PARECER JURÍDICO |
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"Cria o setor de empréstimo de livros as pessoas com deficiência física em suas residências para leitura e pesquisa" 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 074/2017 à Câmara Municipal, objetivando criar o setor de empréstimo de livros, na biblioteca pública municipal, para a entrega de obras na residência de pessoas portadoras de deficiência física. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
O setor de empréstimos que se pretende instituir na biblioteca municipal se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, II, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (CF, art. 22), o Projeto de Lei nº 074/2017 estabelece a facilitação ao acesso aos meios de cultura pela pessoa portadora de deficiência física, direito que também é alinhado ao espírito democrático e garantista da Constituição. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 074/2017 é promover a inclusão das pessoas portadoras de deficiência, mediante a garantia de acesso igualitário aos meios de cultura alcançados gratuitamente àqueles que não possuem deficiência física (retirada de obras literárias na biblioteca pública municipal). A medida pretendida, quanto à matéria, vem ao encontro de todo o arcabouço jurídico relativo à matéria. Ocorre que o Projeto de Lei nº 074/2017, embora louvável o seu objeto, contém vício de iniciativa. As hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
O Projeto de Lei nº 074/2017 busca, acima de tudo, a criação de um setor específico, na biblioteca pública municipal, para a organização dos empréstimos de livros às pessoas com deficiência física, conferindo aos funcionários do órgão, ainda, a atribuição de efetuar a entrega das obras literárias na residência dos solicitantes. Apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Poder Legislativo, uma vez que a iniciativa para projetos que criem ou estruturem órgãos da Administração Pública, ou que lhe atribuam obrigações até então inexistentes, compete apenas ao Chefe do Executivo, enquanto responsável pela organização administrativa. Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, como bem referiu o IGAM na orientação técnica nº 22.777/2017, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Relator: Min. Gilmar Mendes, publicado em 11/10/2016). Sucede-se que, muito além de apenas criar novas despesas ao Executivo, o Projeto de Lei nº 074/2017 objetiva a criação de um setor na biblioteca pública municipal, órgão da Administração Pública, a fim de organizar e realizar as entregas de obras literárias na residência de pessoas portadoras de deficiência. Além disso, a intenção da proposta é atribuir aos servidores do órgão a tarefa de entregar os livros aos solicitantes, o que também ingressa na matéria privativa do Chefe do Executivo de disciplinar, mediante lei, as atribuições dos servidores públicos municipais. Nesse sentido, a jurisprudência do TJRS:
Assim, embora seja admirável sob o ponto de vista material, o Projeto de Lei nº 074/2017 contém vício de iniciativa, por dispor sobre a criação e sobre as atribuições de órgão público municipal, bem como sobre as atribuições dos servidores públicos, matérias cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, “c” e “e”, da CF e do artigo 60, II, “b” e “d”, da CE/RS. Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no artigo 114 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba, para que, pela via política, o Prefeito apresente o mesmo projeto ao Legislativo, afastando, assim, a ocorrência do vício de iniciativa. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 074/2017, pela ocorrência de vício de iniciativa, nada impedindo, contudo, que seja remetido ao Executivo sob a forma de indicação (artigo 114 do RI). Guaíba, 16 de outubro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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