Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 095/2017
PROPONENTE : Ver.ª Fernanda Garcia
     
PARECER : Nº 310/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre afixar, obrigatoriamente, informativos expondo o alfabeto e os números em Libras, em todos os estabelecimentos comerciais e instituições privadas de uso coletivo do município de Guaíba"

1. Relatório:

A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 095/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a afixação de informativos expondo o alfabeto e os números em Libras em todos os estabelecimentos comerciais e instituições privadas de uso coletivo do Município de Guaíba. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”.

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Veja-se que, entre as competências legislativas dos Municípios, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função legiferante deve ser exercida nos termos e nos limites da Constituição Federal, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local.

Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (CF, artigo 22).

O Legislativo, tal como prevê o artigo 30, II, da Constituição Federal, pode e deve suplementar a legislação federal e estadual no que couber, para melhor atender às peculiaridades de cada Município, detalhando e pormenorizando as normas gerais editadas com base na competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal. Inclusive, o inciso XIV do referido dispositivo constitucional estabelece que a União, os Estados e o Distrito Federal podem legislar concorrentemente sobre a “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”, daí decorrendo a competência suplementar dos municípios para legislar sobre a matéria, em conjunto com o artigo 30, II, da CF.

Portanto, aos municípios, além da competência material prevista no artigo 23, II, da Constituição Federal, também é deferida a competência legislativa para especificar as normas federais e estaduais sobre defesa da pessoa portadora de deficiência, não havendo qualquer mácula constitucional à proposta apresentada no que concerne à competência:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Além disso, cabe referir que a Lei Orgânica do Município de Guaíba, no artigo 119, não faz reserva alguma de iniciativa ao Poder Executivo quanto à matéria aqui tratada, presumindo-se, portanto, tratar-se de iniciativa comum, na forma do artigo 38, in verbis: “A iniciativa das Leis Municipais, salvo nos casos de competência exclusiva, cabe a qualquer Vereador, Comissão Permanente da Câmara, ao Prefeito ou ao eleitorado.”

Portanto, no que diz respeito à competência e à iniciativa, inexiste qualquer vício ou mácula a impedir a regular tramitação do Projeto de Lei nº 095/2017.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 095/2017 é promover a inclusão social da comunidade surda, por meio da afixação de informativos expondo o alfabeto e os números em LIBRAS em todos os estabelecimentos comerciais e instituições privadas de uso coletivo do Município de Guaíba.

O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.”

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Sobre o atendimento prioritário na Lei nº 13.146/2015, prevê o artigo 9º:

Art. 9º A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:

I - proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

II - atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público;

III - disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas;

IV - disponibilização de pontos de parada, estações e terminais acessíveis de trans-porte coletivo de passageiros e garantia de segurança no embarque e no desembarque;

V - acesso a informações e disponibilização de recursos de comunicação acessíveis;

VI - recebimento de restituição de imposto de renda;

VII - tramitação processual e procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada, em todos os atos e diligências.

§ 1º Os direitos previstos neste artigo são extensivos ao acompanhante da pessoa com deficiência ou ao seu atendente pessoal, exceto quanto ao disposto nos incisos VI e VII deste artigo.

§ 2º Nos serviços de emergência públicos e privados, a prioridade conferida por esta Lei é condicionada aos protocolos de atendimento médico. (grifei)

É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 095/2017 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009) e na legislação federal. Ademais, para dirimir eventual dúvida acerca da existência de vício formal de iniciativa para a propositura do projeto de lei, em razão da cominação da multa, realizou-se pesquisa a respeito de casos semelhantes em outros municípios, chegando-se ao acórdão proferido na ADI nº 2028694-23.2015.8.26.0000, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

No referido acórdão, em que se discutiu a constitucionalidade da Lei nº 6.173, de 4 de novembro de 2014, do Município de Ourinhos, por terem sido cominadas penalidades administrativas pelo descumprimento da obrigação de afixar avisos escritos sobre os crimes praticados contra crianças e adolescentes, o Tribunal defendeu que a matéria objeto da referida lei não diz respeito à organização e funcionamento da Administração Pública – o que poderia macular o diploma de vício formal de inconstitucionalidade –, destinando-se a regra aos particulares no âmbito de suas atividades empresariais.

Além disso, o Tribunal de Justiça asseverou inexistir, na prática, qualquer aumento de despesa a atrair a iniciativa privativa do Chefe do Executivo para a propositura do projeto, uma vez que já há estrutura administrativa em funcionamento que executa o poder de polícia nos comércios e serviços locais, sendo que “o dever de fiscalização do cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem, no caso, efeito de gerar despesas ao Município.

No que diz respeito ao Município de Guaíba, de acordo com o relatório de cargos referente ao mês de agosto de 2017, publicado no sítio da Prefeitura[1], há um total de 10 (dez) cargos ocupados de Fiscal de Tributos e Posturas, cujas atribuições, nos termos da Lei Municipal nº 1.116/93, incluem:

[...] fiscalizar os estabelecimentos industriais, comerciais, serviços, comércio, inclusive os ambulantes e os precários (feiras, quermesses, etc.), profissionais liberais, serviços concedidos, plataformas de embarque e desembarque de passageiros, de qualquer modal, os pontos e abrigos de ônibus ou similar, as obras em geral, as sinalizações, o cumprimento dos horários, os itinerários, a higiene dos veículos (ônibus, taxi, lotação), a documentação, a postura e o tratamento dispensado pelos profissionais (motoristas, fiscais, cobradores...) aos usuários dos serviços (passageiros, clientes de bancos e loterias, bares, boates e restaurantes, hospitais e ambulatórios, escolas, cinemas, repartições públicas - inclusive Prefeitura, etc.), as acessibilidades (rampas, inclusive dos coletivos), as filas quanto ao tempo de espera e a urbanidade no atendimento ao público (cadeirantes, idosos, gestantes, deficientes visuais e auditivos, portadores de limitação locomotora, etc.); exercer o poder de polícia, próprios do Poder Público; cumprir e fazer cumprir as leis, decretos, atos administrativos e o que mais couber; [...] arrecadar as verbas municipais de natureza tributária e postural (multa);

[1] http://transparencia.guaiba.rs.gov.br/files/uploads/docs/d70e6394ff56a88a8d616f31c1fcfdf8.pdf

Portanto, constata-se que já há estrutura administrativa organizada para promover o exercício do poder de polícia no Município de Guaíba, especialmente para “cumprir e fazer cumprir as leis, decretos, atos administrativos e o que mais couber”, de tal forma que a cominação de penalidade administrativa para o descumprimento da obrigação prevista no projeto de lei em análise não acarretará aumento de despesa para a sua efetiva aplicação; do contrário, o produto das multas constituirá fonte de receita em favor da Administração Pública, que poderá melhor equipar-se para atender aos objetivos de interesse público.

O IGAM, na orientação técnica nº 25.135/2017, referiu que “as instituições constantes do art. 4º devem ser privadas, bem como deve ser excluído do art. 3º a colocação de modelo no endereço eletrônico da Câmara, tendo em vista que se trata de competência da mesa diretora.” No entanto, a redação do artigo 4º da proposição é clara ao estabelecer a obrigação apenas às instituições privadas, de modo que, por óbvio, somente as instituições financeiras privadas, hospitais privados e instituições educacionais privadas estão sujeitos à medida apresentada. Além disso, a simples publicação de modelo a ser seguido pelos destinatários da norma no site da Câmara dos Vereadores não usurpa as competências da Mesa Diretora, que estão previstas no artigo 28 do Regimento Interno e não incluem a divulgação de informações de interesse público.

Por fim, o IGAM sugeriu que, à luz da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, sejam feitas alterações de técnica legislativa no projeto de lei. Ocorre que as modificações propostas em nada afetam o entendimento da proposta e também não configuram erro na formulação, tratando-se de mero estilo. A própria Constituição Federal, publicada no sítio do Planalto[1], prevê a formatação dos artigos em números ordinais na forma “Art. 1o".

A sugestão de que seja retirado o caractere “/” da epígrafe “Projeto de Lei 095/2017” é desnecessária porque, se aprovada, a proposta será reescrita na forma de lei ordinária, com a supressão da barra e indicação da data da promulgação. Ademais, a ementa já está suficientemente recuada.

Sugere-se apenas a alteração da redação dos artigos 1º e 2º para os seguintes termos, a fim de demonstrar maior clareza e atender ao disposto no artigo 10, III, da Lei Complementar Federal nº 95/98:

Art. 1º - É obrigatória a afixação de informativos expondo o alfabeto e os números em Libras em todos os estabelecimentos comerciais, empresas e instituições privadas de uso coletivo do Município de Guaíba.

Parágrafo único. Os informativos deverão ser afixados por andar no caso de o estabelecimento possuir mais de um pavimento.

Art. 2º - A afixação deverá ocorrer em locais visíveis.

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 095/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, apenas sugerindo a alteração da redação dos artigos 1º e 2º, nos termos acima expostos.

É o parecer.

Guaíba, 20 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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