Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 083/2017
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 313/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a proibição da soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido no Município de Guaíba, e dá outras providência"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 083/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar proibida a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido no Município de Guaíba. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A proibição que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, além de revestir-se do caráter de norma suplementar à legislação federal. Isso porque o Projeto de Lei nº 083/2017, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece a proibição de soltura de fogos de artifício com estampido em Guaíba, matéria que diz respeito ao conceito de poluição sonora, previsto genericamente na Lei Federal nº 6.938/81. Segundo o referido diploma legal, considera-se poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: 1) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) afetem desfavoravelmente a biota; 4) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Importante lembrar, ainda, que a Constituição Federal de 1988 foi inovadora no tratamento do direito ao meio ambiente, trazendo-o de forma autônoma e, portanto, destacada das demais garantias que lhe constituem o fundamento (direito à vida, direito à saúde, dignidade da pessoa humana etc.), sendo então disciplinado pelo artigo 225, o qual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” De modo a assegurar a efetividade desse direito, o texto constitucional impôs ao Poder Público – incluindo, no caso, os Municípios – o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” (§ 1º, VII). Tal diretriz é repetida na Constituição Gaúcha, através do disposto no artigo 251, § 1º, VII, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 38, de 12 de dezembro de 2003.

Assim, considerando o dever de os Municípios promoverem a qualidade ambiental, protegendo a fauna e a flora contra quaisquer atos que lhes causem danos, presente a competência do Município de Guaíba para legislar sobre a matéria. Inclusive, a respeito da competência suplementar dos municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes, importante destacar o entendimento firmado no STF (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 083/2017 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural, assim como garantir a tranquilidade e o sossego da população de Guaíba, tarefas que constituem deveres do Poder Público e que, portanto, fundamentam a legitimidade da vedação proposta no projeto de lei.

É necessário fazer apenas algumas adequações de ordem técnica. O IGAM, na orientação técnica nº 23.920/2017, lembrou que a regulamentação sobre o uso de fogos de artifícios é estabelecida pela Lei nº 1.319/96 e pela Lei nº 1.730/02 (Código Municipal de Meio Ambiente de Guaíba), sendo indispensável verificar a compatibilidade das leis já em vigor com as disposições do projeto de lei.

No caso da Lei nº 1.730/02, é desnecessário fazer alterações. O artigo 32 prevê que “É proibida a denotação de explosivos, arma de fogo ou similares que criem som impulsivo, de modo a causar poluição além dos limites reais da propriedade ou em espaço público, sem a prévia autorização do órgão ambiental municipal.” O artigo 35, ao excepcionar os casos de poluição sonora, admitindo certas atividades, estabelece, no inciso IV, não constituir infração a manifestação de recintos destinados a práticas esportivas ou religiosas, com horário previamente licenciado pelo órgão ambiental municipal, excluindo-se a queima de fogos de artifício quando utilizados indiscriminadamente. Interpretando-se o dispositivo, verifica-se consistir uma “exceção da exceção”, isto é, não constitui poluição sonora o ruído produzido em práticas esportivas ou religiosas devidamente licenciadas, desde que não ocorra a queima de fogos de artifício. Assim, é desnecessária a alteração da Lei nº 1.730/02, porque compatível com os termos do projeto de lei em análise.

Em relação à Lei nº 1.319/96, não há incompatibilidade de matéria com o Projeto de Lei nº 055/2017, mas se sugere que, para não haver duas leis sobre a específica matéria de uso de fogos de artifício orbitando no Município de Guaíba, seja o Projeto de Lei nº 083/2017 adaptado para o fim de incluir os dispositivos na lei já existente, que trata da fabricação, do comércio, do transporte, do depósito e do emprego de fogos de artifício, ou seja, possui um campo maior de aplicação.

Para que se aproveite, na integralidade, o disposto no Projeto de Lei nº 083/2017 sem prejuízo da disciplina da Lei nº 1.319/96, sugere-se que os artigos 4º e 5º da lei já em vigor passem a constar da seguinte forma, mantendo o seu sentido:

Art. 4º É proibido depositar, comercializar ou conservar fogos de artifício, embora provisoriamente, nas vias públicas, em prédios residenciais ou de uso misto, bem como queimar ou permitir a queima nesses locais e em áreas de grande concentração popular.

Parágrafo único – Nos locais de grande concentração popular, é permitida a exibição de shows pirotécnicos mediante a responsabilidade de profissional habilitado com licença prévia do órgão competente.

E, então, que seja introduzido um novo artigo 5º na Lei nº 1.319/96:

Art. 5º Fica proibida na zona urbana do Município de Guaíba a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido.

Por fim, que seja adequada a previsão da multa estabelecida no artigo 9º da Lei nº 1.319/96 aos termos do artigo 2º do Projeto de Lei nº 083/2017.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 083/2017, apenas consignando ser necessário, para não haver conflito com a Lei Municipal nº 1.319/96, que se efetuem os ajustes indicados, por meio de substitutivo, de modo a incluir os dispositivos da proposta como novos artigos da lei já em vigor, evitando que existam duas leis específicas tratando sobre o uso de fogos de artifício.

Guaíba, 23 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 23/10/2017 ás 15:37:34. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação b4db35fe7dd85b7f8970b9f60a169706.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 44574.