PARECER JURÍDICO |
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"Acrescenta os incisos XIV e XV ao Art. 27 da Lei Nº 4.590/2024" 1. Relatório:O Vereador Cristiano Eleu (REP) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 001/2025 à Câmara Municipal, o qual “Acrescenta os incisos XIV e XV ao Art. 27 da Lei Nº 4.590/2024”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno. 2. Mérito:Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade. Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 94 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 94, parágrafo único). Quanto à matéria de fundo, não há qualquer violação ao conteúdo material da CF/88 e da CE/RS. A Constituição Federal, no artigo 37, prevê: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”. Mais especificamente sobre a matéria, o § 3º, II, do art. 37 da CF/88 estabelece um comando para que a lei infraconstitucional discipline “as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII”. A Constituição Estadual, por sua vez, dispõe no art. 19: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação...” Impossível também deixar de recordar o artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, que prevê o direito fundamental ao acesso à informação: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Além disso, a determinação que se pretende instituir encontra amparo material na legislação infraconstitucional. A Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, regula o direito ao acesso a informações previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, disciplinando os procedimentos a serem observados pela União, Estados, DF e Municípios para a garantia dessa prerrogativa pública. Importante, nesse caso, transcrever o art. 3º, que institui as diretrizes da publicidade das informações de interesse coletivo ou geral: Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V - desenvolvimento do controle social da administração pública. Ocorre, no entanto, que a proposição não está a tratar de atos e de informações típicas da Administração Pública Municipal, mas vai além, determinando ao Poder Executivo que conceda acesso a seus sistemas próprios, como seu sistema de processo digital, a vereadores, membros de outro Poder. A matéria disposta no inciso XV adentra na organização administrativa do Poder Executivo Municipal, visto que ao invés de apenas determinar a publicação de informações públicas, pretende obrigar outro Poder a conferir acesso a sistema informatizado próprio de sua competência administrativa e constitucional, o que esbarra no disposto no art. 2º da Constituição da República: Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A proposta intervém em matéria que diz respeito à organização e funcionamento do Poder Executivo, competência reservada ao Chefe do Poder Executivo pela Lei Orgânica do Município – art. 119 e caracteriza imprópria interferência na reserva de administração, na lição da doutrina de Celso de Mello: O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (…).Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ‘ultra vires’ do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. Portanto, cabe ao Poder Executivo Municipal estabelecer, no âmbito de sua independência de gestão administrativa e de organização de seus serviços públicos, de qual forma irá disponibilizar tais informações públicas aos parlamentares e à sociedade em geral. O Projeto de Lei do Legislativo nº 001/2025, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma: Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: [...] II - disponham sobre: a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica; b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade; c) organização da Defensoria Pública do Estado; d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública. Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente: [...] VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual; Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul): A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439). A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer política pública instituidora de novas atribuições a Secretaria Municipal, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Executivo, na esfera de sua discricionariedade. Aliás, veja-se precedentes da jurisprudência relacionados ao caso em análise: REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.095, DE 19 DE OUTUBRO DE 2016, DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, QUE "CRIA O SELO DE QUALIDADE DE ALIMENTOS E DEATENDIMENTO NA COMERCIALIZAÇÃO DA COMIDA DE RUA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS". ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 7º; 74, XII e 145, VI, a, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LEI MUNICIPAL QUE TRATA DA PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE, MATÉRIA DE COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ESTADO E DA UNIÃO. A COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS EM RELAÇÃO À LEGISLAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL SE RESTRINGE ÀS MATÉRIAS QUE NÃO TENHAM SIDO ATRIBUÍDAS PRIVATIVAMENTE À UNIÃO E AO ESTADO, OUQUEDIGAMRESPEITOAOINTERESSELOCAL, O QUE NÃO OCORRE. OBRIGAÇÕES IMPOSTAS AO PODER EXECUTIVO, ATRAVÉS DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA MUNICIPAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DOPODEREXECUTIVOPARAINTERFERIRNA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DEÓRGÃOSMUNICIPAISEENTES VINCULADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ARTIGO 145, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ARTIGO 7º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. DECISÃO POR MAIORIA. (TJ-RJ- ADI: 00198625420208190000, Relator: Des(a). ODETE KNAACK DE SOUZA, Data de Julgamento: 09/11/2020, OE- SECRETARIA DO TRIBUNALPLENOEÓRGÃOESPECIAL, Data de Publicação: 19/11/2020) O Projeto de Lei do Legislativo nº 001/2025 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos: Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre: I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos; III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017) Cabe ressaltar que quanto à publicidade da execução orçamentária das emendas impositivas ao orçamento, este é dever legal já previsto tanto na Lei de Acesso à Informação - Lei Federal nº 12.527, de 2011, quanto na Lei Municipal nº 3.933/2021. 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PLL nº 001/2025, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. Alternativamente, sugere-se ao proponente que apresente Substitutivo suprimindo o pretendido inciso XV e adequando o previsto no inciso XIV. É o parecer. Guaíba, 27 de janeiro de 2025.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 27/01/2025 14:25:20 |
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Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 27/01/2025 ás 14:25:05. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 0d5a346fabf5900d3bd11ed04752664f.
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