PARECER JURÍDICO |
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"Institui o “Programa Médico nas Creches e Escolas Municipais” que funcionará como um sistema de prevenção a doenças infantis por meio do atendimento médico da cidade de Guaíba e dá outras providências." 1. Relatório:O Vereador Gilsão (PODE) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 065/2025 à Câmara Municipal, o qual “Institui o “Programa Médico nas Creches e Escolas Municipais” que funcionará como um sistema de prevenção a doenças infantis por meio do atendimento médico da cidade de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pelo Presidente da Câmara para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade da proposição. 2. Mérito:De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais. O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 94 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 94, parágrafo único). No que concerne à competência e ao conteúdo material, não há óbices constitucionais. Lembra-se que o artigo 30 da CF/88, ao disciplinar a autonomia dos Municípios, confere-lhes competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (inc. I e II). No presente caso, além de revestir-se do caráter de norma que atende às peculiaridades locais, o projeto suplementa, no Município de Guaíba, as previsões contidas na Constituição Federal, especialmente no artigo 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O artigo 198 da Constituição da República, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Percebe-se, portanto, que o Projeto de Lei do Legislativo nº 065/2025 está em consonância com o regramento constitucional a respeito do direito à saúde, especialmente consagrado no artigo 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do artigo 5º da CF/88. Sobre a aplicabilidade imediata do artigo 6º da Constituição Federal, veja-se: APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO PARA APLICAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA. INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. APLICAÇÃO IMEDIATA E INCONDICIONADA DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. I - Havendo pedido em harmonia com os requisitos do parágrafo único do art. 286 do CPC, não há falar em inépcia da inicial. II - O acesso às ações e serviços de saúde é universal e igualitário (CF - art. 196), do que deriva a responsabilidade solidária e linear dos entes federativos. A saúde, elevada à condição de direito social fundamental do homem, contido no art. 6º da CF, declarado por seus artigos 196 e seguintes, é de aplicação imediata e incondicionada, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da C. Federal, que dá ao indivíduo a possibilidade de exigir compulsoriamente as prestações asseguradas. O artigo 196 da Constituição Federal não faz distinção entre os entes federados, de sorte que cada um e todos, indistintamente, são responsáveis pelas ações e serviços de saúde, sendo certo que a descentralização, mera técnica de gestão, não importa compartimentar sua prestação. Preliminar rejeitada. Apelo desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário. Unânime. (Apelação Cível Nº 70051387074, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 19/12/2012). Quanto à iniciativa, é preciso referir que, à luz da interpretação das normas jurídicas, é clássica a lição de que as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva. Ou seja, quando a norma jurídica excepciona uma regra geral, estabelecendo requisitos que limitam o exercício de uma prerrogativa, não se pode adotar a técnica da interpretação ampliativa para atingir outros casos não previstos na norma analisada. Como exemplo, veja-se o artigo 61, § 1º, da CF/88, que traz os casos de iniciativa privativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. A norma geral é prevista no artigo 61, caput, nos seguintes termos: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” A referida norma estabelece a chamada iniciativa concorrente, permitindo a todas as pessoas ali especificadas dar início ao processo legislativo. O § 1º, em seguida, estabelece uma restrição à iniciativa concorrente, prevendo as matérias em que somente o Presidente da República poderá deflagrar projetos de lei. Por ser norma restritiva, que limita o exercício de uma prerrogativa geral, tem-se que não é possível ampliar o campo de aplicação das exceções para trazer outros casos ali não previstos. Nesse sentido, o entendimento do STF sobre a matéria: DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – LEI MUNICIPAL – INICIATIVA – SEPARAÇÃO DOS PODERES – PRECEDENTES DO PLENÁRIO – PROVIMENTO. [...] 2. Assiste razão ao recorrente. Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de que a interpretação das regras alusivas à reserva de iniciativa para processo legislativo submetem-se a critérios de direito estrito, sem margem para ampliação das situações constitucionalmente previstas – medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 724/RS, relator o ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça em 27 de abril de 2001, ação direta de inconstitucionalidade nº 2.464/AP, relatora a ministra Ellen Gracie, acórdão publicado no Diário da Justiça em 25 de maio de 2007, e ação direta de inconstitucionalidade nº 3.394/AM, relator o ministro Eros Grau, acórdão publicado no Diário da Justiça em 24 de agosto de 2007. [...] (RE 729729, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 13/12/2016, publicado em DJe-017 DIVULG 31/01/2017 PUBLIC 01/02/2017). O membro do Legislativo tem a prerrogativa de apresentar projetos de lei para reproduzir, em âmbito local, obrigações preexistentes. Como já referido em outros pareceres jurídicos, a interpretação mais moderna aplicada pelo STF é no sentido de admitir a iniciativa do Poder Legislativo para dispor sobre políticas públicas, desde que sem criar novas atribuições e sem remodelar as já existentes para órgãos públicos. Não obstante, cabe salientar que os tribunais pátrios, por vezes, tem assentado a inconstitucionalidade de proposições com teor análogo: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeita. Lei nº 3.641, de 23 de abril de 2012, do Município de Socorro, que “Dispõe sobre a criação do SISCAN – Sistema Municipal de Registro de Câncer no Município de Socorro SP”. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 47, incs. II e XIV e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 4.028, DE 19 DE JULHO DE 2022, DO MUNICÍPIO DE LORENA – ATENDIMENTO E VAGAS PREFERENCIAIS A PORTADORES DE DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS – LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR – OFENSA À RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO E AO PRINCÍPIO DE ISONOMIA – INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Lei nº 4.028, de 19 de julho de 2022, do Município de Lorena, de iniciativa parlamentar, que prevê atendimento preferencial e autorização para estacionamento em vagas preferenciais a portadores de doenças crônicas intestinais. 2. Criação de atribuições e obrigações a órgãos administrativos municipais. Inconstitucionalidade formal. Instituição de tratamento desigual sem correlação com o fator de discrímen, em detrimento de pessoas com dificuldades de locomoção. Ofensa ao princípio de isonomia. Inconstitucionalidade material 3. Política pública de apoio a portadores de doenças que se insere no âmbito de competência do Poder Executivo. Ofensa à reserva da Administração. Precedentes deste Colegiado. Inconstitucionalidade material. Ação direta procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2247269-51.2022.8.26.0000; Relator (a): Décio Notarangeli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 08/02/2023; Data de Registro: 09/02/2023) Ementa: ADIN. IDOSOS. ATENDIMENTO PRIORITARIO EM POSTOS DE SAUDE DO SUS. COMPETENCIA RESERVADA A UNIAO E AOS ESTADOS. OSTENTA-SE INCONSTITUCIONAL, POR RESERVADA A COMPETENCIA A UNIAO E AOS ESTADOS (ART.24, XII, DA CF, APLICAVEL POR FORCA DO ART.8, CAPUT, DA CE, E ART.52, XIV, DA CE), LEI MUNICIPAL QUE ESTABELECA ATENDIMENTO PRIORITARIO A IDOSOS EM POSTOS DE SAUDE SOB A RESPONSABILIDADE DO SISTEMA UNICO DE SAUDE. ACAO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 597218486, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Janyr Dall'Agnol Júnior, Julgado em: 03-05-1999) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.099/2014. MUNICÍPIO DE PELOTAS. PROGRAMA "INTERNET LIVRE". INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que, instituindo programa de internet livre por meio de instalação de redes públicas "wireless", estabelece uma série de atribuições às secretarias e órgãos da administração pública. Competência privativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria, a teor do artigo 60, inciso II, d, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes. Quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito - como, no caso, para estabelecer atribuições às Secretarias e órgãos da administração pública - não apenas incorre em inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), senão que implica também flagrante violação à independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70061167771, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em: 17-11-2014). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 09/2007, DO MUNICÍPIO DE GUAPORÉ, QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A CRIAR O SERVIÇO "CIDADÃO ON-LINE ", NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. INICIATIVA LEGISLATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70022341333, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em: 12-05-2008). Ainda que a matéria, à primeira vista, pareça incorrer em afronta ao princípio da separação entre os poderes, há decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso assentando a constitucionalidade da matéria pela via parlamentar, nos exatos termos em que proposta: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL 734/2021 DE FELIZ NATAL QUE CRIOU PROGRAMA MÉDICO NAS CRECHES E ESCOLAS MUNICIPAIS, NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE FELIZ NATAL – IMPROCEDÊNCIA – AUSÊNCIA DE CRIAÇÃO OU ESTRUTURAÇÃO DE ÓRGÃOS MUNICIPAIS – DIREITO À SAÚDE E A VIDA – GARANTIA ASSEGURADA CONSTITUCIONALMENTE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA NÃO CONFIGURADA – NORMA DE CONTEÚDO PURAMENTE PROGRAMÁTICO – NÃO INFLIÇÃO DO ART. 195, III, DA CE/MT – TEMA 917/STF – AÇÃO DIRETA IMPROCEDENTE. A Lei nº 734/2021 do Município de Feliz Natal, ao instituir o “Programa Médico nas Creches e Escolas Municipais”, não promove alteração na composição dos quadros de funcionários das escolas, não provoca mudança na estrutura da rede municipal e ensino e nem impede o regular funcionamento da Administração Pública. Ao contrário, o ato normativo busca a integrar e garantir o direito à saúde e a vida assegurada constitucionalmente . O art. 195, III, da CE/MT, ao atribuir privativamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativa legislativa de projetos de lei que visem à criação, estrutura e atribuição de órgãos de Administração Pública municipal, deve ser compreendido mediante exegese restritiva, somente abrangendo a criação, funcionamento e estruturação de órgãos da Administração Pública, de modo que as normas de conteúdo puramente programático que determinem uma simples autorização com fins de promoção do bem-estar social não se inclui no âmbito de sua incidência. Ação direta improcedente. A competência privativa do chefe do Poder Executivo não resulta usurpada quando a matéria regulada não invade a estrutura ou a atribuição de seus órgãos, tampouco o regime jurídico de servidores públicos (STF, ARE nº 878911 RG - Relator: Min. Gilmar Mendes; TJMT, ADI nº 1018462-10.2020.8.11.0000 – Relatora: Des.ª Maria Erotides Kneip Baranjak), de modo que inexiste ofensa ao art. 195 da CEMT. O c. STF assentou diretriz constitucional no sentido de que, somente nas matérias reservadas à competência privativa do Chefe do Executivo – estrutura da administração pública e regime dos servidores –, é vedada a iniciativa parlamentar causadora de aumento de despesa (STF, AgR RE: 1243591/MT – Relator: Min. Roberto Barroso). (N.U 1009349-95.2021.8.11.0000, ÓRGÃO ESPECIAL CÍVEL, RUI RAMOS RIBEIRO, Órgão Especial, Julgado em 20/10/2022, Publicado no DJE 04/11/2022) 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 065/2025, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, ressaltando que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) pode vir a ter posicionamento divergente do assentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso na ADI referida neste parecer, cabendo às Comissões Permanentes, especialmente à Comissão de Constituição, Justiça e Redação, a análise pormenorizada da matéria. É o parecer. Guaíba, 20 de maio de 2025.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 20/05/2025 17:03:24 |
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