Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 071/2017
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 258/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Institui o Banco de Idéias Legislativas no município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 071/2017 à Câmara Municipal, objetivando instituir o banco de ideias legislativas no âmbito do Município de Guaíba, de modo a permitir a qualquer cidadão ou entidade que possa apresentar demandas ou reivindicações ao Poder Legislativo, tornando possível que, futuramente, venham a ser criados novos projetos com essas sugestões. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Constituição Federal, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O banco de dados que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 071/2017, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece um mecanismo de efetiva aproximação do povo de Guaíba à Câmara Municipal, para que esta cumpra, com efetividade, o seu mais relevante encargo: legislar de acordo com os interesses e anseios da comunidade local.

O IGAM, na Orientação Técnica nº 22.775/2017, asseverou que a proposição se inclui entre as competências exclusivas do Poder Legislativo, expressas no artigo 28, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba: “É de competência exclusiva da Câmara Municipal: I - eleger sua Mesa, elaborar seu Regimento Interno e dispor sobre sua organização e polícia.” Isso porque, na visão do IGAM, a matéria trata da organização da Câmara, motivo pelo qual caberia à Mesa Diretora apresentar o projeto de lei, por ser competente para dispor sobre a matéria em comento.

Ocorre que, na visão desta Procuradoria, o projeto não versa sobre organização da Câmara. A proposição, em verdade, cria um mecanismo à disposição do público a fim de reunir sugestões e ideias aos vereadores para a formulação de novos projetos de lei. Ou seja, trata-se de instrumento de democratização da atividade legislativa, que permitirá a maior aproximação do povo ao trabalho da Câmara.

O sentido de organização, extraído do artigo 28 da Lei Orgânica Municipal, é, entre outros, de distribuição de funções, criação de cargos, composição dos órgãos internos. O Projeto de Lei nº 071/2017, mesmo que crie um banco de dados para a Câmara Municipal, é destinado ao preenchimento pelos particulares, não sendo, portanto, uma questão de organização interna do Poder Legislativo.

E, mesmo que o projeto veiculasse matéria de organização da Câmara, o artigo 28 do Regimento Interno, que lista as competências da Mesa Diretora, apenas enumera as seguintes: criação de cargos, créditos e verbas, necessários aos serviços administrativos do Poder Legislativo; fixação ou alteração dos respectivos vencimentos, obedecido o princípio da paridade; encaminhamento da proposta orçamentária da Câmara e das contas do exercício anterior.

Portanto, no que diz respeito à competência e à iniciativa, inexiste qualquer vício ou mácula a impedir a regular tramitação do Projeto de Lei nº 071/2017.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 071/2017 é criar um mecanismo à disposição do público para angariar ideias para futuras proposições perante o Poder Legislativo, aproximando o povo ao trabalho da Câmara.

O Brasil, desde a Constituição Cidadã de 1988, vem aprimorando e enriquecendo os meios de participação popular no setor público, seja quanto ao acesso aos cargos públicos, seja quanto à contribuição direta do povo nas decisões políticas de Estado. Instrumentos como o concurso público, a iniciativa popular, o referendo, o plebiscito e a ação popular fortificam o regime democrático e conferem maior legitimidade ao setor público, que passa a estar sob constante fiscalização da sociedade.

Nesse sentido, leciona Lenza (2011, p. 1.150):

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito.

A previsão desse regime jurídico é reforçada pelo princípio democrático que marcou o texto de 1988 e pela cláusula contida no parágrafo único do art. 1º, ao se estabelecer que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Estamos diante da democracia semidireta ou participativa, um “sistema híbrido”, uma democracia representativa, com peculiaridades e atributos da democracia direta.

Pode-se falar, então, em participação popular no poder por intermédio de um processo, no caso, o exercício da soberania que se instrumentaliza por meio do plebiscito, referendo, iniciativa popular, bem como outras formas, como a ação popular.[1]

[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

Mesmo assim, o Brasil ainda não atingiu níveis satisfatórios de aproximação do povo em relação aos seus governantes. Partidários de uma cultura de cunho liberalista, os brasileiros, em grande parte, ainda enxergam o Estado como um mal necessário, como uma organização ineficiente, burocrática e corrompida. A visão popular existente em relação ao setor público, se não for trabalhada no presente momento, perpetuar-se-á indefinidamente, tendo como efeito direto o maior distanciamento entre o povo e o Poder Público.

 A propósito, no que diz respeito ao distanciamento do povo em relação ao setor público e sobre os efeitos das medidas de participação popular, Benevides (1994) esclarece:

É evidente que, com a evolução do Estado moderno, o exercício do governo inclui tarefas complexas e técnicas, contribuindo para uma relação autoritária entre governantes e governados. Essa relação, é sabido, tem provocado várias conseqüências negativas, desde a indiferença até a franca hostilidade do povo para com os políticos, em geral, e para os governantes, em particular. A institucionalização de práticas de participação popular tem o apreciável mérito de corrigir essa involução do regime democrático, permitindo que o povo passe a se interessar diretamente pelos assuntos que lhe dizem respeito e, sobretudo, que se mantenha informado sobre os acontecimentos de interesse nacional.[1]

[1] BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, São Paulo, n. 33, p. 5-16, ago. 1994. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451994000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 set. 2017.

A Constituição Estadual, em seu artigo 1º, prevê: “O Estado do Rio Grande do Sul, integrante com seus Municípios, de forma indissolúvel, da República Federativa do Brasil, proclama e adota, nos limites de sua autonomia e competência, os princípios fundamentais e os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos universalmente consagrados e reconhecidos pela Constituição Federal a todas as pessoas no âmbito de seu território.

A Lei Orgânica de Guaíba, por sua vez, estabelece, também no seu artigo 1º, que “O Município de Guaíba, parte integrante da República Federativa do Brasil e do Estado do Rio Grande do Sul, organiza-se autônomo em tudo que respeite a seu peculiar interesse, regendo-se por esta Lei Orgânica e demais leis que adotar, respeitados os princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual.

Veja-se, portanto, que a proposta apresentada é compatível e, inclusive, é incentivada pela Constituição Federal, pela Constituição Estadual e pelas demais normas de Direito, uma vez que pretende aproximar os moradores de Guaíba ao funcionamento da Câmara Municipal, por meio da efetiva participação cidadã na política.

Inclusive, há vários exemplos de casos similares bem sucedidos. A Câmara dos Deputados, no âmbito da Comissão de Legislação Participativa (CLP), criou o Banco de Ideias, através do qual recebe sugestões sobre temas e matérias importantes ao cidadão e que possibilitam a criação de novos projetos de lei. As ideias recebidas são organizadas no site da Câmara de Deputados de acordo com o tema (saúde, meio ambiente, educação, finanças públicas...) e ficam no aguardo de alguma proposta parlamentar nesse sentido.

O Senado Federal, por sua vez, criou o Portal e-Cidadania, em que também recebe sugestões da população para a criação de novos projetos e emendas à Constituição Federal, além de ampliar o debate sobre temas polêmicos, tais como identidade, gênero, meio ambiente, desarmamento, de modo a melhor apresentar as expectativas do povo.

É necessária apenas uma observação. O artigo 6º do Projeto de Lei nº 071/2017 prevê a criação da Comissão de Assuntos Sócio Comunitários e Legislação Participativa (COMASLEP), estabelecendo as respectivas atribuições. Ocorre que, no caso de Guaíba, o artigo 12 da Lei Orgânica enumera as comissões permanentes no âmbito do Poder Legislativo, em número de 05 (cinco): Comissão de Justiça e Redação; Comissão de Obras e Serviços Públicos; Comissão de Saúde, Educação, Cultura e Meio Ambiente; Comissão de Finanças e Orçamento; Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. Desse modo, considerando que as comissões permanentes estão elencadas na Lei Orgânica, norma suprema de organização municipal, a criação de uma nova comissão permanente exige, neste Município, uma emenda à Lei Orgânica, adequando os termos do artigo 12.

De qualquer forma, tendo em vista que o artigo 6º do Projeto de Lei nº 071/2017 não prejudica a proposta no seu todo, sugiro que o dispositivo seja retirado, até porque o artigo 7º já prevê que a Mesa Diretora, as comissões permanentes e os vereadores, individualmente, poderão se valer das sugestões catalogadas junto ao Banco de Ideias Legislativas para apresentar novas propostas, o que indica o uso comum do mecanismo.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 071/2017, apenas sugerindo que seja retirado o artigo 6º, porque as comissões permanentes estão listadas no artigo 12 da Lei Orgânica Municipal, devendo ser criada, eventualmente, a Comissão de Assuntos Sócio Comunitários e Legislação Participativa por meio de emenda à Lei Orgânica.

É o parecer.

Guaíba, 26 de setembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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