Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 060/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 308/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a conciliação, as hipóteses de acordo, transação, dispensa ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 060/17 à Câmara Municipal, que “dispõe sobre a conciliação, as hipóteses de acordo, transação, dispensa ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte”. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fls. 02 e 03). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da atividade administrativa de órgão subordinado ao Chefe do Poder Executivo, sendo este, portanto, o agente político legitimado para deflagrar o processo legislativo, fulcro no artigo 52, VI, da LOM.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

A criação de mecanismos de conciliação, hipóteses de acordo, transação ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte se insere, efetivamente, na definição de interesse local, pois resta evidente que, ao estabelecer meios para a solução de controvérsias judiciais que envolvam a Administração Municipal, o Projeto de Lei nº 060/2017 veicula matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (artigo 22, CF), por consistir na mera padronização da atividade da Procuradoria do Município.

Portanto, sob os critérios da competência e da iniciativa, não se vislumbram vícios de ordem formal que possam impedir a tramitação do Projeto de Lei nº 060/2017.

No tocante aos dispositivos da propositura em questão, em linhas gerais, verifica-se estarem de acordo com o ordenamento jurídico, uma vez que o atual Código de Processo Civil assim prevê:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

[...]

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

[...]

Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)

[...]

§ 2º Estão excluídos da regra do caput:

I - as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido;

Em âmbito federal, a Lei nº 9.469/97 disciplina similarmente a matéria, prevendo a possibilidade de o Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto, autorizarem a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios (artigo 1º). Trata-se de permissivo legal que objetiva equacionar diversos princípios e interesses jurídicos, como a duração razoável do processo, a economicidade e a indisponibilidade do interesse público.

Como se sabe, o regime jurídico administrativo é marcadamente identificado por dois princípios basilares, que tornam a atividade administrativa distinta da exercida pelos particulares em geral: princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e princípio da indisponibilidade do interesse público. Tais pilares formam um regime de prerrogativas e sujeições: a Administração, por um lado, tem vantagens em relação aos particulares (prescrição diferenciada, bens públicos, cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, precatórios para o pagamento das obrigações...) e, por outro lado, tem restrições relacionadas ao modo do exercício do poder, que não pode extrapolar da mera gestão da coisa pública, sendo vedada a renúncia ao interesse público. O Estado, com base na indisponibilidade do interesse público, sujeita-se de todo modo ao princípio da legalidade, base do Estado de Direito, obrigando-se a agir apenas nos exatos limites da lei, só podendo fazer aquilo que a norma expressamente autorize ou obrigue.

Por esse motivo, a Administração Pública não pode dispor livremente do interesse público, sendo indispensável a convergência de outros interesses juridicamente legítimos para a adoção de um comportamento que, à primeira vista, pareça configurar renúncia à boa administração. No presente caso, sobressai o direito fundamental à razoável duração do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/04, que condiciona a tramitação dos processos judiciais a um tempo razoável e busca garantir a fruição do resultado útil da demanda tempestivamente.

Além disso, destaca-se também o princípio da economicidade, previsto no artigo 70, caput, da CF, formado pela junção dos fatores celeridade, qualidade e avaliação dos custos operantes da atividade administrativa. Ou seja, a economicidade estará cumprida quando a medida tiver custo-benefício positivo para a comunidade, refletindo, também, na eficiência da Administração Pública (artigo 37, caput, CF).

No caso do Projeto de Lei nº 060/2017, embora a transação pela Administração Pública revele, sob uma visão superficial, a disposição de possíveis ganhos patrimoniais nos processos judiciais, a verdade é que a lentidão do Poder Judiciário na solução das demandas e os riscos inerentes ao processo trazem a conciliação e a transação como mecanismos céleres e efetivos de encerramento de causas, com economia para os cofres públicos. Entre os riscos próprios do processo que podem prejudicar o Município, citam-se a extinção antecipada por irregularidades processuais, uma eventual prescrição, insucesso na fase de execução e, obviamente, a probabilidade de derrota na fase de conhecimento. As medidas pretendidas com o projeto de lei são legítimas sob o ponto de vista da economicidade e da eficiência da Administração Pública, pois antecipam o resultado dos processos e garantem algum proveito ao Poder Público nas causas em que a derrota é bastante provável (artigo 5º).

Ainda, a proposta apresenta as hipóteses de conciliação, desistência e ausência de contestação em casos específicos, com limites em relação ao valor e às peculiaridades do processo, ou seja, somente nos casos em que realmente há vantagem para o Município, sem prejuízo para o interesse público. A propósito, o STF já reconheceu que há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse, como ocorre com o Projeto de Lei nº 060/2017.

Importante salientar o entendimento do TCE/RS sobre a matéria:

2.4.5. Na linha da possibilidade de transação, o Tribunal de Contas de Santa Catarina, em decisão proferida em 13-7-98, no Prejulgado nº 568 (28), assim se posicionou: “568 - Os agentes do Estado somente podem praticar atos para os quais estejam autorizados por norma válida. O poder de transigir ou renunciar não se configura se a lei não o prevê. O acordo judicial, portanto, é possível, desde que existente norma legal autorizativa.”

(...)

2.4.8. Assim, se for o caso de acordo judicial, a lei deverá estabelecer, genericamente, os casos, limites, condições, requisitos e critérios objetivos a fim de que possa ocorrer o respectivo acordo, não sujeitando-se a decisão ao simples poder discricionário do administrador, considerando a necessária observância aos princípios da igualdade, economicidade, finalidade, razoabilidade, dentre outros (art. 37, caput da CF). Isto equivaleria dizer que, em todas as situações que se amoldassem aos exatos ditames da lei, seria possível a transação judicial.

Em relação aos créditos tributários, o artigo 171 do Código Tributário Nacional prevê que “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.” No mesmo sentido, o artigo 354 do Código Tributário Municipal de Guaíba. Vê-se, pela redação desses dispositivos, que a lei autorizativa da transação deve ser trazer disciplina específica em relação aos créditos tributários, por consistir em modalidade de extinção (artigo 156, III, CTN c/c artigo 338, III, CTM). No caso deste projeto de lei, o tratamento dado aos mecanismos de composição de litígios foi genérico, referindo-se a todas as causas em que o Município de Guaíba seja parte e não fazendo menção a créditos tributários. Desse modo, considerando que a arrecadação de tributos é atividade administrativa obrigatória e plenamente vinculada (artigo 3º, CTN), tem-se que a disciplina da transação em matéria tributária deve ser específica.

Assim sendo, nas linhas da orientação técnica nº 25.178/2017 do IGAM, é necessário que conste dispositivo no Projeto de Lei nº 060/2017 no sentido de que as transações advindas deste diploma legal se referem apenas aos créditos de natureza não tributária, já que a transação em matéria tributária, importando extinção do crédito (artigo 156, III), deve receber disciplina específica, conforme exigem o artigo 171 do Código Tributário Nacional e artigo 354 do Código Tributário Municipal. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 060/2017 está condicionada à inclusão de dispositivo que esclareça a incidência dos mecanismos de autocomposição apenas aos créditos de natureza não tributária, visto que a transação, em matéria tributária, exige disciplina específica, por consistir em causa de extinção do crédito tributário.

É o parecer.

Guaíba, 20 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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