Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 053/2025
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 116/2025
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Obriga a empresa concessionária de energia elétrica que opera na Cidade de Guaíba a consertar ou substituir postes danificados e a restabelecer o fornecimento de energia elétrica nos prazos que estabelece, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Marcos SJ (PL) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 053/2025 à Câmara Municipal, o qual “Obriga a empresa concessionária de energia elétrica que opera na Cidade de Guaíba a consertar ou substituir postes danificados e a restabelecer o fornecimento de energia elétrica nos prazos que estabelece, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade. Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 94 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário.

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

Tal feixe de competências é de observância obrigatória por parte de todos os entes federados – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios –, havendo, também, disposição expressa na Constituição Estadual Gaúcha de que os Municípios devem obediência aos princípios estabelecidos na Carta Estadual e na Constituição Federal (art. 8º). Desse mandamento, então, surge o dever de o Município de Guaíba, ao firmar a sua legislação, ter especial atenção ao que dispõe a CF/88 sobre distribuição de competências legislativas, para que não usurpe competências de outros entes, violando o pacto federativo.

E, nesse sentido, a CF/88, em matéria de energias, águas, telecomunicações e informática, estabelece a competência legislativa privativa da União, havendo inconstitucionalidade formal na legislação municipal que porventura venha a tratar do fornecimento de tais serviços. É o que prevê o art. 22, IV, da CF/88, assim transcrito: “Compete privativamente à União legislar sobre: [...] IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão”.

Isso se deve ao fato de que, pela regra do art. 30, I, da CF/88, os Municípios possuem a competência legislativa restrita aos assuntos de interesse local, devendo “haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

Da análise da proposição, por mais meritória que seja, não se constata predominância do interesse local em detrimento do interesse nacional.

Lembra-se que a ANEEL é uma agência reguladora com natureza de autarquia em regime especial responsável por regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica em todo o território nacional, conforme prevê o art. 2º da Lei Federal nº 9.427/1996. Tratando-se de autarquia – portanto, ente da Administração Pública indireta –, está sob a supervisão ministerial do Ministério de Minas e Energia e possui poder normativo e regulatório sobre as atividades que envolvem energia elétrica no país.

Dessa forma, as questões relacionadas ao fornecimento de energia elétrica estão sob a égide da competência legislativa privativa da União (art. 22, inciso IV, da CF/88), ainda que muitas das responsabilidades federais relacionadas ao tema tenham sido delegadas por lei à ANEEL, visando ao aperfeiçoamento e à especialização dos serviços. Igualmente, a legislação a respeito de água, telecomunicações e informática compete à União, a qual também delegou por lei as tarefas de regulação e normatização a agências reguladoras (ANA - Agência Nacional de Águas; ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações).

Ademais, a Lei Federal nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que disciplina o regime das concessões de energia elétrica, limita expressamente a atuação do Município na execução, regulação, controle e fiscalização dos serviços e instalações, conforme o art. 21, §2º, sem prévia autorização da ANEEL:

Art. 21. Na execução das atividades complementares de regulação, controle e fiscalização dos serviços e instalações de energia elétrica, a unidade federativa observará as pertinentes normas legais e regulamentares federais.

§ 1º As normas de regulação complementar baixadas pela unidade federativa deverão se harmonizar com as normas expedidas pela ANEEL.

§ 2º É vedado à unidade federativa conveniada exigir de concessionária ou permissionária sob sua ação complementar de regulação, controle e fiscalização obrigação não exigida ou que resulte em encargo distinto do exigido de empresas congêneres, sem prévia autorização da ANEEL.

A energia elétrica no Brasil é serviço público concedido ao particular mediante prévio procedimento licitatório, nos moldes da Lei Federal nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Cabe a Agencia Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, instituída pela mesma lei, regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal 3, razão pela qual transborda a competência do Município estipular critérios quanto a fiação e cabeamento na área de energia elétrica, pois trata-se de matéria reservada à União.

Além disso, O Supremo Tribunal Federal ao analisar recurso extraordinário, enfrentou a temática quanto a incompetência do Município para legislar sobre a matéria atinente à infraestrutura em energia elétrica, pois de caráter exclusivo da União:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. INSTITUIÇÃO E COBRANÇA DE TAXA PELO USO DE ÁREAS DOS MUNICÍPIOS POR CONCESSIONÁRIAS PRESTADORAS DO SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A Constituição Federal definiu a competência privativa da União para legislar sobre a matéria, bem assim a exclusividade para explorar os serviços e instalações de energia elétrica (CF, art. 21, IV e XII, b). II – Legislação municipal. Instituição de taxa pelo uso de áreas dos municípios por concessionárias prestadoras do serviço público de fornecimento de energia elétrica. Invasão de competência reservada à União Federal. Inconstitucionalidade da taxa. Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal [RE (Edcl) 581.947/RO, Rel. Min. Luiz Fux]. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 640286 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 12/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 20-08-2014 PUBLIC 21-08-2014).

O Projeto de Lei nº 053/2025, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, e no art. 163, § 4º, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Art. 163. Incumbe ao Estado a prestação de serviços públicos, diretamente ou, através de licitação, sob regime de concessão ou permissão, devendo garantir-lhes a qualidade.

[...]

§ 4º Será assegurado o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e permissão, vedada a estipulação de quaisquer benefícios tarifários a uma classe ou coletividade de usuários, sem a correspondente e imediata readequação do valor das tarifas, resultante da repercussão financeira dos benefícios concedidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 27, de 15/12/99)

Já no que concerne ao previsto no art. 3º da proposta, que pretende a criação de Fundo Municipal, não cabe à lei de iniciativa parlamentar criar fundo municipal a ser gerido por órgão vinculado ao Poder Executivo, por tratar-se de matéria de competência privativa do Prefeito, na seara de sua discricionariedade. A proposta ainda se revela formalmente inconstitucional por afronta aos arts. 165, III, e 167, IX, da CF/88, na medida em que os fundos municipais constituem parcela do orçamento público municipal, cuja natureza é de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Aliás, veja-se precedente da jurisprudência relativo ao caso em análise:

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei do Município de Santa Barbara d’Oeste nº 3294, de 13 de junho de 2011, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a criação de Fundo Municipal de Defesa Civil – Veto do prefeito rejeitado – Lei autorizativa que tem comando determinativo – Ato de organização do Município, de competência exclusiva do Prefeito – Ofensa ao princípio da separação de poderes - Instituição de fundos que depende de autorização legislativa (art. 176, IX, da CE) e que devem ser compreendidos na lei orçamentária anual (art. 174, § 4º, 1, da CE) de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo – Violação aos arts. 5º, 25, 47, inciso II, 174, § 4º, 1, e 176, IX, da Constituição Estadual – Procedência da ação. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 0153008-17.2011.8.26.0000; Relator (a): David Haddad; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 14/12/2011; Data de Registro: 08/02/2012)

O PLL nº 053/2025 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto à matéria orçamentária:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela devolução aos autores, mediante despacho fundamentado, da proposta em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica (art. 22, IV, da CF/88) e por tratar-se de matéria de competência privativa do Prefeito, em afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal (art. 3º da proposta).

É o parecer.

Guaíba, 6 de maio de 2025.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
07/05/2025 14:33:59
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