Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 075/2017
PROPONENTE : Ver.ª Fernanda Garcia
     
PARECER : Nº 253/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Determina a inserção do símbolo do autismo nas placas de atendimento prioritário e dá outras providências"

1. Relatório:

A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 075/2017 à Câmara Municipal, objetivando obrigar os estabelecimentos do Município de Guaíba a inserirem o símbolo internacional do autismo nas placas de atendimento prioritário. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer.

2. Parecer:

O IGAM, na orientação técnica nº 22.780/2017, referiu que “a participação dos Municípios na Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, não consiste na criação de uma norma própria, mas garantindo em seu âmbito o cumprimento da legislação federal.” Defendeu-se, resumidamente, que ao Município de Guaíba não compete estabelecer normas locais a respeito da proteção da pessoa portadora de autismo, cabendo-lhe apenas o cumprimento, mediante ações positivas, das obrigações constantes na legislação federal.

Ainda, segundo o IGAM, “não será a colocação obrigatória de uma placa que lhe dará efetividade, pois placas e espaços de atendimento prioritário a pessoas com deficiência já existem. Não é a placa que identificará a pessoa autista, mas a capacitação e a sensibilidade do atendente em saber a existência do direito e dar-lhe aplicação, aliado à devida fiscalização que o Município deve realizar no âmbito do seu território.”

A Procuradoria, entretanto, não coaduna com tal entendimento. Inicialmente, deve-se lembrar que o Poder Legislativo possui apenas duas funções típicas: a legislativa e a fiscalizadora, esta de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial sobre os atos do Poder Executivo. As funções executiva e jurisdicional, como a criação de normas de organização interna, provimento de cargos, realização de licitações, julgamento do Presidente da República nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal – no âmbito da União –, são exercidas de forma atípica pelo Poder Legislativo, com fundamento no sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”), que equilibra o exercício das tarefas públicas entre os Poderes de Estado.

No caso do Poder Legislativo Municipal, a sua função primordial é a legislativa, exercida, basicamente, para atender aos mais variados assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e estadual no que couber. As tarefas indicadas pelo IGAM como de responsabilidade do Município não são atribuídas ao Poder Legislativo, porquanto possuem cunho material, competindo, portanto, ao Executivo.

O Legislativo, tal como prevê o artigo 30, II, da Constituição Federal, pode e deve suplementar a legislação federal e estadual no que couber, para melhor atender às peculiaridades de cada Município, detalhando e pormenorizando as normas gerais editadas com base na competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal. Inclusive, o inciso XIV do referido dispositivo constitucional estabelece que a União, os Estados e o Distrito Federal podem legislar concorrentemente sobre a “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”, daí decorrendo a competência suplementar dos municípios para legislar sobre a matéria, em conjunto com o artigo 30, II, da CF.

Portanto, aos municípios, além da competência material prevista no artigo 23, II, da Constituição Federal, consistente na prática de atos tais como os referidos pelo IGAM, também é deferida a competência legislativa para especificar as normas federais e estaduais sobre defesa da pessoa portadora de deficiência, não havendo qualquer mácula constitucional à proposta apresentada no que concerne à competência.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos-de-lei que:

I - disponham sob matéria financeira;

II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos;

III - disponham sobre matéria tributária, orçamentos, aberturas de créditos, concessão de subvenções, de auxílios ou que, de qualquer forma, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional ou legal à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria aqui tratada, tendo em vista que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 075/2017 é promover a maior proteção das pessoas portadoras de autismo, mediante a criação de um dever consistente em inserir o respectivo símbolo internacional nas placas de atendimento prioritário. A medida pretendida vem ao encontro de todo o arcabouço jurídico constitucional e infraconstitucional relativo à matéria.

O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.”

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Sobre o atendimento prioritário na Lei nº 13.146/2015, prevê o artigo 9º:

Art. 9º A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:

I - proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

II - atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público;

III - disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas;

IV - disponibilização de pontos de parada, estações e terminais acessíveis de transporte coletivo de passageiros e garantia de segurança no embarque e no desembarque;

V - acesso a informações e disponibilização de recursos de comunicação acessíveis;

VI - recebimento de restituição de imposto de renda;

VII - tramitação processual e procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada, em todos os atos e diligências.

§ 1º Os direitos previstos neste artigo são extensivos ao acompanhante da pessoa com deficiência ou ao seu atendente pessoal, exceto quanto ao disposto nos incisos VI e VII deste artigo.

§ 2º Nos serviços de emergência públicos e privados, a prioridade conferida por esta Lei é condicionada aos protocolos de atendimento médico.

Em específico no caso do autismo, a Lei Federal nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabeleceu diversos direitos, nos seguintes termos:

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

IV - o acesso:

a) à educação e ao ensino profissionalizante;

b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c) ao mercado de trabalho;

d) à previdência social e à assistência social.

Por fim, no que diz respeito ao atendimento prioritário, a Lei nº 10.048/2000, no artigo 1º, estipula que “As pessoas com deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as gestantes, as lactantes, as pessoas com crianças de colo e os obesos terão atendimento prioritário, nos termos desta Lei.” Os portadores de autismo, nesse caso, são considerados pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais, conforme preceitua o § 2º do artigo 1º da Lei Federal nº 12.764/2012.

Assim, a despeito do parecer do IGAM, não há qualquer vício de natureza formal ou material a impedir a regular tramitação do Projeto de Lei nº 075/2017, o qual pretende determinar aos estabelecimentos a inserção do símbolo do autismo nas placas de atendimento prioritário. Cabe lembrar, apenas, que a obrigação deve ser dirigida tão somente à esfera privada, uma vez que, caso seja destinada à Administração Pública, a norma violará a separação dos Poderes (artigo 2º, CF) por referir-se à matéria de organização administrativa, cuja iniciativa do projeto de lei compete apenas ao Chefe do Executivo, na forma do artigo 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal, aplicada por simetria aos municípios.

Além disso, adere-se à sugestão do IGAM no sentido de que, por técnica legislativa, o artigo 3º deve ser reescrito nos seguintes termos: “Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”, em razão do disposto no artigo 8º, caput, da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 075/2017, apenas consignando ser necessária a mudança da redação do artigo 3º para os termos já indicados.

É o parecer.

Guaíba, 19 de setembro de 2017.

GUSTAVO DOBLER

Procurador Jurídico



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