Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 027/2025
PROPONENTE : Ver. Cristiano Eleu
     
PARECER : Nº 084/2025
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o estabelecimento de percentual mínimo de trabalhadores idosos nos quadros funcionais de empresas privadas do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Cristiano Eleu (REP) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei do Legislativo nº 027/2025, o qual “Dispõe sobre o estabelecimento de percentual mínimo de trabalhadores idosos nos quadros funcionais de empresas privadas do Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Mérito:

Cabe, antecipadamente, analisar se a proposição encontra respaldo no que diz respeito à competência legislativa do Município, contemplando ou não o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

II - orçamento;

III - juntas comerciais;

IV - custas dos serviços forenses;

V - produção e consumo;

(...)

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

Diante desse contexto constitucional normativo, deve-se analisar a compatibilidade das proposições municipais a fim de considerar a possibilidade de que o Município institua norma sobre direito do trabalho e novas reservas às liberdades de livre iniciativa e da atividade econômica, sem que isso caracterize desarmonia com o as regras constitucionais de competência, sendo as regras de distribuição de competências legislativas alicerces do federalismo.

 

Constata-se que a Constituição Federal assegura à União, aos Estados e ao Distrito Federal a competência legislativa concorrente para dispor sobre o direito do trabalho (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal), efetivamente a matéria sobre a qual o Projeto de Lei nº 027/2025 pretende dispor. No exercício dessa competência legislativa concorrente, cabe à União traçar regras gerais e aos Estados e ao Distrito Federal complementá-las. Assim, verifica-se que a carta republicana, na repartição das competências legislativas aos entes federados não conferiu aos municípios a possibilidade de legislar sobre a matéria.

Verifica-se, ainda, que a União, exercendo sua competência, já legislou sobre consumo, editando o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/90, que já garante aos consumidores os direitos à proteção de sua vida, saúde e segurança e à informação a respeito das qualidades dos produtos adquiridos, especialmente quando esses oferecerem risco à saúde ou à segurança, exatamente o que a proposta pretende, ao visar proteger a saúde de diabéticos de riscos com o consumo de açúcar.

A proposição local vai de encontro ao entendimento do Supremo Tribunal Federal:

 

O Plenário já consignou a inconstitucionalidade de norma instituidora de benefício de descanso remunerado para os empregados da iniciativa privada, por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (CF, art. 22, I). Especificamente quanto à saúde dos trabalhadores, o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade de diplomas normativos semelhantes, como o que previa normas de prevenção de doenças e critérios de defesa da saúde dos trabalhadores. [ADI 4.157, rel. min. Nunes Marques, j. 30-9-2024, P, DJE de 13-11-2024.]

É inconstitucional — por usurpar a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (CF/1988, art. 22, I) — lei estadual que, ao criar o “estágio supervisionado, educativo e profissionalizante” sob a forma de bolsa de iniciação ao trabalho ao menor que frequente o ensino regular ou supletivo, constitui relação jurídica que se aproxima do instituto do contrato de aprendizagem. O contrato de aprendizagem possui majoritário propósito educativo direcionado à inserção do aprendiz no mercado de trabalho, eis que a relação se forma sem a participação de instituição de ensino, configurando relação de natureza trabalhista especial. Diferencia-se do estágio, que tem caráter predominantemente educativo relacionado ao projeto pedagógico do curso que o estagiário frequenta — tanto que a instituição de ensino tem a responsabilidade de participar do vínculo —, motivo pelo qual a atribuição normativa sobre o tema é concorrente, por se tratar de educação e ensino (CF/1988, art. 24, IX) (...). Na espécie, a lei estadual impugnada prevê a constituição da relação jurídica diretamente entre a empresa ou entidade de direito público e o menor de 14 a 18 anos incompletos, sem a participação da instituição de ensino. Essa circunstância, aliada à não exigência de termo de compromisso, afasta a natureza essencialmente educacional capaz de configurar o pretendido estágio.
[ADI 3.093, rel. min. Nunes Marques, j. 25-8-2023, P, Informativo STF 1.105.]

Com efeito, nos termos do art. 22, I, da CF, compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho, não estando ela obrigada a utilizar-se de lei complementar para disciplinar a matéria, que somente é exigida, nos termos do art. 7º, I, da mesma Carta, para regrar a dispensa imotivada. [ADI 3.934, voto do rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 27-5-2009, P, DJE de 6-11-2009.]

 

 Da análise das referidas normas, tanto federais, estaduais e da norma local proposta, além da jurisprudência, percebe-se que as limitações que tais regulamentos impõem são matéria de competência da União.

Por oportuno, ressalte-se que a Constituição Federal consagra a livre iniciativa e livre concorrência como princípios fundamentais da atividade econômica, conforme seus arts. 1º, inciso IV, e 170, caput, inciso IV, adotando, assim, o modelo capitalista da produção. Por outro lado, esses princípios encontram limites na própria Carta Política, podendo o Estado, excepcionalmente, intervir na ordem econômica como agente normativo e regulador, exercendo, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174/CF).

A livre iniciativa consagra a liberdade do indivíduo de lançar-se à atividade econômica, sem restrições arbitrárias impostas pelo Estado. Em outras palavras, a livre iniciativa é uma extensão dos direitos individuais para o campo econômico.  No entanto, existe a possibilidade de o Estado, como agente regulador, intervir no mercado, mas apenas e tão somente nas hipóteses previstas na Constituição e em leis editadas segundo os ditames constitucionais. Assim sendo, qualquer medida legislativa que limite essa liberdade atenta contra o fundamento da livre iniciativa.

Presume-se que o Projeto de Lei em foco afronta a Carta Política brasileira (CF, arts. 1º, inciso IV, e 170, caput, inciso IV), padecendo, pois, do vício de inconstitucionalidade material.

Para além de todos os argumentos expostos, tendo em vista que a norma pretendida anseia limitar as liberdades individuais e incide ainda sobre a matéria de competência da União, consoante o art. 22 da Constituição Federal, vislumbra-se a inconstitucionalidade da proposição por vício de incompetência do ente municipal para legislar sobre a matéria, que diz respeito a normas de trabalho e por afronta ao princípio da livre iniciativa.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de devolução da proposição, por inconstitucionalidade manifesta, por invadir a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, notadamente por consistir em norma que trata sobre direito do trabalho e por afronta ao princípio da livre iniciativa, em desrespeito às regras de distribuição de competência conferidas pelo art. 22 da CF/88 e por inconstitucionalidade material (CF, arts. 1º, inciso IV, e 170, caput, inciso IV).

É o parecer.

Guaíba, 21 de março de 2025.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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21/03/2025 17:01:02
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