PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a conciliação, as hipóteses de acordo, transação, dispensa ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte" 1. Relatório:O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 060/17 à Câmara Municipal, que “dispõe sobre a conciliação, as hipóteses de acordo, transação, dispensa ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte”. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fls. 02 e 03). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 2. Parecer:Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da atividade administrativa de órgão subordinado ao Chefe do Poder Executivo, sendo este, portanto, o agente político legitimado para deflagrar o processo legislativo, fulcro no artigo 52, VI, da LOM. Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” A criação de mecanismos de conciliação, hipóteses de acordo, transação ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte se insere, efetivamente, na definição de interesse local, pois resta evidente que, ao estabelecer meios para a solução de controvérsias judiciais que envolvam a Administração Municipal, o Projeto de Lei nº 060/2017 veicula matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (artigo 22, CF), por consistir na mera padronização da atividade da Procuradoria do Município. Portanto, sob os critérios da competência e da iniciativa, não se vislumbram vícios de ordem formal que possam impedir a tramitação do Projeto de Lei nº 060/2017. No tocante aos dispositivos da propositura em questão, em linhas gerais, verifica-se estarem de acordo com o ordenamento jurídico, uma vez que o atual Código de Processo Civil assim prevê:
Em âmbito federal, a Lei nº 9.469/97 disciplina similarmente a matéria, prevendo a possibilidade de o Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto, autorizarem a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios (artigo 1º). Trata-se de permissivo legal que objetiva equacionar diversos princípios e interesses jurídicos, como a duração razoável do processo, a economicidade e a indisponibilidade do interesse público. Como se sabe, o regime jurídico administrativo é marcadamente identificado por dois princípios basilares, que tornam a atividade administrativa distinta da exercida pelos particulares em geral: princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e princípio da indisponibilidade do interesse público. Tais pilares formam um regime de prerrogativas e sujeições: a Administração, por um lado, tem vantagens em relação aos particulares (prescrição diferenciada, bens públicos, cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, precatórios para o pagamento das obrigações...) e, por outro lado, tem restrições relacionadas ao modo do exercício do poder, que não pode extrapolar da mera gestão da coisa pública, sendo vedada a renúncia ao interesse público. O Estado, com base na indisponibilidade do interesse público, sujeita-se de todo modo ao princípio da legalidade, base do Estado de Direito, obrigando-se a agir apenas nos exatos limites da lei, só podendo fazer aquilo que a norma expressamente autorize ou obrigue. Por esse motivo, a Administração Pública não pode dispor livremente do interesse público, sendo indispensável a convergência de outros interesses juridicamente legítimos para a adoção de um comportamento que, à primeira vista, pareça configurar renúncia à boa administração. No presente caso, sobressai o direito fundamental à razoável duração do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/04, que condiciona a tramitação dos processos judiciais a um tempo razoável e busca garantir a fruição do resultado útil da demanda tempestivamente. Além disso, destaca-se também o princípio da economicidade, previsto no artigo 70, caput, da CF, formado pela junção dos fatores celeridade, qualidade e avaliação dos custos operantes da atividade administrativa. Ou seja, a economicidade estará cumprida quando a medida tiver custo-benefício positivo para a comunidade, refletindo, também, na eficiência da Administração Pública (artigo 37, caput, CF). No caso do Projeto de Lei nº 060/2017, embora a transação pela Administração Pública revele, sob uma visão superficial, a disposição de possíveis ganhos patrimoniais nos processos judiciais, a verdade é que a lentidão do Poder Judiciário na solução das demandas e os riscos inerentes ao processo trazem a conciliação e a transação como mecanismos céleres e efetivos de encerramento de causas, com economia para os cofres públicos. Entre os riscos próprios do processo que podem prejudicar o Município, citam-se a extinção antecipada por irregularidades processuais, uma eventual prescrição, insucesso na fase de execução e, obviamente, a probabilidade de derrota na fase de conhecimento. As medidas pretendidas com o projeto de lei são legítimas sob o ponto de vista da economicidade e da eficiência da Administração Pública, pois antecipam o resultado dos processos e garantem algum proveito ao Poder Público nas causas em que a derrota é bastante provável (artigo 5º). Ainda, a proposta apresenta as hipóteses de conciliação, desistência e ausência de contestação em casos específicos, com limites em relação ao valor e às peculiaridades do processo, ou seja, somente nos casos em que realmente há vantagem para o Município, sem prejuízo para o interesse público. A propósito, o STF já reconheceu que há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse, como ocorre com o Projeto de Lei nº 060/2017. Importante salientar o entendimento do TCE/RS sobre a matéria:
Em relação aos créditos tributários, o artigo 171 do Código Tributário Nacional prevê que “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.” No mesmo sentido, o artigo 354 do Código Tributário Municipal de Guaíba. Vê-se, pela redação desses dispositivos, que a lei autorizativa da transação deve ser trazer disciplina específica em relação aos créditos tributários, por consistir em modalidade de extinção (artigo 156, III, CTN c/c artigo 338, III, CTM). No caso deste projeto de lei, o tratamento dado aos mecanismos de composição de litígios foi genérico, referindo-se a todas as causas em que o Município de Guaíba seja parte e não fazendo menção a créditos tributários. Desse modo, considerando que a arrecadação de tributos é atividade administrativa obrigatória e plenamente vinculada (artigo 3º, CTN), tem-se que a disciplina da transação em matéria tributária deve ser específica. Assim sendo, nas linhas da orientação técnica nº 25.178/2017 do IGAM, é necessário que conste dispositivo no Projeto de Lei nº 060/2017 no sentido de que as transações advindas deste diploma legal se referem apenas aos créditos de natureza não tributária, já que a transação em matéria tributária, importando extinção do crédito (artigo 156, III), deve receber disciplina específica, conforme exigem o artigo 171 do Código Tributário Nacional e artigo 354 do Código Tributário Municipal. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 060/2017 está condicionada à inclusão de dispositivo que esclareça a incidência dos mecanismos de autocomposição apenas aos créditos de natureza não tributária, visto que a transação, em matéria tributária, exige disciplina específica, por consistir em causa de extinção do crédito tributário. É o parecer. Guaíba, 20 de outubro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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