PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a obrigatoriedade da contratação de no mínimo 5% (cinco por cento) de mulheres em situação de violência doméstica e familiar nas vagas de postos de trabalho constantes dos contratos de prestação celebrados com a Administração Pública direta, autárquica e fundacional do Município de Guaíba" 1. Relatório:A Vereadora Gabi Panazzolo apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 028/2025 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre a obrigatoriedade da contratação de no mínimo 5% (cinco por cento) de mulheres em situação de violência doméstica e familiar nas vagas de postos de trabalho constantes dos contratos de prestação celebrados com a Administração Pública direta, autárquica e fundacional do Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno. 2. Mérito:De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais. O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 94 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 94, parágrafo único). A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. A respeito da competência aplicável ao caso, tem-se que ela é de natureza suplementar (art. 30, II, CF/88), na medida em que pormenoriza o regramento geral já existente em âmbito federal em relação à reserva de vagas para mulheres vítimas de violência em editais de contratações públicas, nos termos do art. 25, § 9º, II, da Lei de Licitações e Contratos – Lei Federal nº 14.133/2021: Art. 25... ... § 9º O edital poderá, na forma disposta em regulamento, exigir que percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por: ... I - mulheres vítimas de violência doméstica; (Vide Decreto nº 11.430, de 2023) Com efeito, no âmbito federal, o Decreto nº 11.430, de 2023 reserva vagas para mulheres em situação de vulnerabilidade nas contratações públicas federais. A norma, que reserva uma parcela de vagas em contratos com a Administração Pública para mulheres em situação de violência doméstica, é uma medida crucial do Governo Federal no combate à violência de gênero e na promoção da equidade. Conforme o governo federal, o Decreto nº 11.430 é uma inovação que visa promover a autonomia econômica e a segurança patrimonial e psicológica das mulheres em situação de vulnerabilidade. Ele exige um percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres em situação de violência nas contratações públicas, uma medida proposta pelo MGI em 2023 para regulamentar a Nova Lei de Licitações e Contratos no Brasil. Além de facilitar a reinserção social dessas mulheres, o decreto também incentiva a implementação de ações de equidade de gênero no ambiente de trabalho. O objetivo da proposta é o de, sobretudo, detalhar o alcance e a aplicação da referida norma nos limites do Município de Guaíba, o que não encontra qualquer resistência frente à CF/88. A Constituição Federal, em matéria de contratações públicas, estabelece a competência da União para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos (artigo 22, XXVII). Ocorre que o artigo 30, inciso II, da CF/88 é claro ao garantir aos Municípios a competência para suplementar as normas federais e estaduais, no que couber. A interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências legislativas é a que garante ampla outorga de poderes aos Municípios, que só não podem criar normas que esbarrem na competência privativa do artigo 22 da CF, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base na competência suplementar para atender ao seu interesse local. Tanto é que, caso não se admitisse aos Municípios a competência para legislar sobre matérias versadas no artigo 24 da CF/88, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários (“proteção e defesa da saúde – artigo 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – artigo 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – artigo 24, I). A propósito, veja-se a lição da jurisprudência: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL 4.118/2008 QUE ESTABELECE OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO DE EMPREGADOS COM MAIS DE 40 ANOS NA ADMINISTRAÇÃO DIRETA E NA CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS EM LICITAÇÕES QUE INCLUAM FORNECIMENTO DE MÃO DE OBRA. DICRÍMEN RAZOÁVEL. NÃO HÁ OFENSA À LIVRE INICIATIVA. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. INTEPRETAÇÃO CONFORME DA EXPRESSÃO “CHEFES DE FAMÍLIA” A FIM DE QUE SEJA COMPREENDIDA COMO “CHEFIA DE FAMÍLIA”, INDIVIDUAL OU CONJUNTA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1. A Lei Distrital nº 4.118, de 07.04.2008 trata da obrigatoriedade da contratação de no mínimo 5% de empregados com mais quarenta anos de idade na administração direta e indireta do Distrito Federal, bem como, do estabelecimento de cláusula que assegure o mínimo de 10% das vagas a pessoas com mais de quarenta anos nas licitações para contratação de serviços que incluam o fornecimento de mão- de- obra. 2. A norma ora questionada não invade a seara do regramento geral sobre licitações e contratos estabelecido pela União, mas trata precipuamente de política pública de pleno emprego, através da reserva de vagas, visando o desenvolvimento social e econômico do Distrito Federal. 3. Regra que personaliza o procedimento licitatório do Distrito Federal, obrigando a inclusão de determinada cláusula em suas contratações, a partir do que se encontra dentro do espaço de conformação legislativa dos Estados- membros. 4. A fixação de um percentual mínimo de contração pelo poder público de empregados com mais de quarenta anos não é matéria relativa à relação empregatícia e, portanto, não se encontra regida pela Consolidação das Leis Trabalhistas. 4. A fixação de um percentual mínimo de contração pelo poder público de empregados com mais de quarenta anos não é matéria relativa à relação empregatícia e, portanto, não se encontra regida pela Consolidação das Leis Trabalhistas. 5. Ações afirmativas antidiscriminatórias e a elaboração de políticas públicas que promovam o pleno emprego estão compreendidas no plexo de competências comuns dos entes federativos. 5. Ações afirmativas antidiscriminatórias e a elaboração de políticas públicas que promovam o pleno emprego estão compreendidas no plexo de competências comuns dos entes federativos. 6. Presente a correlação lógica entre o fator de discrime e o fim perseguido, qual seja, o desenvolvimento econômico e social em âmbito local, eis que visa minimização do desemprego entre os adultos na faixa dos quarenta anos, os quais seriam pouco aproveitados pela iniciativa privada e não contemplados pelas políticas de incentivo à contratação jovem nem pelas políticas de proteção às pessoas idosas, 6. Presente a correlação lógica entre o fator de discrime e o fim perseguido, qual seja, o desenvolvimento econômico e social em âmbito local, eis que visa minimização do desemprego entre os adultos na faixa dos quarenta anos, os quais seriam pouco aproveitados pela iniciativa privada e não contemplados pelas políticas de incentivo à contratação jovem nem pelas políticas de proteção às pessoas idosas, 7. Ação conhecida e julgada parcialmente tão somente para dar interpretação conforme ao art. 3º da Lei 4.118/2008 do Distrito Federal, a fim de que a expressão “chefe de família” seja compreendida como “chefia de família”, seja ela individual ou conjunta, masculina ou feminina. 19/12/2023 PLENÁRIO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.082 DISTRITO FEDERAL. RELATOR MIN. EDSON FACHIN. Portanto, não se vê impedimento constitucional para que o Município possa editar normas de proteção e inclusão das mulheres vítimas de violência no exercício da competência suplementar, desde que respeite os limites e os parâmetros da norma de inspiração. Quanto à iniciativa, para os fins do direito municipal, importa a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual: Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14) II - disponham sobre: a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica; b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade; c) organização da Defensoria Pública do Estado; d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública. Como já restou esclarecido em outros pareceres desta Procuradoria, a interpretação do rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo expostas no artigo 60 da CE/RS é estrita, não admitindo interpretação ampliativa, uma vez que, do contrário, ocorreria subversão do esquema de organização funcional da Constituição, o qual garante a iniciativa concorrente como regra geral, só estabelecendo a iniciativa privativa nos casos expressos. À luz de tal orientação, a análise dos termos do Projeto de Lei do Legislativo nº 028/2025 não permite concluir que haja iniciativa privativa do Chefe do Executivo para a matéria. Inicialmente, a proposição não está a tratar de servidores públicos em espécie. 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 028/2025, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. Guaíba, 05 de março de 2025. É o parecer.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 05/03/2025 20:29:17 |
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Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 05/03/2025 ás 20:28:58. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 0bb6658493ee7efe27268c890562ff1b.
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