Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 022/2017
PROPONENTE : Ver. José Campeão Vargas
     
PARECER : Nº 080/2017
REQUERENTE : Comissão de Constituição, Justiça e Redação

"Dispõe sobre a proibição de cobrança de taxa de religação de energia elétrica e água no Município de Guaíba"

1. Relatório:

 Esta Comissão solicitou parecer jurídico no que se refere a  forma e legalidade do presente projeto. 

2. Parecer:

Inicialmente temos a discorrer sobre os significados que são no presente caso a  tarifa ou preço público que é o valor cobrado pela prestação de serviços públicos por empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos. Trata-se, pois, de remuneração paga pelo usuário por utilizar um serviço público, divisível e específico. É a contraprestação pecuniária. Como ensina Amaro.

O preço é, pois, obrigação assumida voluntariamente, ao contrário da taxa de serviço, que é imposta pela lei a todas as pessoas que se encontrem na situação de usuários (efetivos ou potenciais) de determinando ente estatal.

Já as taxas, cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Como coloca Hugo de Brito Machado:

 A maioria dos autores ensina que a taxa corresponde ou está ligada a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Justifica-se, assim, a taxa pelo exercício do poder de polícia ou pela prestação de serviço público, atividades privativas, próprias do Estado. Nem todo serviço público, porém, seria atividade especificamente estatal. O preço público, assim, seria a remuneração correspondente a um serviço público não  especificamente estatal, vale dizer, a uma atividade de natureza comercial ou industrial3.

Para o STF, o que distingue a taxa da tarifa é a compulsoriedade da primeira e a facultatividade da última. Esse é o teor de sua Súmula nº 545:

Especificamente quanto aos serviços relativos ao fornecimento de água e esgoto, menciona sobredito tributarista:

Se há norma proibindo o atendimento da necessidade de água e esgoto por outro meio que não seja o serviço público, a remuneração correspondente é taxa.

(...)

Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias dos tributos. O contribuinte será seguro de que o valor dessa remuneração há de ser fixado por critérios definidos em lei. Terá, em síntese, as garantias estabelecidas na Constituição.

 Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

DIREITO TRIBUTÁRIO. NATUREZA JURÍDICA DA COBRANÇA FEITA PELO DMAE PELOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO: TAXA, E NÃO PREÇO PÚBLICO. CDA QUE NÃO INDICA O LIVRO E A FOLHA EM QUE O DÉBITO FOI INSCRITO E QUE SE APRESENTA COMO CÓPIA

REPROGRÁFICA: NULIDADE. 1. Do art. 2º da Lei nº 2.312/61, do Município de Porto Alegre, que criou e atribuiu personalidade jurídica ao DMAE, e do seu art. 12 (determinando que “as taxas dos serviços de água e esgoto incidem sobre as unidades prediais e territoriais localizados à margem das vias e logradouros servidos pelas respectivas redes, mesmo que não as utilizem”), bem como da sua LC nº 170/87, que estabelece novas normas a serem seguidas para as instalações hidrossanitárias e prestação de serviços públicos de água e de esgoto sanitário, emana absolutamente clara a necessidade de qualquer construção predial da cidade se conectar e de se manter permanentemente conectado à rede municipal de água e esgoto e de pagar as contraprestações exigidas pelo referido Departamento, independentemente do uso ou consumo do serviço. O art. 52 da LC nº 170/87, com a redação que lhe deu a LC nº 180/88, somente permite que as contraprestações de água e de esgoto deixem de ser cobradas pelo DMAE, a pedido do proprietário do imóvel, a partir do momento em que for ele desligado da rede, “desde que não haja mais interesse no suprimento” dos serviços e, cumulativamente, “desde que o imóvel esteja desocupado”, hipótese que, contudo, por não permitir ao proprietário pedir a suspensão e a cobrança dos serviços sempre que lhe aprouver, equivale a uma simples isenção de pagamento, sem o menor condão de afastar a regra da compulsoriedade na contraprestação  dos serviços colocados à sua disposição. 3. A necessidade legal de conexão do imóvel à rede pública de água e esgoto do DMAE, e de contribuir compulsoriamente com o custeio dos serviços pelo simples fato de estarem estes à disposição, com a eventual faculdade de, num único e restrito caso dela poder se desconectar, induvidosamente caracteriza o ¨jus imperium¨ do Município, do qual é parte integrante aquele, próprio de quem tem o poder de, unilateralmente, impor arrecadações tributárias a seu talante, no caso na espécie ¨taxa¨, doutrinariamente tida como a contraprestação pecuniária, compulsória por força de lei, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, prevista no art. 145, II, da CF em vigor, sendo irrelevante que a lei instituidora lhe dê o nome de ¨tarifa¨ ou ¨preço¨, razões pelas quais se lhe aplicam as regras do CTN, ¨ex vi¨ dos seus arts. 3º e 4º, e não as do Código Civil, inclusive no tocante ao título executivo (CDA) e à prescrição. (...) DECISÃO: NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70017356387, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 27/12/2006). AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇAO FISCAL. SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO PELO DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO. SAMAE (AUTARQUIA MUNICIPAL). TAXA. NATUREZA TRIBUTÁRIA DA CONTRAPRESTAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ART. 174 DO CTN. PROTESTO JUDICIAL. NÃO RESPEITADOS OS REQUISITOS DO ART. 870 DO CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70018127423, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 22/12/2006).

Contudo, ainda que doutrinária e jurisprudencialmente seja considerada taxa o valor cobrado em contraprestação a um serviço público quando reconhecida a compulsoriedade, a legislação pertinente ao fornecimento de água, esgoto ou energia elétrica trata como tarifa.

 Não bastasse a legislação, o STF também vem tratando como tarifa, especificamente, a contraprestação paga pelo usuário às concessionárias de serviços públicos, o que se extrai do julgamento da ADI-MC 2.337/SC, relatada pelo Ministro Celso de Mello, DJ de 21/06/2002 DJ, assim ementado (grifou-se): 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INVASÃO, PELO ESTADO-MEMBRO, DA ESFERA DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO E DOS MUNICÍPIOS.IMPOSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO NAS RELAÇÕES JURÍDICO-CONTRATUAIS ENTRE O PODER CONCEDENTE FEDERAL OU MUNICIPAL E AS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS. INVIABILIDADE DA ALTERAÇÃO, POR LEI ESTADUAL, DAS CONDIÇÕES PREVISTAS NA LICITAÇÃO E FORMALMENTE ESTIPULADAS EM CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, SOB REGIME FEDERAL E MUNICIPAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.. Os Estados-membros - que não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União Federal ou o Município) e as empresas concessionárias - também não dispõem de competência para modificar ou alterar as condições, que, previstas na licitação, acham-se formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União (energia elétrica - CF, art. 21, XII, "b") e pelo Município (fornecimento de água - CF, art. 30, I e V), de um lado, com as concessionárias, de outro, notadamente se essa ingerência normativa, ao determinar a suspensão temporária do pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços concedidos (serviços de energia elétrica, sob regime de concessão federal, e serviços de esgoto e abastecimento de água, sob regime de concessão municipal), afetar o equilíbrio financeiro resultante dessa relação jurídico contratual de direito administrativo.

 Assim, resta afastada a iniciativa legislativa de Vereador, por não poder dispor sobre política tarifária ou afetar a relação contratual estabelecida entre Poder Concedente e Concessionária, muito menos quando se tratar de serviços afetados a outra unidade da Federação, como no caso em análise.

Com efeito, não bastassem sobreditas razões que, por si, afastam do Poder Legislativo a possibilidade de dispor sobre a matéria, o Projeto de Lei em análise padece de inconstitucionalidade no que tange à política de energia elétrica, por extrapolar a competência do Município.

Efetivamente, compete à União explorar os serviços de energia elétrica, nos termos do art. 21, XII, “b” da Constituição Federal.

Objetivando regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, por intermédio da Lei nº 9.427/1996, a União criou a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia que, dentre suas atribuições, está a de gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e a prestação dos serviços de energia elétrica. 

O art. 14 de sobredita Lei, ao dispor sobre o regime econômico-financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica, estabeleceu a necessidade de a contraprestação pela execução do serviço, paga pelo consumidor final com tarifas baseadas no serviço pelo preço, nos termos da Lei nº 8.9871995, entendendo-se por serviço pelo preço o regime econômico-financeiro mediante o qual as tarifas máximas do serviço público de energia elétrica são fixadas, dentre outros meios, em ato específico da ANEEL, que autorize a aplicação de novos.

valores, resultantes de revisão ou de reajuste, nas condições do respectivo contrato.

Compete à ANEEL velar pelo equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, de modo que qualquer interferência direta de Estados e Municípios sobre as cláusulas regulamentares de prestação do serviço, bem como sobre a equação econômico-financeira, sofrerá de grave inconstitucionalidade, por afrontar a competência privativa da União para legislar sobre energia e a competência exclusiva para explorar os seus serviços e instalações.

A par de suas atribuições, a ANEEL editou a Resolução nº 456, de 29/11/2000, que prevê, dentre os serviços cobráveis, a religação normal e a religação de urgência, cujos valores serão definidos por meio de Resoluções específicas da ANEEL.

Por fim, ainda que fosse viável a iniciativa de Vereador acerca da matéria, deveria ser observado o previsto no art. 14 da Lei Complementar nº101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal - que trata da concessão de isenção como renúncia de receita, obrigando o ente a atender os requisitos previstos neste artigo, o que reforça a corrente que defende a iniciativa privativa do Poder Executivo, pois o Vereador não disporia dos instrumentos necessários para elaborar estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, bem como a demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12 da LRF, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; ou adotar medidas de compensação, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. 

Conclusão:

Ante o exposto, em atendimento à solicitação de PARECER a Procuradoria  OPINA pela inviabilidade jurídica do projeto, pois fere frontalmente a legislação vigente e intefere em serviços prestados por empresa de outro ente.

É o parecer.

Guaíba, 12 de abril de 2017.

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Heitor de Abreu Oliveira
Procurador Jurídico



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