da pessoa e a formação do cidadão (art. 306 da Constituição Estadual). Não há que se falar em usurpação da competência do Conselho de Educação, nem há dispositivo impondo ônus ou "nova" atribuição à Administração. A legislação apontada como inconstitucional não colide com a Constituição Estadual porque não faz qualquer alteração na grade curricular, na verdade, dá efetividade à norma constitucional que garante direito fundamental. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA. (TJ-RJ - ADI: 00342275520168190000 RIO DE JANEIRO TRIBUNAL DE JUSTICA, Relator: CAETANO ERNESTO DA FONSECA COSTA, Data de Julgamento: 17/07/2017, OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 21/07/2017)

Não há posicionamentos do Tribunal de Justiça do RS sobre a matéria após o julgamento do ARE nº 878.911/RJ (11/10/2016). Portanto, não há como garantir que, em eventual ação direta de inconstitucionalidade, o artigo 3º da proposição venha a ser considerado constitucional. As decisões do STF proferidas em recursos extraordinários não possuem efeito vinculante, ou seja, não obrigam a observância pelos tribunais brasileiros. É inegável, por outro lado, que o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) trouxe grande força à jurisprudência no direito brasileiro, conforme se observa nos artigos 926 e 927, tornando o posicionamento do STF muito mais influente:

Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

[...]

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

[...]

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Assim, diante da recente alteração de entendimento do STF sobre a questão, tomada em recurso constitucional extraordinário (tema de repercussão geral nº 917), tem-se que o artigo 3º da proposição é viável juridicamente à luz da jurisprudência, mas não se descarta que, em eventual julgamento no TJRS, venha a ser considerado inconstitucional, porque não há como antever se o tribunal adotará esse posicionamento atual. Caso seja mantida a disposição e sejam reescritos os artigos 1º e 2º nos termos apresentados, recomenda-se a revisão do caput do artigo 3º, para que a redação seja clara: “Para prevenir e combater a pedofilia e a pornografia infantil, o Executivo poderá:

O artigo 5º da proposição deve ser alterado para a seguinte redação: “O Poder Executivo regulamentará, no que couber, as disposições desta lei.” Isso porque, de acordo com o entendimento dominante do TJRS, a fixação de prazo para a regulamentação de lei viola o princípio da separação dos poderes (artigo 2º, CF):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NORMA MUNICIPAL QUE CONCEDE ISENÇÃO DE PAGAMENTO DE IPTU AOS APOSENTADOS, INATIVOS E PENSIONISTAS COM RENDA ATÉ UM SALÁRIO MÍNIMO. POSSIBILIDADE DE O PODER LEGISLATIVO DISPOR SOBRE A MATÉRIA FACE LEGITIMIDADE CONCORRENTE. INCONSTITUCIONALIDADE QUANTO Á FIXAÇÃO DE PRAZO PARA QUE O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL REGULAMENTE A NORMA NO PRAZO DE 90 DIAS POR AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DE SEPARAÇÃO, INDEPENDÊNDIA E HARMONIA DOS PODERES. [...] Inconstitucionalidade do artigo 5º da referida norma municipal porque fixou prazo de 90 dias para que o Poder Executivo regulamentasse a norma, criando, por conseqüência, obrigação ao Poder Executivo, violando aos princípios da separação, independência e harmonia dos poderes do Estado, previsto no art. 2º da Constituição Federal e nos artigos 5º e 10º da Constituição. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR MAIORIA.” - Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70027395029, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 16/02/2009.

A redação do artigo 6º deve ser corrigida para os seguintes termos: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”, em razão do disposto no artigo 8º, caput, da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 082/2017 está condicionada ao atendimento das recomendações apresentadas, cuja adaptação deve ocorrer por meio de substitutivo.

Guaíba, 31 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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