PARECER JURÍDICO |
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"Estabelece multa para maus tratos a animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos e, sanções administrativas a serem aplicadas a quem os praticar, sejam pessoas físicas ou jurídicas, no âmbito do Município de Guaíba e dá outras providências" 1. Relatório:O Vereador Manoel Eletricista (PSDB) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 046/2025 à Câmara Municipal, o qual “Estabelece multa para maus tratos a animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos e, sanções administrativas a serem aplicadas a quem os praticar, sejam pessoas físicas ou jurídicas, no âmbito do Município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno. 2. Mérito:Inicialmente, verifica-se estar correta a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, já que o projeto de lei apresentado propõe apenas a denominação de via pública do Município de Guaíba, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, na forma do art. 61 da CF/88 e do art. 59 da CE/RS, aplicáveis por simetria aos Municípios, por se tratar de normas constitucionais de reprodução obrigatória. No mesmo sentido, consagra o art. 38 da LOM: “A iniciativa das Leis Municipais, salvo nos casos de competência exclusiva, cabe a qualquer Vereador, Comissão Permanente na Câmara, ao Prefeito ou ao eleitorado.” Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” O dispositivo que se pretende incluir no âmbito da legislação ambiental, ainda que não altere o Código de Meio Ambiente de Guaíba, se insere, efetivamente, na definição de interesse local, além de revestir-se do caráter de norma suplementar à legislação federal. Isso porque o Projeto de Lei nº 046/2025, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece um detalhamento sobre o conceito de abuso, crueldade e maus-tratos aos animais, abstratamente previsto na Constituição Federal (artigo 225, § 1º, VII) e na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98, artigo 32). A respeito da competência suplementar dos municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental: Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8). Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes sobre a matéria, importante destacar o entendimento firmado no STF (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776: O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88). No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no artigo 119, nos seguintes termos: Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que: I - disponham sob matéria financeira; II - criem cargos, funções ou empregos públicos, fixem ou alterem vencimentos e vantagens dos servidores públicos; III - disponham sobre matéria tributária, orçamentos, aberturas de créditos, concessão de subvenções, de auxílios ou que, de qualquer forma, autorizem, criem ou aumentem a despesa pública. Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria aqui tratada, tendo em vista que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 046/2025 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural. A Constituição Federal, no artigo 225, caput, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O § 1º, detalhando os meios de garantir a proteção do meio ambiente, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” O Projeto de Lei nº 070/2017 se presta, acima de tudo, a atender ao referido comando constitucional. Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.” Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.” Não obstante, o conteúdo normativo da proposta já está em vigor no ordenamento jurídico do Município de Guaíba nos termos da Lei Municipal nº 1.730/2002 - Código de Meio Ambiente, possuindo capítulo específico a detalhado sobre a matéria, com previsão de multas:
CAPÍTULO I Art. 76 É proibido praticar atos de abuso, maus-tratos, crueldade, ferir ou mutilar animais domésticos ou domesticados, silvestres, nativos ou exóticos. (Redação dada pela Lei nº 3787/2019) § 1º Entende-se como atos de abuso, maus-tratos, crueldade e assemelhados, ações que, volitiva e conscientemente, ainda que por omissão ou negligência, provoquem os estados descritos no inciso XXV do artigo 7º desta Lei e tais como: (Redação dada pela Lei nº 3787/2019) [...] § 4º Em caso de infringência de quaisquer dispositivos deste artigo, serão aplicadas as determinações constantes do Capítulo II, do Título VIII desta Lei, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. (Redação acrescida pela Lei nº 3787/2019) 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente, mediante despacho fundamentado, nos termos do art. 94 do Regimento Interno, proceder à devolução do PLL nº 046/2025, em razão de já estar em vigência a Lei Municipal nº 1.730/2002 - Código de Meio Ambiente, possuindo capítulo específico a detalhado sobre a matéria, com previsão de multas. Caso seja do interesse do proponente, cabe a apresentação de proposta incluindo eventual conduta na referida Lei Municipal nº 1.730/2002 - Código de Meio Ambiente. É o parecer. Guaíba, 15 de abril de 2025.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 15/04/2025 18:30:41 |
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Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 15/04/2025 ás 18:30:28. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 13d6c0a967d849f23c7ec5096e4cd1c9.
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