Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 039/2025
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 138/2025
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Comitê das Crianças de Guaíba, com o objetivo de garantir a participação infantil na construção de políticas públicas do Município."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 039/2025 à Câmara Municipal, o qual “Cria o Comitê das Crianças de Guaíba, com o objetivo de garantir a participação infantil na construção de políticas públicas do Município.”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei do Executivo n.º 039/2025, de autoria do Pode Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber.

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Pela competência suplementar, compete ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, ou seja, o município pode suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, sem obviamente contraditá-las e ainda estabelecer normas que digam respeito às realidades específicas do Município. Tal competência se aplica também às matérias elencadas no artigo 24 da Constituição Federal.

É pertinente destacar trecho da obra de Gilmar Mendes sobre o tema:

É claro que a legislação municipal, mesmo que sob o pretexto de proteger interesse local, deve guardar respeito a princípios constitucionais acaso aplicáveis. Assim, o STF já decidiu que a competência para estabelecer o zoneamento da cidade não pode ser desempenhada de modo a afetar princípios da livre concorrência. O tema é objeto da Súmula 646.       

Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal ou estadual contrária à municipal, suspende a eficácia desta.

A competência suplementar se exerce para regulamentar as normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, através do voto do Desembargador Roberto MacCracken, no julgamento da ADI nº 01752128420138260000, manifestou-se sobre a competência legislativa dos municípios:

A questão da competência legislativa deve ser apreciada sobre a exegese dos artigos 24 e 30 da CF/88, isto é, enquanto o primeiro arrola as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal para legislar, principalmente, sobre proteção do meio ambiente (artigo 24, inciso VI), o segundo autoriza o Município a “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (artigo 30, inciso II), assim, a lei impugnada, que dispôs sobre proteção do meio ambiente na comercialização, na troca e no descarte de óleo lubrificante, não ingressou na matéria ambiental de forma genérica, mas apenas promoveu regulamentação suplementar e nitidamente específica, não ofendendo a competência legislativa de qualquer outra Unidade da Federação, mas, pelo contrário, exerceu preceito constitucional dentro dos limites próprios e atinentes ao seu campo de atuação. (SÃO PAULO, 2014)

Está bem exercida, ademais, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, tratando a proposta de serviços públicos relacionados à Secretaria Municipal de Educação, versando sobre a organização e o funcionamento da administração pública, sendo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, por força do art. 60, II, d e 82, VII, ambos da Constituição Estadual.

No que diz respeito à matéria de fundo, a proposta pretende garantir o desenvolvimento integral de crianças, garantindo sua participação na elaboração de políticas públicas que lhes digam respeito.

A participação da criança, em tudo que lhe diz respeito, é um direito fundamental previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente1, no Marco Legal da Primeira Infância e na Constituição Federal.

A própria Convenção sobre os Direitos das Crianças (CDC) de 1989 no âmbito da ONU prevê os Direitos à participação: São aqueles que garantem às crianças e aos adolescentes o direito à liberdade de expressão, de manifestar sua opinião sobre questões que afetam de forma individual, mas também de forma à participação, sendo um dos principais pontos em que a Convenção dos Direitos da Criança de 1989 avança em relação aos marcos anteriores:

A participação como direito no Brasil é resguardada às crianças especialmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. De acordo com o disposto no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, a criança e o adolescente são considerados “sujeitos de direitos”. A palavra “sujeito” traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros “objetos”, devendo participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento.

O referido Plano Nacional ressalta que “Sendo a criança e o adolescente sujeitos de direitos, é necessário reconhecer suas habilidades, competências, interesses e necessidades específicas, ouvindo-os e incentivando-os - inclusive por meio de espaços de participação nas políticas públicas – à busca compartilhada de soluções para as questões que lhes são próprias.”

No mesmo sentido a referida legislação federal estabelece que “A prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e do art. 4º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 , implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral”.

Cabe referir que é recomendável, ainda, por força do previsto na Lei Federal nº 13.257, de 8 de março de 2016, especificamente em seu artigo 4º, II, e VI, a participação da primeira infância (primeiros 6 anos completos) nas políticas públicas que lhe digam respeito:

Art. 4º As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância serão elaboradas e executadas de forma a:

...

II - incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento;

...

VI - adotar abordagem participativa, envolvendo a sociedade, por meio de suas organizações representativas, os profissionais, os pais e as crianças, no aprimoramento da qualidade das ações e na garantia da oferta dos serviços;

Quanto à matéria de fundo, portanto, não se verificam óbices, indo ao encontro das normas gerais estabelecidas pela legislação federal e estadual acerca do tema.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 039/2025, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 22 de maio de 2025.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
22/05/2025 16:48:28
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 22/05/2025 ás 16:48:15. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 3d60112c4d8ec0190bf3936aff9476ac.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 233716.