PARECER JURÍDICO |
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"Obriga as empresas operadoras de telefonia, internet, televisão a cabo e assemelhados a realizarem o agendamento dos atendimentos técnicos domiciliares com hora marcada, em horário a ser escolhido pelo cliente, e veda o agendamento por turnos no Município de Guaíba" 1. Relatório:O Vereador Manoel Eletricista (PSDB) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 123/2024 à Câmara Municipal, o qual “Obriga as empresas operadoras de telefonia, internet, televisão a cabo e assemelhados a realizarem o agendamento dos atendimentos técnicos domiciliares com hora marcada, em horário a ser escolhido pelo cliente, e veda o agendamento por turnos no Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno. 2. Mérito:De fato, a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade. Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 94 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário. A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios. No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Tal feixe de competências é de observância obrigatória por parte de todos os entes federados – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios –, havendo, também, disposição expressa na Constituição Estadual Gaúcha de que os Municípios devem obediência aos princípios estabelecidos na Carta Estadual e na Constituição Federal (art. 8º). Desse mandamento, então, surge o dever de o Município de Guaíba, ao firmar a sua legislação, ter especial atenção ao que dispõe a CF/88 sobre distribuição de competências legislativas, para que não usurpe competências de outros entes, violando o pacto federativo. E, nesse sentido, a CF/88, em matéria de energias, águas, telecomunicações e informática, estabelece a competência legislativa privativa da União, havendo inconstitucionalidade formal na legislação municipal que porventura venha a tratar do fornecimento de tais serviços. É o que prevê o art. 22, IV, da CF/88, assim transcrito: “Compete privativamente à União legislar sobre: [...] IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão”. No mesmo sentido a Constituição da República estabelece que é competência da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre consumo: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: ... V - produção e consumo; Isso se deve ao fato de que, pela regra do art. 30, I, da CF/88, os Municípios possuem a competência legislativa restrita aos assuntos de interesse local, devendo “haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890). Depreende-se, portanto, que o consumo é matéria afeta à competência concorrente, apenas, da União, dos Estados e do Distrito Federal. Os Municípios, por sua vez, detêm somente a prerrogativa de legislar sobre assuntos de interesse local, além da competência para suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, incisos I, II e V da CF). Da análise da proposição, por mais meritória que seja, não se constata predominância do interesse local em detrimento do interesse nacional. Lembra-se que a ANEEL é uma agência reguladora com natureza de autarquia em regime especial responsável por regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica em todo o território nacional, conforme prevê o art. 2º da Lei Federal nº 9.427/1996. Tratando-se de autarquia – portanto, ente da Administração Pública indireta –, está sob a supervisão ministerial do Ministério de Minas e Energia e possui poder normativo e regulatório sobre as atividades que envolvem energia elétrica no país. Dessa forma, as questões relacionadas ao fornecimento de energia elétrica estão sob a égide da competência legislativa privativa da União (art. 22, inciso IV, da CF/88), ainda que muitas das responsabilidades federais relacionadas ao tema tenham sido delegadas por lei à ANEEL, visando ao aperfeiçoamento e à especialização dos serviços. Igualmente, a legislação a respeito de água, telecomunicações e informática compete à União, a qual também delegou por lei as tarefas de regulação e normatização a agências reguladoras (ANA - Agência Nacional de Águas; ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações). Além disso, cabe destacar que a legislação federal autoriza a suspensão do fornecimento de serviços essenciais em razão do inadimplemento do consumidor, desde que exista prévio aviso, conforme dispõe o inciso II do § 3º do art. 6º da Lei Federal nº 8.987/95: Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. Por tal razão, entende-se que cabe à legislação federal tratar da matéria e apenas ato dessa envergadura poderia trazer previsão, não sendo o Município competente para instituir a proibição. Cabe referir que Tramita na Câmara o Projeto de Lei 521/11, do deputado licenciado Pedro Paulo (PMDB-RJ), que obriga as empresas prestadoras de serviço público a agendarem horário para atendimento dos usuários. Pelo texto, o agendamento deverá conter dia, hora e local do atendimento. Finalmente, importa destacar que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990), no seu art. 39, inciso XII, já alberga preceito equivalente e abrangente, ao assim dispor: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela devolução aos autores, mediante despacho fundamentado, da proposta em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica (art. 22, IV e art. 24, V, da CF/88). É o parecer. Guaíba, 10 de fevereiro de 2025.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 10/02/2025 16:21:24 |
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