PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Dispõe sobre a presença de intérprete de Língua Brasileira de Sinais em eventos oficiais promovidos pelos órgãos públicos municipais" 1. Relatório:A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 065/2017 à Câmara Municipal, objetivando obrigar os órgãos públicos municipais, quando realizarem eventos oficiais, a garantir a presença de um intérprete da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A obrigação que se pretende instituir para os órgãos da Administração Pública se insere na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, II, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (CF, art. 22), o Projeto de Lei nº 065/2017 estabelece a facilitação do acesso à informação pelas pessoas portadoras de deficiência, direito que também é alinhado ao espírito democrático e garantista da Constituição. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 065/2017 é promover a inclusão das pessoas portadoras de deficiência, mediante a garantia de acesso igualitário aos meios de informação e de participação nos eventos promovidos por órgãos públicos municipais. A medida pretendida, quanto à matéria, vem ao encontro de todo o arcabouço jurídico relacionado à cultura, ao acesso à informação e à participação democrática. Ocorre que o Projeto de Lei nº 065/2017, embora louvável no objetivo, contém vício de iniciativa. As hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
O Projeto de Lei nº 065/2017 busca, acima de tudo, a criação de um dever específico ao Poder Público, consistente na garantia da atuação de um intérprete de LIBRAS em todos os eventos oficiais de órgãos públicos municipais, matéria que diz respeito à estruturação dos órgãos da administração pública, que deverão contratar os profissionais capacitados para a interpretação, seja através de licitação para a obtenção de serviços, seja por criação de vaga a ser preenchida por concurso público. Apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que determinem a estruturação de órgãos da Administração Pública, ou que lhe atribuam encargos que não apenas detalhem a execução de atribuições já existentes, compete apenas ao Chefe do Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa. Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei. O importante é que, nos projetos de lei que gerem aumento de despesa pública, seja demonstrada a prévia dotação orçamentária para o programa, mediante a indicação das respectivas fontes de custeio, conforme determinam os artigos 154, I, da CE/RS e 167, I, da CF/88, para que não haja violação das restritas regras que disciplinam a responsabilidade fiscal (LC nº 101/00). Sucede-se que, além de referir-se à matéria de estruturação dos órgãos públicos, não houve demonstração, no projeto de lei, da prévia dotação orçamentária e das fontes de custeio das despesas públicas, razões pelas quais a proposta se torna inviável, muito embora seja honroso o seu objeto. Nesses termos, vale destacar a ementa do parecer elaborado pelo Ministério Público de São Paulo na ADI nº 2002688-13.2014.8.26.0000:
No Município de Porto Alegre, projeto similar foi apresentado à Câmara de Vereadores, para tornar obrigatória a presença de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais em todos os eventos realizados pelo Município, de modo a assegurar a interpretação e a tradução integral. Embora a proposta tenha sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, foi rejeitada, em 11 de agosto de 2017, na Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e do MERCOSUL, sob os seguintes fundamentos:
Por fim, cabe trazer à tona julgado do TJRS em que se demonstra a iniciativa privativa do Chefe do Executivo para projetos de lei que disponham sobre a estruturação da Administração Pública e a atribuição de seus órgãos, bem como a necessidade de comprovação da prévia dotação orçamentária nas propostas que impliquem geração de despesas:
Assim, embora seja admirável sob o ponto de vista material, o Projeto de Lei nº 065/2017 contém vício de iniciativa, por dispor sobre a estruturação dos órgãos públicos e sobre nova atribuição que vai além da mera regulamentação ou detalhamento de tarefas já determinadas a essas unidades administrativas. Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito apresente o mesmo projeto ao Legislativo, afastando, assim, a ocorrência do vício de iniciativa. Também é possível que seja apresentado um substitutivo, pela proponente, para determinar a obrigação de manter intérprete de LIBRAS em certos eventos privados, especialmente os que, por sua natureza, se baseiem em comunicação contínua (seminários, congressos, palestras, simpósios) e/ou aqueles que comprovadamente tenham a presença de pessoas surdas. Trata-se de alternativa que mantém os propósitos do projeto, não ingressa na matéria de estruturação e atribuições dos órgãos públicos e dispensa dotação orçamentária dos cofres públicos. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 065/2017, pela ocorrência de vício de iniciativa e pela falta de indicação das fontes de custeio das despesas, nada impedindo, contudo, que seja remetido ao Executivo sob a forma de indicação (artigo 114 do RI) ou que seja apresentado substitutivo, pela proponente, nos moldes recomendados. Guaíba, 18 de outubro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 18/10/2017 ás 16:52:28. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 9fef0dd2c1ccc87f974bb26f3b8e7719.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 44244. |