Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 060/2017
PROPONENTE : Ver. Miguel Crizel e Ver. José Campeão Vargas
     
PARECER : Nº 295/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a contratação de "Vigilância Armada 24 horas " nas Agências Bancárias Públicas e Privadas e nas Cooperativas de Crédito do Município e dá outras providências"

1. Relatório:

Os Vereadores Miguel Crizel e José Campeão Vargas apresentaram o Projeto de Lei nº 060/2017 à Câmara Municipal, objetivando obrigar as agências bancárias públicas e privadas, as cooperativas de crédito e as casas lotéricas do Município de Guaíba a contratarem vigilância armada 24 horas, inclusive nos finais de semana e feriados. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A proposta que se pretende aprovar se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 060/2017, além de veicular matéria de relevância para o município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), obriga as agências bancárias, cooperativas de crédito e casas lotéricas e contratarem vigilância armada em período integral, inclusive nos fins de semana e feriados, para garantir a segurança dos usuários e dos próprios estabelecimentos.

A Súmula 297 do STJ é clara ao estabelecer que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” Desse modo, considerando a sistemática do direito do consumidor, o usuário dos serviços é considerado pessoa vulnerável nas esferas econômica, jurídica e técnica em relação aos prestadores, os quais detêm superioridade de poderes e conhecimentos em comparação ao consumidor, nos exatos termos do artigo 4º, I, do CDC. Reconhecida a vulnerabilidade, são aplicáveis todos os direitos decorrentes do sistema jurídico de proteção do consumidor, entre os quais se incluem os previstos no artigo 6º, I, e no artigo 8º do CDC, relativos à segurança na prestação do serviço.

Ainda, embora o artigo 24, V, da CF estabeleça ser competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre produção e consumo, é certo que o artigo 30, II, prevê a competência dos Municípios para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, o que permite compreender que estes estão legitimados a criar normas sobre a segurança e a proteção dos consumidores na prestação de serviços locais.

O IGAM, na orientação técnica nº 19.673/2017, concluiu ser necessário aguardar posicionamento definitivo do Judiciário quanto à competência dos Municípios para dispor sobre a matéria tratada no Projeto de Lei nº 060/2017.

Ocorre que, não havendo posicionamento definitivo do Poder Judiciário sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70072570450 até o presente momento, as leis impugnadas consideram-se constitucionais pelo princípio da presunção de constitucionalidade, não havendo qualquer obstáculo para que seja aprovada a proposta. Aliás, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade geram efeito vinculante apenas em relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, não alcançando, porém, o Poder Legislativo, que está autorizado a editar nova lei com idêntico conteúdo ao do texto objeto da ação. Isso porque, considerando as peculiaridades do controle de constitucionalidade, a vinculação dos efeitos da declaração ao Poder Legislativo poderia causar o fenômeno da “fossilização da Constituição”, isto é, o impedimento a interpretações atuais e contemporâneas a novas realidades sociais, econômicas, jurídicas e culturais. Portanto, o mero fato de tramitar ação direta no TJRS sobre o conteúdo versado na presente proposta não obsta o seu andamento.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios, por serem de reprodução obrigatória. Dispõe o artigo 61, § 1º:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria aqui tratada, tendo em vista que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Inclusive, destaca-se o posicionamento recente do TJRS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE CONTRATAÇÃO DE VIGILÂNCIA ARMADA NAS AGÊNCIAS BANCÁRIAS PÚBLICAS E PRIVADAS E NAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO DO MUNICÍPIO, DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. INICIATIVA DA CÂMARA DE VEREADORES. MATÉRIA QUE NÃO SE CONTÉM NA INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis, tem matriz constitucional e residem somente no texto da Constituição. A exigência de contratação de vigilância armada por parte de agência bancárias e cooperativas de crédito, de iniciativa parlamentar, é tema não incluído entre aqueles, cujos projetos são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Inexistência de violação do disposto no art. 60, II, letra b, da Constituição Estadual. Ação julgada improcedente. Unânime. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70071778898, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 20/02/2017).

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 060/2017 é garantir a segurança dos usuários na prestação de serviços bancários e financeiros, o que, como foi visto, possui fundamento no Código de Defesa do Consumidor. A Constituição Federal, nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, reforçam o dever do Estado de assegurar a segurança dos consumidores durante a execução de serviços postos à sua disposição. O Projeto de Lei nº 060/2017 se presta, acima de tudo, a atender aos referidos comandos constitucionais. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 060/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 11 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 11/10/2017 ás 11:18:12. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 6b096aa7e11b9cf0a135d488effb5bfa.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 43957.