Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 067/2025
PROPONENTE : Ver. Everton da Academia
     
PARECER : Nº 136/2025
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal n° 1027/1990 – Código de Posturas, dispondo sobre a reserva de vagas de estacionamentos de veículos, localizadas em vias ou espaços públicos, para veículos que transportem pessoas com Transtorno de Espectro Autista, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Ver. Everton da Academia (PL) apresentou o Projeto de Lei Complementar do Legislativo nº 067/2025 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal n° 1027/1990 – Código de Posturas, dispondo sobre a reserva de vagas de estacionamentos de veículos, localizadas em vias ou espaços públicos, para veículos que transportem pessoas com Transtorno de Espectro Autista, e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 94 do RI.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A política que se pretende instituir com a proposição se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei do Legislativo nº 067/2025, além de veicular matéria de relevância para o Município, não vinculada às competências privativas da União (art. 22 da CF/88), aprimora, na legislação, as garantias de reserva de vagas de estacionamento para as pessoas com deficiência já instituídas pela Lei Municipal nº 3.622/2017, prevendo-se que deve ser reservada, no mínimo, uma vaga devidamente sinalizada para pessoas com autismo, adotando-se o respectivo símbolo de identificação, medida que encontra amparo constitucional relativamente à competência legislativa (arts. 23, II, 24, XIV, 30, I e II, 227, § 2º, e 244 da CF/88).

Ainda, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais”, inserindo-se a matéria posta no projeto entre aqueles pertinentes ao poder de polícia de âmbito local.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS.Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria tratada, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Legislativo nº 067/2025 é garantir, na legislação local, um maior detalhamento da reserva de vagas de estacionamento para pessoas com deficiência, incluindo-se expressamente, entre os beneficiários, aqueles que tenham diagnóstico de autismo, com a obrigação de que os estabelecimentos públicos garantam ao menos uma vaga reservada para esse grupo e a sinalizem com o símbolo mundial de identificação.

Nesse sentido, tratando-se de grupo ligado ao movimento das pessoas com deficiência, importa mencionar que o Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, empenhando-se em “adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.”

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, concede às pessoas com deficiência uma série de direitos fundamentais, bem delineados na redação do seu art. 8º.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina que o Projeto de Lei Complementar do Legislativo nº 067/2025 é materialmente constitucional e sua viabilidade formal fica condicionada ao cumprimento das seguintes exigências: a) ampla divulgação do substitutivo e da exposição de motivos, designando-se audiência pública e/ou publicando-se aviso no site institucional para que, em 15 (quinze) dias da referida audiência ou do registro na internet, qualquer entidade da sociedade civil organizada possa apresentar emendas à proposta (artigo 46, LOM); c) aprovação do projeto em Plenário por maioria absoluta.

É o parecer.

Guaíba, 21 de maio de 2025.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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21/05/2025 16:04:21
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