Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 068/2017
PROPONENTE : Ver. Juliano Ferreira
     
PARECER : Nº 245/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a obrigatoriedade dos estabelecimentos comerciais, hotéis, motéis, casas noturnas e similares a anexar aviso em local visível que os crimes praticados contra criança e adolescentes são passíveis de penas"

1. Relatório:

 O Vereador Juliano Ferreira apresentou o Projeto de Lei nº 068/2017 à Câmara Municipal, objetivando tornar obrigatória a afixação de aviso, em local visível e por meio de placa, em estabelecimentos comerciais, hotéis, motéis, casas noturnas e em locais similares, de que os crimes cometidos contra crianças e adolescentes são passíveis das penas previstas em lei. Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer.

2. Parecer:

 O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

 A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”

 O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal.

 A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Veja-se que, entre as competências legislativas dos Municípios, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função legiferante deve ser exercida nos termos e nos limites da Constituição Federal, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local.

Neste sentido, de acordo com Pedro Lenza (2012, p. 449), com relação às competências legislativas dos Municípios, especificamente sobre a competência suplementar, o artigo 30, II, da CF “estabelece competir aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. ‘No que couber’ norteia a atuação municipal, balizando-a dentro do interesse local. Observar ainda que tal competência se aplica, também, às matérias do art. 24, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade.”

Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (CF, artigo 22) e não esbarre nos casos de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

No caso em tela, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no artigo 13, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” (inciso I). Como bem referiu o IGAM no parecer retro, a medida pretendida por meio do projeto de lei está inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município.

Além disso, cabe referir que a Lei Orgânica do Município de Guaíba, no artigo 119, não faz reserva alguma de iniciativa ao Poder Executivo quanto à matéria aqui tratada, presumindo-se, portanto, tratar-se de iniciativa comum, na forma do artigo 38, in verbis: “A iniciativa das Leis Municipais, salvo nos casos de competência exclusiva, cabe a qualquer Vereador, Comissão Permanente da Câmara, ao Prefeito ou ao eleitorado.”

Portanto, no que diz respeito à competência e à iniciativa, inexiste qualquer vício ou mácula a impedir a regular tramitação do Projeto de Lei nº 068/2017.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 068/2017 é promover a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, por meio da afixação de aviso em estabelecimentos comerciais, hotéis, motéis, casas noturnas e em locais similares, de que os crimes praticados contra menores de idade estão sujeitos às penas da lei.

O artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 068/2017 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

O IGAM, na orientação técnica de fls. 05-07, sugeriu que sejam instituídas penalidades para garantir a efetividade da futura lei, cuja dosimetria deve ser feita somente com valores, sem incluir outras medidas de caráter administrativo, que poderiam macular o projeto de lei por vício de iniciativa.

De fato, a cominação de multa pelo descumprimento da obrigação garante maior efetividade à lei, que incentivará e pressionará o destinatário a atendê-la adequadamente, uma vez que, do contrário, ser-lhe-á aplicada penalidade pecuniária. Para dirimir eventual dúvida acerca da existência de vício formal de iniciativa para a propositura do projeto de lei, em razão da cominação da multa, realizou-se pesquisa a respeito de casos semelhantes em outros municípios, chegando-se ao acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2028694-23.2015.8.26.0000, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

No referido acórdão, em que se discutiu a constitucionalidade da Lei nº 6.173, de 4 de novembro de 2014, do Município de Ourinhos, justamente por terem sido cominadas penalidades administrativas pelo descumprimento da obrigação de afixar avisos escritos sobre os crimes praticados contra crianças e adolescentes, o Tribunal defendeu que a matéria objeto da referida lei não diz respeito à organização e funcionamento da Administração Pública – o que poderia macular o diploma de vício formal de inconstitucionalidade –, destinando-se a regra aos particulares no âmbito de suas atividades empresariais.

Além disso, o Tribunal de Justiça asseverou inexistir, na prática, qualquer aumento de despesa a atrair a iniciativa privativa do Chefe do Executivo para a propositura do projeto, uma vez que já há estrutura administrativa em funcionamento que executa o poder de polícia nos comércios e serviços locais, sendo que “o dever de fiscalização do cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem, no caso, efeito de gerar despesas ao Município.

No que diz respeito ao Município de Guaíba, de acordo com o relatório de cargos referente ao mês de agosto de 2017, publicado no sítio da Prefeitura[1], há um total de 10 (dez) cargos ocupados de Fiscal de Tributos e Posturas, cujas atribuições, nos termos da Lei Municipal nº 1.116/93, incluem:

[1] http://transparencia.guaiba.rs.gov.br/files/uploads/docs/d70e6394ff56a88a8d616f31c1fcfdf8.pdf

[...] fiscalizar os estabelecimentos industriais, comerciais, serviços, comércio, inclusive os ambulantes e os precários (feiras, quermesses, etc.), profissionais liberais, serviços concedidos, plataformas de embarque e desembarque de passageiros, de qualquer modal, os pontos e abrigos de ônibus ou similar, as obras em geral, as sinalizações, o cumprimento dos horários, os itinerários, a higiene dos veículos (ônibus, taxi, lotação), a documentação, a postura e o tratamento dispensado pelos profissionais (motoristas, fiscais, cobradores..) aos usuários dos serviços (passageiros, clientes de bancos e loterias, bares, boates e restaurantes, hospitais e ambulatórios, escolas, cinemas, repartições públicas - inclusive Prefeitura, etc.), as acessibilidades (rampas, inclusive dos coletivos), as filas quanto ao tempo de espera e a urbanidade no atendimento ao público (cadeirantes, idosos, gestantes, deficientes visuais e auditivos, portadores de limitação locomotora, etc.); exercer o poder de polícia, próprios do Poder Público; cumprir e fazer cumprir as leis, decretos, atos administrativos e o que mais couber; [...] arrecadar as verbas municipais de natureza tributária e postural (multa);

Portanto, constata-se que já há estrutura administrativa organizada para promover o exercício do poder de polícia no Município de Guaíba, especialmente para “cumprir e fazer cumprir as leis, decretos, atos administrativos e o que mais couber”, de tal forma que a cominação de penalidade administrativa para o descumprimento da obrigação prevista no projeto de lei em análise não acarretará aumento de despesa para a sua efetiva aplicação; do contrário, o produto das multas constituirá fonte de receita em favor da Administração Pública, que poderá melhor equipar-se para atender aos objetivos de interesse público.

Por fim, o IGAM sugeriu que, à luz da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, sejam feitas alterações de técnica legislativa no projeto de lei. Ocorre que as modificações propostas em nada afetam o entendimento da proposta e também não configuram erro na formulação, tratando-se de mero estilo. A própria Constituição Federal, publicada no sítio do Planalto[1], prevê a formatação dos artigos em números ordinais na forma “Art. 1o". Quanto ao uso do negrito, a Lei Complementar nº 95/98 em momento algum o proíbe. Os artigos 4º, 5º e 6º apenas preveem que:

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

Art. 4º A epígrafe, grafada em caracteres maiúsculos, propiciará identificação numérica singular à lei e será formada pelo título designativo da espécie normativa, pelo número respectivo e pelo ano de promulgação.

Art. 5º A ementa será grafada por meio de caracteres que a realcem e explicitará, de modo conciso e sob a forma de título, o objeto da lei.

Art. 6º O preâmbulo indicará o órgão ou instituição competente para a prática do ato e sua base legal.

A sugestão de que seja retirado o caractere “/” da epígrafe “Projeto de Lei 068/2017” é desnecessária porque, se aprovada, a proposta será reescrita na forma de lei ordinária, com a supressão da barra e indicação da data da promulgação. Finalmente, a ementa já está suficientemente recuada, sendo desnecessárias quaisquer alterações.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 068/2017, apenas consignando que é viável, se for do interesse do proponente, a fixação de multa pelo descumprimento da obrigação cominada na proposta, desde que em valor fixo, sendo desnecessárias as alterações de técnica legislativa sugeridas, porque em nada prejudicam o projeto.

 É o parecer.

 Guaíba, 13 de setembro de 2017.

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       Gustavo Dobler

     Procurador Jurídico



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