Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 036/2025
PROPONENTE : Ver. Gilsão
     
PARECER : Nº 075/2025
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Programa de Incentivo ao Comércio Local e cria o selo “Empresa Amiga da Cidade” no município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Gilsão (PODE) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2025 à Câmara Municipal, o qual “Institui o Programa de Incentivo ao Comércio Local e cria o selo “Empresa Amiga da Cidade” no município de Guaíba”. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade. Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 94 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 94, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir um mecanismo para fomento do comércio local, através de Selo a ser expedido e distribuído por Secretaria Municipal, especificamente pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Inovação. A matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição Federal de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito de política pública criadora de novas atribuições a órgão público ligado à estrutura do Poder Executivo, o que cabe exclusivamente ao Prefeito definir, por meio de projeto de lei da sua iniciativa privativa.

O Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2025, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer política pública instituidora de novas atribuições a Secretaria Municipal, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Executivo, na esfera de sua discricionariedade. Aliás, veja-se precedente da jurisprudência relacionado ao caso em análise:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE VACARIA/RS. LEI MUNICIPAL Nº 4.390/2019. CRIA O PROGRAMA “ALUGUEL SOCIAL” NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO DE INICIATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. CRIA DESPESA SEM PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. 1. A Lei Municipal nº 4.390/2019, de iniciativa parlamentar, determina a implementação do Programa “Aluguel Social”, que consiste em prover subsídio assistencial para o pagamento de aluguel, disponibilizando acesso à moradia a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. 2. A despeito da nobre intenção do legislador, a Lei impugnada padece de vício de iniciativa, visto que a norma implica despesas e criação de atribuições para a Secretaria de Desenvolvimento Social, além de expressamente impor deveres ao Executivo Municipal. Há, portanto, violação de competência privativa do Prefeito. 3. Nessa conjuntura, também há transgressão do princípio da harmonia e independência entre os Poderes Estruturais. 4. A norma vergastada cria dispêndios para os cofres municipais sem previsão nas leis orçamentárias do Município. Por conseguinte, há, também, inconstitucionalidade material, ante o desrespeito ao planejamento orçamentário. 5. Ofensa aos arts. 8º, 10, 60, II, alínea “d”; 82, II, III, VII; 149, e 154, I e II, todos da CE/89. Precedentes deste Órgão Especial. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME.(Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70081786055, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 28-10-2019)

O Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2025 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Nada impede, contudo, que a proposta seja remetida ao Executivo sob a forma de indicação, com base no art. 114 do Regimento Interno, para que, pela via política, o Prefeito implemente a medida veiculada, apresentando o competente projeto de lei.

O artigo 5º veicula norma autorizativa, considerada inconstitucional pela jurisprudência pátria:

Considerando que o Legislativo não precisa autorizar o Executivo a executar ato de sua competência já autorizado pela Constituição, este Colendo Órgão Especial já reconheceu a inconstitucionalidade das chamadas 'leis autorizativas', por exemplo, na ADIn n° 0153008- 17.2011.8.26.0000, na qual se afirmou que lei relacionada com a organização do Município, ainda que inculque autorização, tem comando determinativo, sendo, portanto, de iniciativa do Prefeito. Também na ADIn n° 994.09.231228-7, na qual ficou declarada a inconstitucionalidade da lei, por vício de iniciativa, sob fundamento de se submeter a controle de constitucionalidade lei autorizativa que impõe determinado comportamento à administração. E ainda na ADIn n° 0068540-23.2011.8.26.0000, proclamando a inconstitucionalidade de lei que, embora dita autorizativa, veicula comando provido de força cogente, invadindo atribuição do chefe do Executivo'.

Para além de todo o exposto, padece também de inconstitucionalidade a previsão contida no art. 6º, estabelecendo prazo para que o Poder Executivo regulamente a proposta, consoante jurisprudência consolidada:

Ementa Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 1.601/2011, do Estado do Amapá. Instituição da Política Estadual de Prevenção, Enfrentamento das Violências, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Preliminar. Ausência de impugnação específica dos dispositivos da lei questionada. Não conhecimento, em parte. Art. 9º. Estabelecimento de prazo para o Poder Executivo regulamentar as disposições legais constantes de referido diploma normativo. Impossibilidade. Violação dos arts. 2º e 84, II, da Constituição da República. 1. Recai sobre o autor das ações de controle concentrado de constitucionalidade o ônus processual de indicar os dispositivos impugnados e realizar o cotejo analítico entre cada uma das proposições normativas e os respectivos motivos justificadores do acolhimento da pretensão de inconstitucionalidade, sob pena de indeferimento da petição inicial, por inépcia. 2. Não se mostra processualmente viável a impugnação genérica da integralidade de um decreto, lei ou código por simples objeção geral, insuficiente, para tanto, a mera invocação de princípios jurídicos em sua formulação abstrata, sem o confronto pontual e fundamentado entre cada um dos preceitos normativos questionados e o respectivo parâmetro de controle. 3. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido da incompatibilidade de dispositivos normativos que estabeleçam prazos, ao Poder Executivo, para apresentação de projetos de lei e regulamentação de preceitos legais, por violação dos arts. 2º e 84, II, da Constituição da República. 4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida em parte e, nessa extensão, pedido julgado procedente. (ADI 4728, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 10-12-2021 PUBLIC 13-12-2021)

3. Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe – Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2025, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer.

Guaíba, 13 de março de 2025.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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13/03/2025 17:16:22
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