Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 099/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 287/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Institui o Dia da Bíblia, a ser comemorado anualmente no segundo domingo do mês de dezembro"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 099/17 à Câmara Municipal, objetivando instituir, no Município de Guaíba, o “Dia da Bíblia”, a ser comemorado, anualmente, no segundo domingo do mês de dezembro. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe apenas a instituição do “Dia da Bíblia”. Não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria aqui tratada, especialmente porque não foram criados deveres ou obrigações ao Poder Executivo, o que, do contrário, poderia macular o projeto de vício de iniciativa, em virtude do impacto orçamentário que seria gerado com a proposta.

A propósito do tema, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.751/2014 que inclui no calendário oficial de eventos do Município a "Corrida Ciclística". Norma guerreada que não versou simplesmente sobre a instituição de data comemorativa no calendário oficial do Município, mas, ao revés, instituiu evento esportivo com criação de obrigações ao Executivo e despesas ao erário, sem previsão orçamentária e indicação da fonte e custeio. Afronta aos arts. 5º, 47, II e XIV, 25 e 144 da Carta Bandeirante, aplicáveis ao município por força do principio da simetria constitucional. Inconstitucionalidade reconhecida. [...] (TJ-SP - ADI: 21628784720148260000 SP 2162878-47.2014.8.26.0000, Relator: Xavier de Aquino, Data de Julgamento: 11/03/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 16/03/2015).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O Projeto de Lei nº 099/2017 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que apenas institui, no Município de Guaíba, o “Dia da Bíblia”, sem estabelecer obrigações ou encargos para a Administração Pública. A fixação de datas comemorativas em âmbito municipal atende ao interesse local porque busca homenagear setores, grupos ou atividades relevantes para a comunidade, incentivando o debate e a reflexão.

O IGAM, na orientação técnica nº 25.138/2017, referiu que a proposta afronta o princípio da laicidade da República Federativa do Brasil, uma vez que, por imposição do artigo 19 da Constituição Federal de 1988, é vedado ao Estado praticar atos de fundo religioso, promovendo e incentivando determinados cultos em detrimento dos demais, exceto quando tais ações forem justificáveis sob o ponto de vista cultural.

De fato, o artigo 23, III, da Constituição Federal prevê a competência material comum entre todos os entes federados para “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.” No conceito de patrimônio histórico e cultural, por óbvio, incluem-se bens de natureza material e imaterial.

É inegável que a formação cultural do povo brasileiro e de praticamente todas as comunidades em âmbito internacional sofreu forte influência religiosa, tratando-se de um fruto do processo histórico de constituição dos povos. A Bíblia, como instrumento do cristianismo, é um livro em que se colecionam textos e se narram interpretações religiosas sobre o ser humano na Terra, usada como meio para divulgar a doutrina de Jesus Cristo.

A justificativa do Projeto de Lei nº 099/2017 é apresentada nos seguintes termos: “O Dia da Bíblia surgiu em 1549, na Grã-Bretanha, quando o Bispo Cranmer, incluiu no livro de orações do Rei Eduardo VI um dia especial para que a população intercedesse em favor da leitura do Livro Sagrado. A data escolhida foi o segundo domingo do Advento, celebrado nos quatro domingos que antecedem o Natal. Foi assim que o segundo domingo de dezembro tornou-se o Dia da Bíblia. No Brasil, o Dia da Bíblia passou a ser celebrado em 1850, com a chegada, da Europa e dos Estados Unidos, dos primeiros missionários evangélicos. Porém, a primeira manifestação pública aconteceu quando foi fundada a Sociedade Bíblica do Brasil, em 1948, no Monumento do Ipiranga, em São Paulo.”

Vejo que, muito além de algum caráter religioso, a proposta aqui analisada tem um cunho marcadamente cultural, por dizer respeito a um livro que, sem dúvidas, integra a identidade do povo brasileiro, enquanto Nação predominantemente católica. O Projeto de Lei nº 099/2017 em nenhum momento criou obrigações para a Administração Pública no sentido de adotar determinado posicionamento religioso em detrimento de outros também relevantes, com alguma violação da impessoalidade, mas apenas reconhece a Bíblia como um instrumento valioso de formação da cultura brasileira.

A respeito disso, vale destacar que o artigo 215 da Constituição Federal refere que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” O seu § 2º, por sua vez, dispõe: “A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos éticos nacionais.

É com base em tais fundamentos que já foram promulgadas, em âmbito nacional, as Leis nº 11.532/07 e 12.025/09, que instituíram, respectivamente, o “Dia Nacional do Frei Sant’Anna Galvão” e o “Dia Nacional da Marcha para Jesus”, figuras que, embora possuam um fundo religioso, revelam-se muito mais como protagonistas de manifestações culturais, já que referenciadas como “datas comemorativas”.

Desse modo, não vejo obstáculos para que sejam reconhecidas, como datas comemorativas, manifestações ou objetos que, apesar de possuírem fundo religioso, façam parte da identidade cultural e do processo de formação histórica do povo brasileiro, independentemente da religião a que se refiram. 

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 099/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 09 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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