Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 039/2017
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 269/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Acrescenta no Art. 1º e no Art. 2º da Lei Municipal nº 2.391, de 12 de dezembro de 2008, os cargos que menciona e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 039/2017 à Câmara Municipal, em que busca alterar o disposto no artigo 1º da Lei Municipal nº 2.391/2008 e o Anexo II da Lei Municipal nº 1.116/1993. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer.

2. Parecer:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe mudanças nas atribuições de diversos cargos da Administração Pública, a fim de possibilitar a condução de veículos oficiais, bem como pretende denominar diferentemente o atual cargo de Assessor do Secretário Municipal de Administração e Recursos Humanos, consolidando as suas atribuições legais.

As hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos-de-lei que:

I - disponham sob matéria financeira;

II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos;

III - disponham sobre matéria tributária, orçamentos, aberturas de créditos, concessão de subvenções, de auxílios ou que, de qualquer forma, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública.

Portanto, verifica-se ter sido respeitada a iniciativa para a propositura do Projeto de Lei nº 039/17, uma vez que apresentado pelo Executivo Municipal, enquanto responsável pela organização administrativa e pela distribuição de funções entre os cargos públicos.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As alterações trazidas com a proposta se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque acrescentam nova atribuição em certos cargos públicos do Poder Executivo, além de darem nova denominação e consolidarem as atribuições do cargo de Assessor do Secretário Municipal de Administração, Finanças e Recursos Humanos, matéria que lhe é própria, enquanto responsável pela criação e pela disposição de cargos públicos.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme se verá a seguir, embora haja alguma controvérsia em torno da possibilidade de condução de veículos por servidores cujas funções, a princípio, não englobem tal tarefa, o Projeto de Lei nº 039/2017, em relação à justificativa e aos cargos citados, teve fundamento alinhado à jurisprudência atual a respeito da matéria.

Em regra, como se sabe, a condução de veículos deve ficar a cargo dos titulares de cargos de motorista, criados por lei e preenchidos mediante concurso público. Porém, há cargos cujas atribuições correspondentes exigem o deslocamento habitual, por exigência das tarefas, que muitas vezes devem ser executadas fora da sede da Administração, a demandar a presença constante e inafastável de um motorista para, a todo momento, estar à disposição do serviço. Há quem defenda, nesses casos, que a autorização para dirigir veículo é implícita, decorrente da própria necessidade das atribuições do cargo, como ocorre com agentes de fiscalização e policiais militares, cujos serviços são prestados no ambiente externo.

Diante da necessidade de atuação constante de motoristas ao lado de servidores cujas atribuições impliquem trabalhos externos, tem-se admitido, como medida de aplicação dos princípios da eficiência e da economicidade, a possibilidade de que os titulares dirijam os veículos oficiais do Poder Público, desde que estejam devidamente habilitados e atendam à regulamentação legal quanto aos deveres e responsabilidades no campo do trânsito.

No Estado do Rio Grande do Sul, o Decreto Estadual nº 47.571/2010 dispõe sobre o uso de veículos automotores a serviço do Poder Executivo Estadual, determinando, no § 1º do artigo 18, que “A designação de servidor não motorista para dirigir veículo oficial em trabalho rotineiro de cada Pasta deverá ser autorizada pelo Titular da respectiva Secretaria, devidamente justificada a excepcionalidade.” A mencionada excepcionalidade, na situação, diz respeito a uma circunstância peculiar e justificadora da condução de veículo pelo próprio servidor, tal como a que se apresenta no Projeto de Lei nº 039/2017: a necessidade constante da condução de veículo para o desempenho das tarefas inerentes ao cargo.

De modo ainda mais cauteloso, o Município de Guaíba editou lei em sentido estrito, prevendo a possibilidade de que os servidores titulares de certos cargos públicos possam conduzir os veículos oficiais, dada a necessidade constante de deslocamentos externos. Trata-se da Lei nº 2.391, de 12 de dezembro de 2008, cujo artigo 1º assim refere:

Art. 1º Os servidores titulares dos cargos de fiscal de tributos e posturas, inspetor de tributos, fiscais de transportes, engenheiros, arquitetos, engenheiros agrônomos, veterinário e técnico agrícola, poderão em caráter excepcional, quando necessário para o cumprimento das atribuições que lhe são próprias, se não houver motorista disponível e desde que devidamente habilitados, dirigir veículos de serviço ou de representação do Município.

O Projeto de Lei nº 039/2017 objetiva, na realidade, ampliar o rol de agentes autorizados a conduzir os veículos oficiais, para incluir titulares de alguns cargos de provimento em comissão, cujas atividades dependem de constantes deslocamentos externos. Veja-se que o artigo 1º da Lei Municipal nº 2.391/2008 está de acordo com o posicionamento predominante a respeito da matéria: a autorização para a condução de veículos a servidores não motoristas é possível, mas desde que seja preservado o seu caráter excepcional.

De fato, não se pode admitir, caso a medida seja aprovada, que ocorram eventuais desvios de função pela substituição de motoristas por servidores comissionados. Estes devem continuar exercendo as atribuições normais dos cargos correspondentes, sendo a condução do veículo um mero instrumento ou meio de trabalho necessário ao desempenho dessas tarefas. É por tal motivo que as decisões das Cortes de Contas consideram indispensável que a autorização seja implementada por meio de lei em sentido estrito, com a inclusão de nova atribuição nos cargos públicos:

8. A função de dirigir veículos pertencentes ao Poder Público municipal deve ser disciplinada na legislação local, podendo, em situações excepcionais, ser atribuída a servidores que não sejam titulares do cargo específico de motorista, devidamente habilitados, como no caso de servidores que necessitam se deslocar a comunidades fora da sede do município para atendimento à comunidade (veterinários, profissionais do Programa de Saúde da Família, etc.).[1]

[1] Item 8 do Prejulgado 704 do Tribunal de Contas de Santa Catarina, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02.12.2002, através da decisão nº 3089/2002, exarada no processo nº PAD-02/10566680. Disponível em www.tce.sc.gov.br.

11. Compete à legislação local fixar as regras para a condução dos veículos do Município, disciplinando as condições e responsabilidades pelos atos cometidos no exercício dessa atividade, podendo prever a condução por servidores habilitados não ocupantes de cargos específico de motorista, se assim atender o interesse público.[1]

[1] Item 11 do Prejulgado n.º 984 do Tribunal de Contas de Santa Catarina, Processo n.º COM-00/06521215, DOE n.º 16683, de 19-06-2001. Disponível em www.tce.sc.gov.br.

É fundamental, nesses casos, que a norma autorizadora não seja genérica e não confira amplos poderes para que qualquer servidor possa conduzir veículos oficiais. É preciso, sem sombra de dúvidas, que haja uma correlação entre as atribuições do cargo e o uso de veículos para o desempenho de tarefas externas. Do contrário, ocorre desvio de função. Pela justificativa apresentada pelo Executivo na exposição de motivos, constata-se, aos olhos desta Procuradoria, a circunstância excepcional autorizadora da medida:

O presente projeto visa resolver o problema atual dentro da administração do Poder Executivo, qual seja o deslocamento dos agentes políticos e demais servidores citados no Projeto de Lei, quando necessitam realizar serviços externos. A grande extensão territorial do município e a demanda de serviços impingem a necessidade de ações que demandam deslocamentos para desempenho das funções aqui contempladas.

Das atribuições previstas nos cargos em comissão citados no Projeto de Lei nº 039/2017, verifica-se que todos possuem atividades externas, que vão desde a coordenação e a supervisão de órgãos públicos situados em pontos diversos da cidade (creches, unidades e postos de saúde, departamentos, secretarias) até a execução de projetos de interesse público e a representação de autoridades em eventos. Percebe-se, assim, estar presente a circunstância que autoriza a condução, em caráter excepcional, de veículos oficiais: a necessidade de frequentes deslocamentos para o desempenho das tarefas do cargo.

No sentido da viabilidade jurídica da autorização aqui pleiteada, vale destacar o entendimento do TCE/MG, muito esclarecedora:

[...] havendo conveniência de ordem pública e obedecidos aos critérios e limites estabelecidos pela legislação que regulamenta o uso do veículo oficial, poderá a Câmara Municipal, por deliberação de seus membros, permitir aos edis o uso do carro oficial, em caráter exclusivo ou não, para o cumprimento de suas incumbências parlamentares.

[...]

Nesse caso, faz-se necessária a edição de lei autorizativa destinada a permitir o uso e a condução de veículos oficiais por vereador devidamente habilitado. Após a vigência da lei, sua regulamentação dar-se-á por meio de resolução, pois tal disciplina se insere no rol de matérias de natureza interna corporis. O ato normativo proveniente do Poder Legislativo deverá estabelecer os critérios e limites para o uso de veículos oficiais, bem como dispor sobre a celebração de contrato de seguro e a responsabilidade do condutor pelo uso de bem público.

[...]

Tecidas as considerações quanto às indagações da consulente, conclui-se que, havendo conveniência de ordem pública, a Câmara Municipal poderá, mediante lei autorizativa, cuja regulamentação dar-se-á por meio de resolução, permitir que vereadores, devidamente habilitados, conduzam veículo oficial, em caráter exclusivo ou não, para participar de cursos, congressos e outros eventos afetos à atividade parlamentar.

De qualquer modo, embora os titulares dos cargos mencionados no Projeto de Lei nº 039/2017 possam, com a aprovação da proposta, conduzir veículos oficiais, tal autorização se sujeita aos limites impostos pelo artigo 1º da Lei Municipal nº 039/2017: excepcionalidade, vinculação ao estrito cumprimento das atribuições inerentes ao cargo, indisponibilidade de motorista e prévia habilitação do condutor. Ainda, a autorização para a condução de veículos implicará, por óbvio, o dever de cuidado e diligência dos titulares dos cargos em relação ao patrimônio municipal, os quais se sujeitarão à apuração de eventual responsabilidade de natureza administrativa, civil e criminal.

Por fim, registra-se que o IGAM, na Orientação Técnica nº 21.779/2017, opinou pela viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 039/2017, por não haver qualquer obstáculo legal no que diz respeito à competência, à iniciativa e ao conteúdo material.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 039/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 02 de outubro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 02/10/2017 ás 17:43:34. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação de10b1bf30850fc86be2050df39bc86b.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 43382.