Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 113/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 331/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a afixação de cartaz alertando sobre os perigos da automedicação em todas as farmácias, drogarias e unidades de saúde localizadas no município"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 113/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a afixação de aviso, em farmácias, drogarias e unidades de saúde, em local visível ao público, sobre os riscos da automedicação. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.”

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Veja-se que, entre as competências legislativas dos Municípios, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função legiferante deve ser exercida nos termos e nos limites da Constituição Federal, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local.

Neste sentido, de acordo com Pedro Lenza (2012, p. 449), com relação às competências legislativas dos Municípios, especificamente sobre a competência suplementar, o artigo 30, II, da CF “estabelece competir aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. ‘No que couber’ norteia a atuação municipal, balizando-a dentro do interesse local. Observar ainda que tal competência se aplica, também, às matérias do art. 24, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade.”

Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (CF, artigo 22) e não esbarre nos casos de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

No caso em tela, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no artigo 13, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” (inciso I). A medida pretendida por meio do projeto de lei, na realidade, está inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 113/2017 é promover o esclarecimento sobre os riscos da automedicação, o que diz respeito à proteção da saúde e da vida das pessoas, direitos fundamentais consagrados no artigo 5º, caput, artigo 6º, artigo 23, II, e artigo 196 da Constituição Federal de 1988.

Para que não haja usurpação da iniciativa do Chefe do Executivo à deflagração do processo legislativo, é importante que seja acrescentado o termo “privadas” após a expressão “unidades de saúde”. Isso porque, caso determine a afixação de cartazes em farmácias, drogarias e unidades de saúde públicas, o Projeto de Lei nº 113/2017, de autoria parlamentar, estará tratando da matéria de organização administrativa e atribuições das secretarias e órgãos da Administração Pública, cuja iniciativa é reservada ao Prefeito, na forma do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e artigo 60, II, “d”, da CE/RS, aplicada por simetria aos municípios, por se tratar de normas constitucionais de reprodução obrigatória.

O sistema constitucional brasileiro se estruturou no princípio da tripartição dos poderes, na forma do artigo 2º da CF/88, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo sido distribuídas funções típicas e atípicas aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, entre si, são independentes e harmônicos. A mesma norma que institui a separação dos poderes proíbe ingerências indevidas de um poder sobre outro, de forma a garantir a já referida harmonia, motivo pelo qual a Constituição Federal estabeleceu determinadas matérias para as quais há reserva de iniciativa ao Chefe do Poder Executivo, por dizerem respeito a questões de organização administrativa e, especialmente, que estão sob o controle e gerenciamento do titular desse poder.

Na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por se tratar de normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo.

Ocorre que, por serem normas demasiadamente amplas e carregarem conceitos genéricos (“organização administrativa”, “servidores públicos”, “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”, “serviços públicos”), torna-se quase impossível, na prática, a atividade legislativa por iniciativa parlamentar para atribuir obrigações ao Poder Executivo, porque geralmente esbarram na reserva de iniciativa legitimada pelo princípio da separação dos poderes.

No caso em análise, embora seja indiscutível o mérito, está sendo determinada uma nova atribuição aos órgãos públicos, até então inexistente: a afixação de aviso de alerta aos riscos da automedicação. Tal obrigação, por ser criada ao Poder Executivo e não consistir em detalhamento a uma atribuição já existente, invade a esfera de iniciativa do Prefeito, pois cabe somente a ele deflagrar o processo legislativo para instituir a obrigação que se pretende aprovar com esta proposta, forte no princípio da separação dos poderes (artigo 2º, CF) e no artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e artigo 60, II, “d”, da CE/RS.

Nada impede, entretanto, que a obrigação seja imposta às farmácias, drogarias e unidades de saúde privadas, uma vez que, nesse caso, não há o envolvimento da matéria de organização administrativa e de atribuições dos órgãos públicos. Inclusive, o IGAM, na orientação técnica nº 27.208/2017, também defendeu: “No que toca aos estabelecimentos privados, vislumbra-se possível que norma municipal com gênese no Poder Legislativo disponha acerca do assunto, pois, em relação às entidades privadas, não estará o legislador intervindo na organização e funcionamento da administração.”

Assim, para que o Projeto de Lei nº 113/2017 se torne viável sob o ponto de vista da iniciativa, é necessário apenas que seja incluído o termo “privadas” após a expressão “unidades de saúde” (artigo 1º), restringindo o campo de aplicação da lei às pessoas jurídicas de direito privado. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 113/2017 está condicionada à revisão do artigo 1º, nos termos acima indicados, para restringir o campo de aplicação da norma às pessoas jurídicas de direito privado.

É o parecer.

Guaíba, 27 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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