PARECER JURÍDICO |
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"Altera a Lei Municipal nº 1.461, de 01 de junho de 1999, que disciplina a instituição de ponto facultativo no Município de Guaíba e dá outras providências" 1. Relatório:O Chefe do Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 024/2025, o qual “Altera a Lei Municipal nº 1.461, de 01 de junho de 1999, que disciplina a instituição de ponto facultativo no Município de Guaíba e dá outras providências”, tendo sido encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno. 2. Mérito:No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Tal feixe de competências é de observância obrigatória por parte de todos os entes federados – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios –, havendo, também, disposição expressa na Constituição Estadual Gaúcha de que os Municípios devem obediência aos princípios estabelecidos na Carta Estadual e na Constituição Federal (art. 8º). Desse mandamento, então, surge o dever de o Município de Guaíba, ao firmar a sua legislação, ter especial atenção ao que dispõe a CF/88 sobre distribuição de competências legislativas, para que não usurpe competências de outros entes, violando o pacto federativo. Ainda que a matéria de fundo da proposta não trate da instituição de feriado, mas sim o estabelecimento de dias em que não haverá expediente no serviço público municipal, cabe trazer à lume a repartição de competências previstas na Constituição da República quanto a essa matéria. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é clara ao defender que a fixação de feriados civis é da competência privativa da União, fundada no art. 22, inciso I, da CF/88, uma vez que diz respeito à matéria de direito do trabalho, por haver importantes reflexos nessa área: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 11.971/2015, DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, QUE ALTERA LEI QUE FIXA FERIADOS MUNICIPAIS, DECLARANDO FERIADO MUNICIPAL O DIA 20 DE NOVEMBRO, CONSAGRADO AO "DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E DA DIFUSÃO DA RELIGIOSIDADE". COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO DE LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. FERIADO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONOTAÇÃO RELIGIOSA, POR NÃO CONFIGURAR DIA DE GUARDA. EXTRAPOLAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PELO MUNICÍPIO. INCONSTITUCIONALIDADE PROCLAMADA. 1. De acordo com o art. 8º da Constituição Estadual, os Municípios devem, necessariamente, observar os princípios estabelecidos na própria Constituição Estadual, além daqueles consagrados na Constituição Federal - dentre eles, o princípio federativo, do qual decorre o estabelecimento de um sistema de repartição de competências entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive em matéria legislativa. Nesse aspecto, em relação às competências legislativas, o art. 22, inc. I, da Constituição Federal estabelece que compete privativamente à União legislar sobre "direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho", ao passo que o art. 30, inciso I, da CF/88, preconiza que aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local. 2. Resta induvidoso que a instituição de feriados constitui-se temática ligada ao Direito do Trabalho - uma vez que o feriado, independentemente de seu cunho e natureza civil ou religiosa, ao fim e ao cabo, implica a interrupção do trabalho -, matéria cuja competência legislativa é privativa da União, conforme o art. 22, inc. I, da CF/88. A propósito disso, a União editou lei federal, a Lei n.º 9.093/95, regendo a matéria, prevendo a possibilidade de os Municípios declararem feriados religiosos os dias de guarda, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, já incluída a Sexta-Feira da Paixão (art. 2º da Lei n.º 9.093/95). Considerando que o dia 20 de novembro, declarado como feriado municipal pela lei impugnada, consagrado ao "Dia da Consciência Negra e da Difusão da Religiosidade", não constitui dia de guarda, não podendo ser enquadrado como feriado religioso, por exclusão, tem-se que o feriado seria de natureza civil, porém, somente lei federal poderia assim declará-lo (art. 1º, inc. I, da Lei nº 9.093/95). Isso posto, resta flagrante a inconstitucionalidade da lei impugnada, por afronta ao art. 8º da Constituição Estadual e aos art. 22, inc. I, e 30, inc. I, ambos da Constituição Federal, destacando-se que estes dois últimos dispositivos configuram norma de reprodução obrigatória. [...] JULGARAM PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068409531, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/11/2016) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.252, DE 06 DE ABRIL DE 2009, DO MUNICÍPIO DE CANGUÇU, QUE INSTITUI COMO FERIADOMUNICIPAL O DIA 20 DE NOVEMBRO, "DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA". FERIADO SEM CONOTAÇÃO RELIGIOSA. INVASÃO NA ESFERA DE COMPETÊNCIAPRIVATIVA DA UNIÃO. OFENSA AOS ARTS. 8º E 13 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E ARTS. 22, I, E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70052004173, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, julgada em 13/05/2013) Nessa linha, segue a orientação do Supremo Tribunal Federal: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL 3.083, DE 07.10.02, DIA DO COMERCIÁRIO. DATA COMEMORATIVA E FERIADO PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 22, I. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1. Preliminar de não-conhecimento afastada. Norma local que busca coexistir, no mundo jurídico, com lei federal preexistente, não para complementação, mas para somar nova e independente hipótese de feriado civil. 2. Inocorrência de inconstitucionalidade na escolha, pelo legislador distrital, do dia 30 de outubro como data comemorativa em homenagem à categoria dos comerciários no território do Distrito Federal. 3. Implícito ao poder privativo da União de legislar sobre direito do trabalho está o de decretar feriados civis, mediante lei federal ordinária, por envolver tal iniciativa consequências nas relações empregatícias e salariais. Precedentes: AI 20.423, rel. Min. Barros Barreto, DJ 24.06.59 e Representação 1.172, rel. Min. Rafael Mayer, DJ 03.08.84. 4. Ação direta cujo pedido é julgado parcialmente procedente. (ADI 3069 / DF – Relator: Min Ellen Grace, Julgamento 24/11/2005, Órgão Julgador: Tribunal Pleno) Como bem esclarece a ementa do acórdão acima transcrita, a matéria foi disciplinada na Lei Federal nº 9.093, de 12 de setembro de 1995, dispondo que os feriados podem ser civis ou religiosos, sendo os seguintes: Art. 1º São feriados civis: I - os declarados em lei federal; II - a data magna do Estado fixada em lei estadual. III - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal. (Inciso incluído pela Lei nº 9.335, de 10.12.1996) Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão. Os Municípios, portanto, possuem propriamente apenas um feriado civil: os dias de início e de término do ano do centenário de sua fundação, desde que fixados em lei municipal. No mais, a fixação de feriados civis cabe à lei federal, pelo exercício da competência privativa do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Os feriados religiosos, por sua vez, podem ser fixados com maior liberdade pelos Municípios, já que o art. 2º prevê a possibilidade de instituição de até quatro feriados, neste número já incluída a Sexta-Feira da Paixão. Embora não haja disposição expressa no art. 22, inciso I, da CF/88 sobre feriados, a jurisprudência explica que a criação de feriados civis impacta diretamente nas relações de trabalho, pois traz maiores ônus ao empregador. Como regra, a CLT veda o trabalho em dias feriados (art. 70), remetendo, todavia, à legislação própria a disciplina do tema. A regulamentação vem através da Lei Federal nº 605, de 05/01/1949, prevendo que “é vedado o trabalho em dias feriados, civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva” (art. 8º), com exceção dos casos em que a execução do serviço for imposta por exigências técnicas, situações em que, embora seja possível o trabalho, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga (art. 9º). Ou seja, a instituição de feriado civil ou religioso, como regra, implica vedação ao trabalho, sendo que, excepcionalmente, quando justificado pela natureza das atividades empresariais (supermercados, postos de combustíveis, hospitais privados...), será até possível que haja trabalho, mas a remuneração do dia deverá ser paga em dobro pelo empregador, se não houver compensação em outro dia, e sem prejuízo do repouso remunerado semanal (“folga”). É o que prevê, também, a Súmula 146 do TST: SUM-146 TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS, NÃO COMPENSADO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 93 da SBDI-I) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal. É por tais implicações que a jurisprudência entende claramente que a instituição de feriados civis é da competência legislativa privativa da União (art. 22, inciso I, CF/88), por se tratar de matéria reflexa ao direito do trabalho, de tal modo que a proposição ora apresentada, em que pese tenha o mérito de estabelecer maior status à data comemorativa, é juridicamente inviável por afronta ao sistema constitucional de repartição de competências. Já quanto à matéria proposta, trata especificamente do estabelecimento de dias em que não haverá expediente no serviço público municipal, o que não se confunde com a instituição de feriados municipais, sendo, portanto de competência do Município. Está correta a revogação da alínea em questão, em virtude de que, em se tratando da administração pública municipal, cumpre ao Prefeito dispor privativamente sobre sua organização e funcionamento, o que engloba a fixação de pontos facultativos para seus servidores e empregados públicos (art. 84, VI, da CF/88), cabendo à Câmara Municipal organizar seus serviços administrativos. Nesse ponto, vale dizer que não encontra guarida na ordem constitucional e legal vigente, que pontos facultativos instituídos ou revogados por outros Poderes sejam estendidos ou revogados automaticamente aos servidores desses outros Poderes instituídos. Nesse sentido, ao Poder Executivo cabe fixar seus pontos facultativos em Decreto expedido pelo Chefe desse Poder e ao Poder Legislativo em norma infralegal própria, emitida pelo Presidente ou pela Mesa Diretora, sendo de iniciativa exclusiva de cada órgão as normas que tratem de seus serviços. Cabe ainda sublinhar que, via de regra, nos pontos facultativos é devida a compensação de horários, com exceção daquelas datas previstas em lei em que prevista a dispensa do serviço público, e que ambas as hipóteses não poderão causar quaisquer prejuízos à prestação de serviços reputados essenciais. Com efeito, a dispensa do servidor público do cumprimento de sua jornada de trabalho, sem a compensação de horários, deve observar a supremacia do o interesse público e o princípio da razoabilidade, devendo ser ato administrativo motivado (TJDF, Processo: 2012.01.1.191785-3) Por fim, cabe repisar que são os seguintes os feriados Municipais: - 02 de fevereiro (Nossa Senhora dos Navegantes) – Lei Municipal nº 305/1976; - Corpus Christi – Lei Municipal nº 1.858/2004; - 14 de Outubro – Dia de São Calisto I – Data do Município - Lei Municipal nº 128/1972. A título de informação, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul estabeleceu através de norma infralegal (Circular nº CG – 01/2025) a quinta-feira santa com expediente matutino – até 12 horas: Art. 1º Fica estabelecido, no ano de 2025, para os servidores do Tribunal de Contas e os servidores de outros Órgãos colocados à disposição desta Corte, o calendário de feriados, de pontos facultativos e de expedientes matutino e vespertino, nos seguintes termos: ... V - Expediente Matutino: a) 17 de abril - até 12 horas - Quinta-Feira Santa (quinta-feira). Bem como o Governador do Estado do Rio Grande do Sul estabeleceu também através de norma infralegal (Decreto nº 57.973/2025) a quinta-feira santa com expediente matutino – até 12 horas: Art. 1º Fica estabelecido o calendário de feriados, de pontos facultativos e de expedientes matutino e vespertino, para ser observado pelos órgãos da administração pública estadual, autarquias e fundações públicas, no ano de 2025, conforme segue: ... V - Expediente Matutino: 17 de abril - até 12 horas - Quinta-Feira Santa (quinta-feira). 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 024/2025. É o parecer. Guaíba, 17 de março de 2025.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 27/03/2025 18:42:30 |
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