PARECER JURÍDICO |
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"Altera a Lei Municipal nº 1.759/2003, que dispõe sobre a política municipal de proteção aos direitos da criança e do adolescente, regulamenta a formação e atuação do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente, do conselho tutelar, dispondo, ainda, sobre o fundo municipal para a criança e o adolescente e dá outras providências" 1. Relatório:O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 029/2025 à Câmara Municipal, em que objetiva alterar a Lei Municipal nº 1.759, de 19 de maio de 2003. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno. 2. Mérito:Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe alterações no processo de seleção para o Conselho Tutelar, órgão da administração pública local, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito, ao qual cabem as competências privativas dos arts. 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal: Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito: [...] VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei; Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre: I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos; III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017) Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual: Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14) II - disponham sobre: a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica; b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade; c) organização da Defensoria Pública do Estado; d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública. Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei do Executivo nº 029/2025, uma vez que apresentado pelo Prefeito Municipal, responsável pela organização administrativa do Poder Executivo. A respeito do teor do Projeto de Lei do Executivo nº 029/2025, tem-se que o seu objeto é alterar a composição de três entidades não governamentais do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – COMDICA (art. 11), além de reorganizar as regras de seleção dos conselheiros tutelares, incluindo-se novas disposições e, em especial, incluindo novo requisito para inscrição e seleção de candidatura ao Conselho Tutelar, especificamente “não ter tido a candidatura cassada nos dois últimos processos eleitorais para Conselheiro Tutelar” (art. 35) e ajustar a redação do art. 35-B, a qual prevê a vedação de abuso de poder através de apoio às candidaturas por meio de empresas, organizações religiosas e associações. A justificativa esclarece que Este projeto de alteração da Lei visa atualizar a legislação sobre a proteção aos direitos da criança e do adolescente em três aspectos principais: atualização da composição do COMDICA, definição de critério de idoneidade moral para os candidatos do Conselho Tutelar e ajuste de terminologia da Lei. Dessarte, a proposta visa garantir uma representação mais ampla e equilibrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA), assegurando uma atuação mais efetiva e representativa. A outra alteração fortalece os critérios de idoneidade para candidatos ao cargo de conselheiro tutelar, garantindo que sejam selecionados profissionais qualificados e comprometidos com a proteção das crianças e adolescentes. Por fim, substituir a terminologia "igreja" por "organizações religiosas", permite a inclusão de diversas manifestações religiosas no município, garantindo igualdade e respeito à diversidade religiosa. Além disso, a proposta estabelecida foi deliberada pelo COMDICA, destinada por ofício à gestão, garantindo um processo democrático e participativo. Essa alteração visa tornar a legislação mais inclusiva, transparente e eficaz na proteção dos direitos das crianças e adolescentes no município. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), nos artigos 131 a 133, dispõe genericamente sobre a organização dos conselhos tutelares: Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei. Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida recondução por novos processos de escolha. (Redação dada pela Lei nº 13.824, de 2019) Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos: I - reconhecida idoneidade moral; II - idade superior a vinte e um anos; III - residir no município. Como se percebe, os requisitos exigidos pelo ECA para que alguém se habilite a desempenhar a função de conselheiro tutelar são: a) reconhecida idoneidade moral; b) idade superior a vinte e um anos; c) residência no município. As referidas exigências estão contempladas na redação do art. 35, inciso I, podendo serem ampliadas na forma prevista na proposta em análise, visto que inclui requisito de idoneidade moral mais objetivo e, portanto, não se afigura desproporcional e ilegal, razão por que não há ilegalidades flagrantes. Quanto ao art. 35-B, que impede a participação no processo de seleção de candidato que tenha tido a candidatura cassada nos dois últimos processos eleitorais, sua redação está em consonância com o que o ECA prevê expressamente no sentido do Conselheiro Tutelar comprovar o requisito de reconhecida idoneidade moral (art. 133, I, da Lei nº 8.069/90). Nos termos da doutrina especializada e das recomendações de órgãos de controle e fiscalização da lei, o requisito da idoneidade moral importa em conceito jurídico indeterminado. Sendo assim, cabe ao legislador municipal, precipuamente, dar densidade normativa a essa exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. A esse respeito, a Resolução n. 231/2022 do Conanda determina que o Edital do processo de escolha deverá prever a documentação a ser exigida dos candidatos, como forma de comprovar o preenchimento dos requisitos previstos no art. 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente e na lei municipal de criação do Conselho Tutelar (art. 7o, § 1o, “b”). Assim, o requisito da idoneidade moral não está restrito aos conceitos do direito penal relativos à reincidência ou maus antecedentes, conforme entendimento do COPEIJ/GNDH/CNPG exposto na redação do seu Enunciado n. 06/2019: O requisito da idoneidade moral, previsto no artigo 133, I, do ECA, não se restringe aos conceitos do direito penal relativos à reincidência ou maus antecedentes, cabendo à Comissão Especial Eleitoral, em procedimento administrativo que assegure o contraditório, avaliar casuisticamente se as condutas praticadas pelo candidato ao Conselho Tutelar, ainda que não vedadas pela legislação ou resolução local, são compatíveis com o decoro do cargo. Nessa mesma linha, o artigo 8º da Resolução n. 231/2022 do Conanda trouxe uma série de condutas vedadas, como o abuso de poder econômico e religioso, as quais, se praticadas, conforme indica o § 7º do mesmo dispositivo, “poderão ser consideradas aptas a gerar inidoneidade moral”. Quanto aos referidos aspectos da proposta, a jurisprudência tem assentado que o município detém competência legislativa suplementar em temas de infância e juventude, podendo ampliar o alcance normativo da legislação federal e estabelecer requisitos adicionais para a candidatura ao cargo de conselheiro tutelar. Assim entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao declarar a constitucionalidade de uma lei de Mogi das Cruzes, que estabelece como requisito indispensável para o exercício da função de conselheiro tutelar residir no município há, no mínimo, quatro anos. "O artigo 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) estabelece três requisitos para a candidatura a membro do conselho tutelar (reconhecida idoneidade moral, idade superior a 21 anos, residir no município). Ocorre que referido rol não é restritivo. Por força do artigo 30 da CF, o município detém competência para suplementar a norma federal, ampliando o alcance normativo de tais requisitos, máxime para atender a interesse local". Citou precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o artigo 133 do ECA não é taxativo, uma vez que apenas estabeleceu requisitos mínimos para os candidatos ao conselho tutelar. "Inequívoca a competência do município para suplementar a norma federal, estipulando requisitos adicionais e ampliações normativas para a candidatura a membros do conselho tutelar": AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Município de Mogi das Cruzes. Art. 8º, inciso III, da Lei nº 7.054/15, estabelecendo como requisito indispensável para o exercício da função de Conselheiro Tutelar residir na municipalidade há, Constitucionalidade. no mínimo, 04 (quatro) anos. Competência legislativa. O Município detém competência legislativa suplementar em matéria de proteção à infância e à juventude (art. 30, I e II da CF), podendo ampliar o alcance normativo da legislação federal e estabelecer requisitos adicionais para o exercício do cargo de Conselheiro Tutelar. Doutrina e jurisprudência nesse sentido. Razoabilidade da norma. Legítima e razoável a opção do Município de exigir, para o exercício da função de Conselheiro Tutelar, a residência, na municipalidade, por, no mínimo, 04 (quatro) anos. Exigência voltada à compreensão aprofundada acerca das peculiaridades onde será prestada a atividade. Expediente adotado em diversas municipalidades. Ação improcedente. (ADIn nº 2.179.016-79.2020.8.26.0000 – São Paulo Voto nº 45.600 Rel. Des. JAMES SIANO - Voto nº 38.385, 20/04/2022.) Conclusão encontra respaldo em precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça: "O Município, com fundamento no art. 30, II, da CF/88, pode estabelecer requisitos outros além dos estampados no art. 133, do ECA, para eleição de membro do conselho tutelar, porquanto o referido dispositivo condições mínimas, que necessitam ser alongadas, somente veiculou a fimde sublevara referida função." AgRg na MC nº 11.835/RS v.u. j. de 13.03.07 Rel. Min. HUMBERTO MARTINS) "O art. 133 do ECA não é taxativo, vez que apenas estabeleceu requisitos mínimos para os candidatos a integrante do Conselho Tutelar, que é serviço público relevante, podendo, inclusive, ser remunerado." (REsp nº 402.155/RJ v.u. d.j. 28.10.03 Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO). As demais disposições legais da proposição guardam correspondência lógica e jurídica com as funções, os fins e a estrutura do Conselho Tutelar, dispondo sobre sua organização interna, de modo que não contrariam normas superiores e estão aptas à aprovação.
3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade do Projeto de Lei do Executivo nº 029/2025. É o parecer. Guaíba, 24 de março de 2025.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 24/03/2025 18:33:55 |
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Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 24/03/2025 ás 18:33:14. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação e3c9c6b3f17a3264cd161c7de76feaab.
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