Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 053/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 296/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre os critérios de divisão de honorários de sucumbência aos Procuradores do Município de Guaíba, respectiva retenção do IR para o Município de Guaíba, e dá outras providências."

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 053/17 à Câmara Municipal, que dispõe sobre os critérios de divisão de honorários de sucumbência dos Procuradores do Município de Guaíba e a respectiva retenção do Imposto de Renda pelo Município. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fls. 03/04). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata do regime jurídico dos servidores municipais e, sobre este tema, dispõe a Constituição Federal:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

(...)

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Por derradeiro, a fim de afastar qualquer dúvida acerca do tema, a Lei Orgânica do Município de Guaíba estabelece:

Art. 119. É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos-de-lei que:

(...)

II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos;

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O rateio de honorários advocatícios e a retenção de imposto de renda que se buscam regulamentar se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Resta evidente que, ao tratar da alteração do regime jurídico de cargo específico da carreira municipal que resulta em significativa arrecadação de impostos para o município, o Projeto de Lei nº 053/2017 veicula matéria de relevância para o Município.

Portanto, sob os critérios de competência e da iniciativa legislativa, não se vislumbram vícios de ordem formal no projeto submetido à análise.

Já no tocante aos dispositivos da propositura em questão, em linhas gerais, verifica-se estarem de acordo com o ordenamento jurídico, pois o artigo 85, § 19, do atual Código de Processo Civil indicou que os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei, posição essa que já havia sido adotada pelo STF no RE 407.908/RJ (1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 03/06/2011). Assim, tem-se como vencida qualquer posição no sentido de que os honorários de sucumbência pertencem à Fazenda Pública.

Não obstante, sugere-se a supressão da primeira parte do § 2º do artigo 1º do referido projeto de lei, que afasta os honorários de sucumbência do conceito de remuneração, tendo em vista haver entendimento do STF no sentido de que as vantagens pessoais recebidas pelo servidor público integram a remuneração para fins de observância do teto remuneratório estabelecido no artigo 37, XI, da Constituição Federal.

A jurisprudência da Suprema Corte é assente no sentido de que os honorários advocatícios devidos aos procuradores municipais, por constituírem vantagem conferida indiscriminadamente a todos os integrantes da categoria, possuem natureza geral, razão pela qual se incluem no teto remuneratório constitucional. Sobre o tema, destaca-se:

Embargos de declaração em recurso extraordinário monocraticamente decidido. Conversão em agravo regimental, conforme pacífica orientação desta Corte. Procuradores municipais. Artigo 42 da Lei municipal nº 10.430/88. Teto remuneratório. Não recepção pela Constituição Federal de 1988. Honorários advocatícios. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que o art. 42 da Lei Municipal nº 10.430/88 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 no ponto em fixou teto para a remuneração bruta, a qualquer título, dos servidores públicos municipais. 2. Os honorários advocatícios devidos aos procuradores municipais, por constituírem vantagem conferida indiscriminadamente a todos os integrantes da categoria, possuem natureza geral, razão pela qual se incluem no teto remuneratório constitucional. 3. Agravo regimental não provido” (RE nº 380.538/SP-ED, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 15/8/12)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TETO REMUNERATÓRIO (CF, ART. 37, XI). PROCURADORES MUNICIPAIS. LIMITE DO SUBSÍDIO DO PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO DISPOSITIVO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO TAMBÉM PARA OS ADVOGADOS PÚBLICOS MUNICIPAIS. LIMITE DO SUBSÍDIO DOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. QUESTÃO CONSTITUCIONAL COM REFLEXOS INDIRETOS NA ESFERA JURÍDICA DOS PROCURADORES DE TODOS OS ENTES MUNICIPAIS DA FEDERAÇÃO. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL SOB OS ÂNGULOS JURÍDICO E ECONÔMICO (CPC, ART. 543-A, § 1º)” (RE 630077 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 19/01/2017, publicado em DJe-037 DIVULG 23/02/2017 PUBLIC 24/02/2017)

Por conseguinte, tendo o STF estabelecido o subsídio dos desembargadores dos respectivos Tribunais de Justiça como parâmetro de referência para definição da remuneração dos procuradores municipais, e sendo tal entendimento acompanhado pelo Parecer n. 5, de 2015, do TCE/RS, necessária se faz a adequação da redação do dispositivo ora debatido.

Quanto à natureza dos honorários quando o vencedor é ente público, parte da doutrina e dos tribunais entendia tratar-se de verba pública, outra de verba privada (devida aos advogados públicos). Não obstante, entendo que a regulamentação do tema pelo NCPC e uma avaliação sob o enfoque do direito financeiro-orçamentário e do histórico do instituto permitem concluir pela natureza privada da verba.

Primeiro, como dito, a evolução histórica do instituto culminou no entendimento dos honorários como um direito autônomo do advogado. Ademais, sob o enfoque do direito financeiro e orçamentário temos que os honorários não decorrem de uma fonte ordinária de receita pública.

As receitas públicas podem ser classificadas, conforme a Lei Federal nº 4.320/64, como orçamentárias e extraorçamentárias. As receitas orçamentárias são decorrentes da ação estatal e se dividem em receitas correntes ((i) receita tributária; (ii) receita de contribuições; (iii) receita patrimonial; (iv) receita agropecuária; (v) receita industrial; (vi) receita de serviços; (vii) transferência corrente; (viii) outras receitas correntes) e receitas de capital ((i) operações de crédito; (ii) alienação de bens; (iii) amortização de empréstimos; (iv) transferências de capital e (v) outras receitas de capital).

Uma análise detida das modalidades de receitas públicas permite concluir, serenamente, que a verba oriunda de derrota de um litigante em juízo não se configura dentro das classificações de receita pública, já que não deriva da atividade estatal nem é voltada ao financiamento das atividades estatais. Pelo contrário, decorre exclusivamente da natureza da profissão exercida pelo membro da Advocacia Pública, não pelo exercício da sua função pública, mas da natureza da sua profissão.

Nesses termos, importante trazer à tona a esclarecedora lição da doutrina:

Conforme já assinalamos no nosso livro, “é importante deixar claro que o conceito de receita pública não se confunde com o de entrada. Todo ingresso de dinheiro aos cofres públicos caracteriza uma entrada. Contudo, nem todo ingresso corresponde a uma receita pública. Realmente, existem ingressos que representam meras ‘entradas de caixa’, como cauções, fianças, depósitos recolhidos ao Tesouro, empréstimos contraídos pelo poder público etc., que são representativos de entradas provisórias que devem ser, oportunamente, devolvidas.”

[...]

No caso de verba honorária, por expressa disposição da lei de regência (estadual ou municipal), ela não pertence ao Poder Público, pelo que não pode ser considerada receita pública. Outrossim, a sua distribuição aos integrantes da carreira de Procurador não pode ser considerada uma despesa pública, pois quem a paga não é o Poder Público, mas o sucumbente em ação judicial. Daí porque, na distribuição dos honorários da sucumbência aos Procuradores não se cogita de empenho, aliás, tecnicamente impossível por ausência de despesa pública a esse título.[1]

[1] HARADA, Kiyoshi. Teto remuneratório e verba honorária percebida por procuradores. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12161>.

Não sendo, portanto, receita pública, é devida também ao advogado público, que, mesmo no exercício da sua função pública, não perde as prerrogativas inerentes à sua profissão. Entretanto, para fins de facilitação do sistema de arrecadação das condenações judiciais, bem como para retenção de impostos, muitos entes públicos acabam por receber os honorários advocatícios antes de repassá-los, conforme previsto no artigo 5º da proposta.

Por fim, é imperioso destacar que a norma que se pretende inserir no ordenamento jurídico deve manter a necessária harmonia com a legislação já vigente, no presente caso, com o Estatuto do Servidores Públicos Municipais (Lei Municipal nº 2.586/2010):

Art. 48. Será considerado de efetivo exercício o período de afastamento em virtude de:

I - férias;

II - gala;

III - luto;

IV - exercício de cargo de provimento em comissão no município;

V - convocação para obrigações decorrentes do serviço militar;

VI - júri e outros serviços obrigatórios por lei;

VII - licença-prêmio;

VIII - licença-gestante;

IX - licença para tratamento de saúde, inclusive por acidente de serviço ou moléstia profissional;

X - licença por motivo de doença em pessoas da família, quando remunerada;

XI - licença para concorrer a cargo eletivo e para exercê-lo, na forma da legislação federal pertinente;

XII - missão ou estudo, em outros pontos do território nacional ou no exterior, quando o afastamento houver sido autorizado pela autoridade competente;

XIII - faltas abonadas ou justificadas;

XIV - licença paternidade;

XV - licença à adotante.

Nesse contexto, constata-se que o artigo 3º da proposta legislativa contraria o disposto pela regra geral estabelecida no artigo 48 do Estatuto, em parte, ao vedar o direito de recebimento dos honorários advocatícios pelos procuradores em alguns casos em que o referido período de afastamento é considerado de efetivo exercício (artigos 67, 68, 69, § 2º, 88, Lei Municipal nº 2.586/2010).

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 053/2017, sugerindo-se, porém, que sejam feitas as alterações indicadas, para a melhor adequação aos termos do Estatuto dos Servidores Municipais e da Constituição Federal.

É o parecer.

Guaíba, 11 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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