Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 045/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 304/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Autoriza o município a receber do Estado do Rio Grande do Sul, a título de doação, os lotes imobiliários matriculados junto ao livro nº 2, matrículas 45.580 e 45.585 do Registro de Imóveis da Comarca de Guaíba/RS para fins de regularização fundiária"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 045/2017 à Câmara Municipal, buscando obter autorização legislativa para a aquisição, por meio de doação do Estado do Rio Grande do Sul, de dois lotes imobiliários localizados no Loteamento Nossa Senhora de Fátima, Bairro Colina, para o fim de realizar a regularização fundiária de área em frente ao Instituto de Educação Carlos Augusto de Moura e Cunha. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 

2. Parecer:

O regime jurídico administrativo é marcadamente identificado por dois princípios basilares, que tornam a atividade administrativa distinta da exercida pelos particulares em geral: princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e princípio da indisponibilidade do interesse público. Tais pilares formam um regime de prerrogativas e sujeições: a Administração, por um lado, tem vantagens em relação aos particulares (prescrição diferenciada, bens públicos, cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, precatórios para o pagamento das obrigações...) e, por outro lado, tem restrições relacionadas ao modo do exercício do poder, que não pode extrapolar da mera gestão da coisa pública, sendo vedada a renúncia ao interesse público. O Estado, com base na indisponibilidade do interesse público, sujeita-se de todo modo ao princípio da legalidade, base do Estado de Direito, obrigando-se a agir apenas nos exatos limites da lei, só podendo fazer aquilo que a norma expressamente autorize ou obrigue.

 Nesses termos, a Lei Geral de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93) estabelece, no seu artigo 17, as condicionantes para a alienação de bens. Dispõe ser necessária a existência de interesse público devidamente justificado, prévia avaliação, autorização legislativa quando se tratar de bens imóveis de órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, assim como licitação na modalidade concorrência, estando esta dispensada no caso de doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera do governo (artigo 17, I, “b”). Tais são as exigências para a alienação dos bens imóveis pela Administração Pública, por se tratar de ato que, em tese, reflete a disposição do interesse público pela entrega da propriedade de um bem público.

Ocorre que, neste caso, o Município de Guaíba não está dispondo dos bens imóveis; pelo contrário, com a aprovação da proposta, receberá em doação os lotes imobiliários, medida que lhe é favorável, por ampliar o conjunto de bens que compõem o seu patrimônio. Diante disso, tem-se que as restrições previstas no artigo 17 da Lei nº 8.666/93 se aplicam, na realidade, ao ente público doador (Estado do Rio Grande do Sul), por ser este quem está a dispor do seu patrimônio gratuitamente, através de doação.

De qualquer forma, cabe referir que o interesse público na aquisição do bem está devidamente demonstrado, especialmente diante da exposição de motivos de fl. 03, que vincula o recebimento dos bens a projeto de regularização fundiária a ser executado pelo Município de Guaíba. O IGAM, na orientação técnica nº 21.774/2017, apresentou inúmeras ponderações a respeito da recente Lei Federal nº 13.465/17, a qual instituiu normas gerais e procedimentos aplicáveis à regularização fundiária urbana (Reurb). A respeito dessas ponderações, é relevante referir que tramita, nesta Câmara Municipal, o Projeto de Lei nº 051/17, que busca instituir o Programa Cidade Legal, com o objetivo de realizar a regularização fundiária (REURB) nas áreas de interesse social e específico no Município de Guaíba à luz das novas diretrizes federais.

Assim, é possível perceber que o Município, de fato, está comprometido com a causa da regularização fundiária, valendo-se desses projetos de lei para, sobretudo, dar início aos procedimentos necessários. As exigências apresentadas pelo IGAM quanto ao Reurb, na realidade, referem-se às futuras etapas de execução desse projeto, caso os bens efetivamente sejam doados ao Município de Guaíba. Portanto, em nada obstaculizam, nesse momento, a aprovação da proposta.

Além disso, o IGAM corretamente sustentou que “A rigor, a proposição em análise seria desnecessária, haja vista que o Executivo é o administrador de todo o patrimônio do Município, embora, por outro lado, nada obste submeter o recebimento de bem imóvel por doação ao conhecimento da Câmara de Vereadores.” Como já foi dito, o regime jurídico administrativo exige, pelas sujeições decorrentes do princípio da indisponibilidade do interesse público, que a entrega de bens, seja pela alienação, seja pela doação, dependa de autorização legal. Entretanto, o caso em análise retrata o recebimento de bens pelo Município de Guaíba, o que se encontra dentro do poder de administração do patrimônio pelo Prefeito, não dependendo, à primeira vista, de criação de lei específica.

A propósito, esclarece a doutrina sobre esse assunto:

Para o recebimento de bens em doação, móveis ou imóveis, não é necessária prévia autorização legislativa. Exceção deve ser feita quando a doação é feita com alguma obrigação remanescente, seja financeira ou não, ou, então, haja previsão de autorização na lei orgânica do município. É necessária ampla análise quanto à doação e o seu interesse público, de forma motivada. A doação a uma finalidade específica de utilização de um imóvel, por exemplo, por si só, não caracteriza um encargo (FLORES, 2007).

Na Lei Orgânica Municipal, não há dispositivo obrigando a aprovação de projeto de lei para o recebimento de bens públicos. O mais próximo que existe é a regra do artigo 97, que prevê: “A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.” Veja-se que o caso aqui analisado não se refere à permuta, e sim à doação, não se aplicando, portanto, a referida regra.

Mesmo que desnecessária a aprovação de projeto de lei, a proposta apresentada é válida e reflete a importância da Câmara Municipal de Vereadores de Guaíba nas decisões políticas de governo. Assim, não há qualquer óbice à tramitação do Projeto de Lei nº 045/17, valendo ressaltar que a mera autorização legal, por si só, é incapaz de gerar efeitos patrimoniais, devendo ainda assim ser providenciada a escritura pública, com a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, para que efetivamente seja transferida a propriedade dos bens ao Município de Guaíba. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 045/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 18 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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