Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 059/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 306/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Institui a Central de Conciliação e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 059/17 à Câmara Municipal, que “institui a Central de Conciliação e dá outras providências”. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fls. 02-04). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da organização administrativa do Município, criando atribuições para órgãos da administração pública, no caso, a Procuradoria-Geral do Município. Portanto, cumpridas as disposições do artigo 60, II, “d”, da Constituição Estadual, bem como do artigo 52, VI, da Lei Orgânica Municipal.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

A instituição de uma Central de Conciliação se insere, efetivamente, na definição de interesse local, pois resta evidente que, ao estabelecer a conciliação como meio para a solução de controvérsias administrativas ou judiciais que envolvam a Administração Municipal, o Projeto de Lei nº 059/2017 veicula matéria de relevância para o Município. Além disso, a proposta apresentada se justifica pela competência conferida aos municípios para suplementar a legislação federal e estadual no que couber, nos termos do artigo 30, II, da CF.

Portanto, sob esses critérios, não se vislumbram vícios de ordem formal no projeto submetido à análise. No tocante aos dispositivos da propositura em questão, em linhas gerais, verifica-se estarem de acordo com o ordenamento jurídico, uma vez que o artigo 174 do atual Código de Processo Civil assim prevê:

Art. 174.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:

I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; 

II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; 

III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.

No mesmo sentido, a Lei nº 13.140/2015 estabelece em seu art. 32:

Art. 32.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:

I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; 

II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público; 

III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.

1º O modo de composição e funcionamento das câmaras de que trata o caput será estabelecido em regulamento de cada ente federado.

2º A submissão do conflito às câmaras de que trata o caput é facultativa e será cabível apenas nos casos previstos no regulamento do respectivo ente federado.

3º Se houver consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo e constituirá título executivo extrajudicial.

4º Não se incluem na competência dos órgãos mencionados no caput deste artigo as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo.

5º Compreendem-se na competência das câmaras de que trata o caput a prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares.

Da análise do Projeto de Lei nº 059/2017 não se verifica a ocorrência de qualquer ilegalidade em relação às disposições do NCPC e da Lei Federal nº 13.140/15, que são claras ao remeter ao próprio ente federado o poder de regulamentar a composição e o funcionamento das centrais de conciliação. Os diplomas legais referidos estabelecem normas gerais a serem seguidas pelos entes federados, sendo permitido e até mesmo necessário o detalhamento das regras, com fundamento no exercício da competência suplementar.

O parágrafo único do artigo 4º, ao estabelecer que a transação homologada implicará renúncia a todo e qualquer direito no qual possa fundar uma ação judicial, suscitou certa dúvida em relação à sua constitucionalidade, em razão do direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, XXXV, CF). Porém, é preciso lembrar que não existem direitos fundamentais absolutos, além do que a segurança jurídica também é direito fundamental, por decorrer do regime e dos princípios adotados pela Constituição (artigo 5º, § 2º).

A segurança jurídica, além disso, é fundamento de índole constitucional do princípio venire contra factum proprium, muito estudado no âmbito dos negócios jurídicos e que possui aplicação nas relações com a Administração Pública, por referir-se a um dever da boa-fé objetiva. O referido princípio, incidente no âmbito processual através do instituto “preclusão lógica”, impede a adoção de um comportamento contraditório a um ato anteriormente praticado. É por este motivo que o artigo 487, III, “b”, do Código de Processo Civil impõe a extinção do processo com resolução do mérito quando houver a transação, a fim de que a parte não possa discutir novamente o mérito do processo, por configurar um comportamento contraditório ao ato de composição dos direitos.

Na esfera extraprocessual, a transação administrativa, de fato, impede a discussão do mérito da causa no Judiciário, porque isso revela verdadeira contradição por parte de quem a celebrou. Resumidamente, com base no venire contra factum proprium, homologada a transação, não é possível dirigir-se ao Judiciário para rever as cláusulas ou a justiça do acordo, já que tal conduta revela contradição e burla à necessária estabilidade das relações jurídicas. A tutela judicial limita-se, nesses casos, à anulação da transação por eventual dolo, coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa (artigo 849, CC). 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 059/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 19 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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