Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 020/2025
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 037/2025
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Programa Municipal de Apoio e Valorização dos Trabalhadores Terceirizados no Serviço Público e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros (PP) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 020/2025 à Câmara Municipal, o qual “Cria o Programa Municipal de Apoio e Valorização dos Trabalhadores Terceirizados no Serviço Público e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

A norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade. Solução análoga é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º),no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina caracteriza a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno como um instrumento do controle de constitucionalidade preventivo, desempenhado pelo Parlamento, por meio de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição legislativa tenha seu trâmite regimental. A devolução perfaz-se por despacho fundamentado da Presidência, com direito a recurso ao proponente.

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do art. 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de iniciativa comum ou iniciativa concorrente, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos federativos, com fundamento no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um poder sobre o outro.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o entendimento de que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum; a iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III.

Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta realmente ser de iniciativa privativa do Prefeito de Guaíba, porquanto trata de programa de valorização de trabalhadores terceirizados na administração pública municipal – que prevendo medidas promovam direitos a esses profissionais nos contratos públicos, com a previsão de medidas que indiretamente dependem da ação do Poder Executivo Municipal. Ocorre que, em relação a essa matéria, já se posicionou a jurisprudência do Tribunal de Justiça de SP sobre leis municipais análogas ao projeto, em decisão na qual se reconheceu sua constitucionalidade material e formal.

 

Na situação, em ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal nº 2.069, de 16 de outubro de 2015, do Município de Conchal/SP, que instituiu o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino, decidiu o Tribunal de Justiça de SP, em termos gerais, pela constitucionalidade da referida legislação, com exceção apenas de um dispositivo, por avaliar que não houve, no todo,qualquer violação à separação entre os poderes e à iniciativa legislativa, caracterizada, no caso, como concorrente:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de origem parlamentar que institui o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino de Conchal. Inconstitucionalidade parcial, apenas no tocante ao artigo 3º da referida norma, que efetivamente dispõe sobre matéria de organização administrativa, em ofensa aos artigos 5º e 47, incisos II e XIV, ambos da Constituição Estadual. Não ocorrência de ofensa à regra da separação dos poderes, todavia, no tocante aos demais dispositivos, Precedentes deste Órgão Especial e do Supremo Tribunal Federal. Inexistência de vício de iniciativa: o rol de iniciativas legislativas reservadas ao chefe do Poder Executivo é matéria taxativamente disposta na Constituição Estadual. Precedentes do STF. Ausência, por fim, de ofensa à regra contida no artigo 25 da Constituição do Estado. A genérica previsão orçamentária não implica a existência de vício de constitucionalidade, mas, apenas, a inexequibilidade da lei no exercício orçamentário em que aprovada. Precedentes do STF. Ação julgada parcialmente procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2056692-29.2016.8.26.0000; Relator (a): Márcio Bartoli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 03/08/2016; Data de Registro: 05/08/2016)

Assim, embora aparentemente inconstitucional, por supostamente interferir nas atribuições de órgãos públicos pertencentes ao Poder Executivo Municipal, a proposição legislativa, na realidade, revela-se formalmente constitucional à luz do precedente invocado, o qual se acolhe neste parecer jurídico por enaltecer a iniciativa legislativa dos membros do Poder Legislativo e, sobretudo, por tornar efetivo importante comando constitucional constante no art. 196 da CF/88, consistente na promoção da saúde e do direito ao trabalho digno como direito de todos e dever do Estado.

Logo, aplicável o entendimento firmado pelo STF no Tema 917: “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal).” Ou seja, o fato de a norma dirigir-se, de algum modo, ao Poder Executivo, é insuficiente para, por si só, restringir a iniciativa legislativa, quando não disponha, efetivamente, sobre a estruturação ou as competências dos órgãos públicos.

No aspecto da constitucionalidade material, observa-se que a proposição possui o objetivo de efetivar os comandos constitucionais dos art. 7º, 8º, 10 e 37, XIII da CF/88, que consistem na promoção, pelo Estado, dos direitos dos trabalhadores. Salienta-se que a CF/88 não deixa de considerar os direitos fundamentais dos trabalhadores terceirizados, inclusive quanto ao resguardo das garantias constitucionais e trabalhistas.

Corolário desse direito fundamental é a previsão contida no art. 7º, XXXII da Constituição Federal de 1988. Este dispositivo estabelece que a lei deve assegurar a proteção do trabalhador, incluindo os terceirizados, ao especificar que o trabalhador contratado por meio de terceirização tem direito às mesmas condições de trabalho e benefícios que os empregados da empresa principal.

Não obstante, o E. STF possui uma convergência interpretativa que caminha para o juízo de que programas que prevejam políticas públicas possam ser previstos em lei de iniciativa parlamentar, desde que não adentrem no campo da estruturação de órgãos e entidades da Administração Pública:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI 10.893/2001, DO ESTADO DE SÃO PAULO. IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMA ESTADUAL DE SAÚDE VOCAL EM BENEFÍCIO DE PROFESSORES DA REDE ESTADUAL DE ENSINO. ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES. MATÉRIA SUJEITA À RESERVA DE INICIATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. NORMAS DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA AOS ESTADOS-MEMBROS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CARACTERIZADA. 1. Ao instituir programa de atenção especial à saúde de professores da rede pública local, a Lei 10.893/01 cuidou de instituir um benefício funcional, alterando o regime jurídico desses servidores, além de criar atribuições e responsabilidades para Secretarias Estaduais. 2. Ao assim dispor, por iniciativa parlamentar, a lei estadual entrou em contravenção com regras de reserva de iniciativa constantes do art. 61, II, alíneas “c” e “e”, da CF, que, segundo ampla cadeia de precedentes deste Supremo Tribunal Federal, são de observância obrigatória pelas Constituições Estaduais. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 4211, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe053 DIVULG 21-03-2016 PUBLIC 22-03-2016)

...

“(...) mais do que estabelecer um programa, a lei aqui atacada também entrou a definir atribuições e responsabilidades das Secretarias Estaduais de São Paulo. Foi o que se sucedeu, por exemplo, quando determinou a celebração de convênios entre Secretarias Estaduais ou quando impôs a elas a atribuição de oferecimento de um curso teórico anual (art. 2º, da lei atacada). Com isso, a lei paulista se indispôs com prerrogativas de organização administrativa que também devem caber, com exclusividade, ao Governador de Estado, nos termos dos arts. 84, II e IV, e 61, § 1º, II, da Constituição Federal.”

Com efeito, o governo federal publicou o Decreto nº 12.174/2024, que estabelece diretrizes importantes para aprimorar as condições de trabalho dos terceirizados na administração pública federal. O decreto referido visa assegurar direitos trabalhistas fundamentais, promover a dignidade no trabalho e fortalecer mecanismos de proteção contra abusos. A norma estabelece a aplicação de regras trabalhistas para contratos administrativos celebrados com órgãos e entidades públicas federais, inclusive nos setores de obras e serviços de engenharia. Também exige a criação de mecanismos de denúncia contra discriminação, violência e assédio no ambiente de trabalho. Com a medida, o Governo Federal espera criar ambientes de trabalho mais justos e dignos para os trabalhadores terceirizados, garantindo direitos fundamentais.

O decreto prevê condições mais flexíveis para regimes de trabalho, compensação de horas ou reorganização de escala. O Ministério da Gestão regulamentou as medidas do decreto, entre elas, a redução da jornada de 44 para 40 horas, como os servidores: INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/MGI Nº 190, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2024 - https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-mgi-no-190-de-5-de-dezembro-de-2024. O objetivo é alinhar a carga horária dos terceirizados com a realidade de órgãos que não funcionam nos finais de semana, evitando sobrecarga diária.

Além disso, o decreto estabelece que dias de recesso ou com escala de trabalho diferenciada para a equipe do órgão, por motivos de feriados e outras festividades, por exemplo, também devem ser considerados para os trabalhadores terceirizados, até mesmo para evitar a manutenção desnecessária de pessoal em horários com pouca demanda, o que, inclusive, pode gerar custos adicionais para a Administração.

Cabe sublinhar ainda a mudança nas licitações para contratos de serviços contínuos. Antes, empresas ofereciam preços mais baixos nas licitações, muitas vezes à custa de salários reduzidos para os trabalhadores. A partir da publicação do decreto, as propostas só serão aceitas se os valores previstos para salário e benefícios estiverem compatíveis com os custos estimados pela Administração, conforme explicitado nos editais de licitação - Instrução Normativa nº 176, de 25 de novembro de 2024 https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-mgi-no-190-de-5-de-dezembro-de-2024. Fonte: Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

O Tribunal de Contas da União firmou o entendimento no Acórdão 1207/2024 – Plenário de que em licitações para contratação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, é lícito ao edital prever que somente serão aceitas propostas que adotarem, na planilha de custos e formação de preços, o valor igual ou superior ao orçado pela Administração para a soma dos itens de salário e auxílio-alimentação. São admitidos também, a critério da administração, outros benefícios de natureza social considerados essenciais à dignidade do trabalho, os quais devem ser estimados com base na convenção coletiva de trabalho paradigma, que é aquela que melhor se adéqua à categoria profissional que executará os serviços terceirizados, considerando a base territorial de execução do objeto.

Vide a íntegra do referido Decreto nº 12.174/2024: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/D12174.htm.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 020/2025, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 13 de fevereiro de 2025.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

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13/02/2025 17:04:08
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