Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 066/2017
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 257/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe e disciplina as atividades dos serviços de Bombeiros Civis no âmbito municipal e dá outras providências"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 066/2017 à Câmara Municipal, objetivando disciplinar as atividades dos serviços de Bombeiros Civis para atuar em estabelecimentos ou eventos de grande concentração no âmbito municipal. Por orientação da Procuradoria, em 22 de agosto de 2017, foi apresentado um substitutivo ao projeto de lei, para adequar a técnica legislativa do detalhamento do artigo 4º. Acostou-se, também, um parecer da União dos Vereadores do Rio Grande do Sul, que opinou pela legalidade da proposta. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para novo parecer.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A regulamentação pretendida com a proposta se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 066/2017, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece a possibilidade de que estabelecimentos e/ou organizadores de grandes eventos contratem bombeiros civis para reforçar a prevenção e o combate a eventuais incêndios, de modo a assegurar adequadamente a incolumidade da população e de seu patrimônio.

O IGAM, na orientação técnica nº 23.756/2017, referiu que, embora a atividade de bombeiro civil esteja delimitada no âmbito da Lei Federal nº 11.901/2009, o Projeto de Lei nº 066/2017 define as competências desses profissionais nos artigos 5º, 6º e 7º, relacionando as ações que poderão ser executadas, o que poderia afrontar a competência privativa da União prevista no artigo 22, XVI (“organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões”). No entanto, a Procuradoria não concorda com tal entendimento. O detalhamento das atribuições dos profissionais, previsto nos artigos 5º, 6º e 7º, não diz respeito às condições indispensáveis para o exercício do trabalho, mas aos poderes que se encontram dentro da esfera de responsabilidades dos bombeiros civis. Inclusive, tendo em vista que o artigo 2º da Lei Federal nº 11.901/2009 prevê, genericamente, que o bombeiro civil é o profissional habilitado na função exclusiva de prevenção e combate a incêndios, os dispositivos do Projeto de Lei nº 066/2017 só vieram a pormenorizar os poderes já conferidos pela legislação federal, à luz da competência suplementar deferida pelo artigo 30, II, da Constituição Federal.

A título de esclarecimento, vale lembrar que o Procurador-Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.761 no Supremo Tribunal Federal, em face da Lei nº 3.271/2013, do Estado de Rondônia, que regulamenta a atividade de bombeiro civil em âmbito estadual, argumentando que houve violação da competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho, além de ofensa ao princípio da livre iniciativa, em razão de restrições impostas a empresas prestadoras de serviços de bombeiros civis e às escolas de formação desses profissionais.

Ocorre que a norma impugnada no STF, diferentemente do Projeto de Lei nº 066/2017, estabeleceu grandes limitações ao exercício da profissão, exigindo a conclusão de curso de formação com grade curricular já delimitada e carga horária mínima, além de outras especificidades a serem definidas pelo Corpo de Bombeiros Militar. A proposta em análise, por sua vez, no artigo 3º, apenas se refere à habilitação dos bombeiros civis de conformidade com o disposto na Lei Federal nº 11.901/2009, não usurpando qualquer competência privativa da União no que concerne às condições para o exercício da profissão.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas, inicialmente, na Constituição Federal. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme prevê o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos-de-lei que:

I - disponham sob matéria financeira;

II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos;

III - disponham sobre matéria tributária, orçamentos, aberturas de créditos, concessão de subvenções, de auxílios ou que, de qualquer forma, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública.

O IGAM, na orientação técnica nº 21.578/2017, referiu que, “embora a proposição em análise não atribua, em princípio, diretamente a execução de serviços ao Executivo e aos órgãos deste (exceção expressa ao art. 9º, como adiante se abordará no item III), não se perca de vista que atos como a fiscalização do cumprimento da lei pelos diversos estabelecimentos que menciona e a aplicação de multas, competirão indubitavelmente ao Poder Executivo. [...] Assim, o cumprimento da lei pelos estabelecimentos elencados nos ‘estabelecimentos ou eventos de grande concentração de público’, conforme citado nos arts. 1º e 2º, bem como em ‘parques, clubes e áreas de recreação que possuam piscinas, áreas de rios, lagos, praias, para uso recreativo ou esportivo’, consoante citado no art. 4º da proposição em análise, será necessariamente fiscalizado e autuado pelos órgãos do Poder Executivo Municipal.” Concluiu, assim, haver vício de iniciativa, uma vez que a proposta implicitamente atribui tarefas ao Executivo, o que violaria a competência privativa do Prefeito para dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal.

Mais uma vez a Procuradoria não coaduna com tal entendimento. Veja-se:

1) O Projeto de Lei nº 066/2017 em momento algum cria obrigações para os entes privados do Município de Guaíba. O artigo 1º prevê que os bombeiros civis poderão atuar nos estabelecimentos ou eventos de grande concentração de público. O artigo 2º apenas faz alusão ao dever – já existente e não criado por esse projeto – de que os estabelecimentos e os eventos de grande circulação devem seguir as normas técnicas. O artigo 3º estabelece uma norma explicativa, meramente conceitual. O artigo 4º prevê que as administrações de parques, clubes e áreas de recreação que possuam piscinas, áreas de rios, lagos, praias, para uso recreativo ou esportivo poderão, de acordo com suas necessidades, disponibilizar salva-vidas ou guardiões de piscina, de forma preventiva e educativa. Esses profissionais, caso contratados, por óbvio deverão ter formação condizente com a atividade a ser desempenhada, o que também não é obrigação criada por essa proposta (§ 1º). O artigo 5º apenas relaciona o quadro de atribuições dos bombeiros civis, à luz do que dispõe o artigo 2º da Lei Federal nº 11.901/2009. Os artigos 6º e 7º, por fim, novamente possibilitam o desenvolvimento de parcerias, projetos e formas de cooperação para atingir as finalidades educativas da profissão de bombeiro civil;

2) Desta feita, como a proposta em momento algum cria obrigações, impossível a aplicação de multas por órgãos do Poder Executivo, tal como sugeriu o IGAM, já que a proposta apenas regulamenta a atividade dos bombeiros civis, não prevendo encargos para o setor privado ou mesmo para o setor público. Por consequência, não há qualquer aumento de despesa verificável, porque desnecessária a fiscalização quanto ao cumprimento desta lei. E, mesmo que haja alguma fiscalização, esta já é possível e comum aos serviços de competência do Executivo, que já conta com quadro próprio de agentes com essa atribuição, não havendo, portanto, qualquer implemento de gasto público;

3) O próprio IGAM, em consultoria prestada em 18/08/2017 (orientação técnica nº 21.581/2017), sugeriu que, em projeto de lei cujo objeto era a obrigação de afixar avisos, em estabelecimentos comerciais, de que os crimes contra as crianças e adolescentes são passíveis das penas previstas em lei, seria viável e, sobretudo, recomendável a cominação de penalidades para que a proposta, caso aprovada, não fosse inócua. Ora, nesse caso, além de ter sido criado um dever para os entes privados, o IGAM sugeriu a fixação de multas pelo descumprimento da lei, cuja fiscalização e aplicação, por óbvio, competirá à estrutura do Executivo. Por que, então, no Projeto de Lei nº 066/2017, em que não há a criação de obrigações para entes privados, mas a mera regulamentação da atividade de bombeiro civil, o IGAM defende haver vício de iniciativa por ser eventualmente necessária alguma atividade de fiscalização do cumprimento da futura lei?

4) Deve-se atentar para o fato de que não é qualquer projeto de lei a ensejar a criação de despesas que deverá ser proposto pelo Poder Executivo. As causas de limitação da iniciativa parlamentar são aquelas taxativamente previstas na Constituição Federal (artigo 61, § 1º) e na Constituição Estadual (artigo 60). No caso em análise, o Projeto de Lei nº 066/2017 em nenhum momento tratou da criação, estruturação e das atribuições das Secretarias e órgãos da Administração Pública. Aliás, a proposta sequer fez menção a alguma obrigação para órgãos públicos, senão ao simples poder de desenvolver projetos e/ou ações sociais com o setor público, especialmente escolas públicas, para informar e orientar o povo de Guaíba quanto à prevenção de incêndios. Além disso, esclarece-se que o STF já decidiu não ser possível interpretação ampliativa quanto às regras de iniciativa parlamentar previstas na Constituição, sendo o rol taxativo e estrito:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LEI MUNICIPAL – INICIATIVA – SEPARAÇÃO DOS PODERES – PRECEDENTES DO PLENÁRIO – PROVIMENTO. [...] 2. Assiste razão ao recorrente. Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de que a interpretação das regras alusivas à reserva de iniciativa para processo legislativo submetem-se a critérios de direito estrito, sem margem para ampliação das situações constitucionalmente previstas – medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 724/RS, relator o ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça em 27 de abril de 2001, ação direta de inconstitucionalidade nº 2.464/AP, relatora a ministra Ellen Gracie, acórdão publicado no Diário da Justiça em 25 de maio de 2007, e ação direta de inconstitucionalidade nº 3.394/AM, relator o ministro Eros Grau, acórdão publicado no Diário da Justiça em 24 de agosto de 2007. Confiram a ementa do acórdão formalizado pelo Colegiado Maior nesse último processo: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1º, 2º E 3º DA LEI N. 50, DE 25 DE MAIO DE 2.004, DO ESTADO DO AMAZONAS. TESTE DE MATERNIDADE E PATERNIDADE. REALIZAÇÃO GRATUITA. EFETIVAÇÃO DO DIREITO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE CRIA DESPESA PARA O ESTADO-MEMBRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO ACOLHIDA. CONCESSÃO DEFINITIVA DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICÁRIA GRATUITA. QUESTÃO DE ÍNDOLE PROCESSUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO I DO ARTIGO 2º. SUCUMBÊNCIA NA AÇÃO INVESTIGATÓRIA. PERDA DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III DO ARTIGO 2º. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINAR O RESSARCIMENTO DAS DESPESAS REALIZADAS PELO ESTADO-MEMBRO. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO IV DO ARTIGO 2º. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA "E", E NO ARTIGO 5º, INCISO LXXIV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL . 1. Ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. […] 7. Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar inconstitucionais os incisos I, III e IV, do artigo 2º, bem como a expressão "no prazo de sessenta dias a contar da sua publicação", constante do caput do artigo 3º da Lei n. 50/04 do Estado do Amazonas. A reserva de iniciativa material é exceção e surge apenas quando presente a necessidade de se preservar o ideal de independência entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Incumbe ao município complementar a legislação relativa à proteção do meio ambiente, pelo qual respondem indistintamente as instâncias políticas representativas dos interesses locais. Verificada a ausência de proposição normativa tendente a suprimir ou limitar as atribuições essenciais do Chefe do Executivo no desempenho da função de gestor superior da Administração, descabe cogitar de vício formal de lei resultante de iniciativa parlamentar. 3. Ante os precedentes, provejo o extraordinário para assentar a constitucionalidade da Lei nº 3.338/2009, do Município de Cubatão/SP. 4. Publiquem. (RE 729729, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 13/12/2016, publicado em DJe-017 DIVULG 31/01/2017 PUBLIC 01/02/2017).

Portanto, ainda que haja alguma fiscalização para observar o grau de execução da futura lei, o Projeto de Lei nº 066/2017 não tratou, efetivamente, da criação, da estruturação e das atribuições das Secretarias e dos órgãos da Administração Pública, não sendo possível a interpretação ampliativa sugerida pelo IGAM.

Por fim, cabe trazer à tona um julgado relevante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que corrobora toda a fundamentação já apresentada. Trata-se do acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2251925-61.2016.8.26.0000, em que se discutiu a constitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 852, de 15 de setembro de 2016, do Município de Catanduva, que dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de bombeiros civis, nos estabelecimentos que menciona, e dá outras providências. De acordo com o relator, Desembargador Borelli Thomaz,

Não entrevejo invasão de competência normativa do Poder Executivo, porquanto, como realcei por ocasião da decisão pela qual indeferi a liminar, não entrevi, como ainda não entrevejo invasão de competência normativa do Poder Executivo, porque instituída obrigatoriedade de manutenção de uma brigada profissional composta por bombeiros civis naquela municipalidade, o artigo 2º não vai além de especificar os estabelecimentos sujeitos à obrigação, sem imposição de obrigação ao Executivo, conquanto incumba a este alguma fiscalização que, entretanto, não vai além da que de é mesmo de seu ofício e competência, a não exigir peculiaridades características de aumento de despesas ordenadas pelo Legislativo. [...] Cuida-se de expediente legislativo passível de iniciativa parlamentar, por não violar o princípio da separação dos poderes, inserido no artigo 5º da Constituição Estadual, mesmo porque, contrariamente ao deduzido na petição inicial, os dispositivos legais não trazem alteração de despesa, dado que a fiscalização não vai além da que de comum acontece pela Administração Municipal.

Perceba-se ainda que, no caso acima ventilado, a lei municipal de Catanduva/SP criou a obrigação de que estabelecimentos privados mantenham brigada profissional composta por bombeiros civis, sendo, mesmo assim, declarada a constitucionalidade do diploma. O Projeto de Lei nº 066/2017, por outro lado, sequer chega a criar tal obrigação, mas apenas permite e/ou autoriza os estabelecimentos e os organizadores de eventos de grande circulação a contratarem bombeiros civis para reforçar a prevenção de incêndios, sem estabelecer qualquer punição para o caso de não haver tal contratação.

Cabe lembrar, apenas, que a proposta aqui analisada deve ser dirigida tão somente à esfera privada, uma vez que, caso seja destinada à Administração Pública, violará a separação dos Poderes (artigo 2º, CF) por referir-se à matéria de organização administrativa, cuja iniciativa do projeto de lei compete apenas ao Chefe do Executivo, na forma do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF e do artigo 60, II, “d”, da CE, aplicada por simetria aos municípios.

Verifica-se, portanto, que não há qualquer limitação constitucional ou legal à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria aqui tratada, tendo em vista que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 066/2017 é garantir a segurança e a proteção da população e do seu patrimônio contra a ocorrência de incêndios no Município de Guaíba, por meio do desenvolvimento de ações preventivas, educativas e combativas por parte dos bombeiros civis.

A Constituição Federal, no artigo 144, prevê que a segurança pública, embora constitua dever do Estado, é direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, o que fundamenta a manutenção de serviços paralelos destinados à prevenção e ao combate de incêndio, tais como os desempenhados pelos bombeiros civis. A atividade desenvolvida pelos bombeiros civis, no mais, otimiza a ampla aplicação dos direitos fundamentais à vida e à saúde (CF, artigo 5º, caput, e artigos 6º e 196).

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 066/2017, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 25 de setembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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