PARECER JURÍDICO |
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"Acrescenta os Incisos XXIII, XXIV e XXV ao Artigo 26 da Lei Municipal Nº 1.027/1999, que trata do Código de Posturas do Município de Guaíba" 1. Relatório:Os Vereadores Nelson do Mercado, Alex Medeiros, Florindo Motorista, Bento, Manoel Eletricista e Arilene Pereira apresentaram o Projeto de Lei nº 079/2017 à Câmara Municipal, em que buscam incluir os incisos XXIII, XXIV e XXV ao artigo 26 da Lei Municipal nº 1.027/90 (Código de Posturas de Guaíba). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação dos municípios, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal, é tratada no artigo 30 da Constituição Federal, nos seguintes termos:
O projeto que se pretende aprovar se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 079/2017 disciplina o exercício do poder de polícia administrativa em relação ao consumo de bebidas alcoólicas nos limites do município, atividade inerente à Administração Pública Municipal e fundamentada no artigo 23 da CF e no artigo 13, I, da CE/RS, nos seguintes termos:
Nesse sentido, colaciona-se a jurisprudência do TJPR em caso similar ao que se apresenta no Projeto de Lei nº 079/2017:
No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas, inicialmente, na Constituição Federal. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:
Quanto ao conteúdo material da norma, há que se fazer algumas considerações. O Projeto de Lei nº 079/2017 objetiva, sobretudo, proibir o consumo de bebidas alcoólicas em todo e qualquer local público, independente de sua natureza, à exceção de eventos realizados com a respectiva autorização para consumo de bebidas e de bares, quiosques, lanchonetes, restaurantes e casas de eventos, com fundamento nos direitos à segurança, à saúde, à tranquilidade e ao sossego público. Por outro lado, a medida aqui pretendida, do modo como foi proposta, pode ser capaz de interferir no direito à liberdade individual dos moradores de Guaíba, que não poderão consumir bebidas alcoólicas em qualquer local público, ainda que em pequena quantidade. Percebe-se a ocorrência de um típico caso de colisão de direitos fundamentais. Adotando-se as teorias de Robert Alexy e de Dworkin, o confronto entre princípios, diferentemente das regras do direito positivo, resolve-se por meio da ponderação, a partir da qual o intérprete deve buscar, para ambos, a maior concretização possível. Ou seja, enquanto o conflito entre as regras se resolve pelo sistema do “tudo ou nada” (all or nothing), o conflito entre princípios se encerra na análise da proporcionalidade das medidas que se objetivam implementar, de acordo com três parâmetros: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Tratando-se de conflito entre direitos fundamentais, portanto, não há espaço para análises no campo da validade, isto é, sobre um direito que invalide o outro. Todos os princípios normativos – e aqui se incluem os direitos fundamentais – possuem inquestionável validade no cenário constitucional e representam interesses socialmente relevantes. A esse respeito, vale registrar as lições da doutrina:
No que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, como já informado, este se divide em três parâmetros a serem observados pelo intérprete: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação se faz presente quando a medida escolhida é idônea para atingir o objetivo; a necessidade, por sua vez, exige que a medida adotada seja indispensável para alcançar a finalidade, não sendo substituível por outras menos gravosas; a proporcionalidade em sentido estrito, por fim, é a análise do equilíbrio entre os danos da restrição de um direito fundamental e as vantagens da preponderância de outro direito fundamental. No caso em análise, a verificação da proporcionalidade da medida pretendida com o Projeto de Lei nº 079/2017 impõe os seguintes questionamentos: a criação de uma lei para proibir o consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos é medida adequada para atingir esse objetivo? A vedação ao consumo em qualquer local público, nos limites e com as exceções previstas no projeto, é medida necessária para garantir os direitos à segurança, à saúde, à tranquilidade e ao sossego públicos, não havendo medida menos restritiva capaz de alcançar esse objetivo, com a conciliação dos interesses? Os benefícios a serem obtidos com a restrição justificam os meios empregados? É preciso mencionar que não há precedentes judiciais recentes, no STF, que veiculem entendimento sobre qual direito fundamental deve prevalecer em relação à matéria apresentada no projeto de lei. Ressalta-se, porém, que vários municípios aprovaram propostas trazendo a proibição de consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos: São Miguel do Oeste/SC, Passo Fundo/RS, Santa Bárbara d’Oeste/SC, Brusque/SC, Cascavel/PR. No entanto, também já houve precedente, no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em que lei municipal proibindo o consumo de álcool em locais públicos foi declarada inconstitucional por infringir o princípio da proporcionalidade, diante da desnecessidade da medida, por não haver peculiaridades locais de maior vulnerabilidade e violência que pudessem justificar a limitação ao direito à liberdade individual:
Assim, considerando que o Projeto de Lei nº 079/2017 veicula medida que busca assegurar interesses socialmente relevantes – direito à segurança, à saúde, à tranquilidade e até mesmo à vida –, não se pode considerá-lo, a priori, inconstitucional. É indispensável, porém, que haja uma ampla participação pública no trâmite da proposta, com a realização de audiências públicas e oitiva de pessoas e de entidades interessadas, para que o projeto atenda, de fato, ao interesse preponderante da comunidade local. Não se descarta, no entanto, a possibilidade de que a futura lei, caso aprovado o projeto, venha a ser declarada inconstitucional. Como já foi afirmado, é característica marcante dos direitos fundamentais a intensa conflituosidade, resolvida pelo intérprete por meio da técnica da ponderação, em que se busca verificar, com base no princípio da proporcionalidade, a adequação, a necessidade da medida e o equilíbrio entre os danos da restrição e as vantagens do objetivo alcançado (proporcionalidade em sentido estrito). A solução, nesses casos, é complexa e varia de acordo com as ideologias e a carga de experiências vividas pelo intérprete, havendo razões robustas para defender ambos os posicionamentos. De qualquer forma, é certo que, caso seja aprovado, o Projeto de Lei nº 079/17 será presumidamente constitucional até eventual decisão judicial em contrário, através de controle concentrado de constitucionalidade. Conforme já decidiu o STF, a inconstitucionalidade não se presume; há de ser manifesta (RTJ, 66:631). No mais, reforça-se ser indispensável a participação popular para legitimar uma decisão política tão complexa a ser tomada pelo Legislativo Municipal, uma vez que, conforme defende Peter Häberle, “a interpretação constitucional é uma atividade que, potencialmente, diz respeito a todos” (teoria da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição). Assim, diante dos interesses constitucionais a serem resguardados com a medida, não vejo vícios de natureza formal ou material a impedirem a tramitação do Projeto de Lei nº 079/2017, não descartando, porém, a legitimidade de futuras emendas que venham a relativizar a regra proibitiva que se pretende aprovar. A propósito, destaco que o Decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007, que aprovou a Política Nacional sobre o Álcool, prevê como diretriz o estímulo às “medidas que restrinjam, espacial e temporalmente, os pontos de venda e consumo de bebidas alcoólicas, observando os contextos de maior vulnerabilidade às situações de violência e danos sociais” (Anexo I, IV - Diretrizes, item nº 13). Apenas como sugestão, caso não se chegue a um consenso sobre a legitimidade da proibição do consumo de álcool em locais públicos, uma medida alternativa que pode ser adotada, com base na Política Nacional sobre o Álcool, é a proibição em determinados horários (das 22h00min às 06h00min, por exemplo) ou em determinados locais onde costuma haver maior acúmulo de pessoas (praças, parques, escolas), solução em que ainda serão preservados os direitos fundamentais invocados, mas com um grau menor de restrição ao direito à liberdade individual. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 079/2017, desde que se assegure a ampla participação popular na discussão da proposta, mediante todos os instrumentos existentes, para legitimá-lo em face de outras vertentes de interpretação constitucional. É o parecer. Guaíba, 04 de outubro de 2017. GUSTAVO DOBLER Procurador Jurídico O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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