PARECER JURÍDICO |
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"Inclui o Festival de Vídeo Estudantil e Mostra de Cinema de Guaíba no calendário oficial do Município" 1. Relatório:O Vereador Miguel Crizel apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 118/2024 à Câmara Municipal, o qual “Inclui o Festival de Vídeo Estudantil e Mostra de Cinema de Guaíba no calendário oficial do Município”. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno. 2. Mérito:Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 94 do Regimento Interno outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade. Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 94 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 94, parágrafo único). Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que incluir efeméride no Calendário Oficial de Eventos do Município, o que caracteriza inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa e inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação entre os poderes. A matéria invade indevidamente a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da CF/88, substância central do princípio da separação de poderes, inscrito no art. 2º da CF/88. O Projeto de Lei do Legislativo nº 118/2024, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma: Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: [...] II - disponham sobre: a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica; b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade; c) organização da Defensoria Pública do Estado; d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.
Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente: [...] VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual; Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul): “A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.” (em "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, págs. 438/439). O Projeto apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos: Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre: I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos; III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017) Ou seja, em relação ao registro da data comemorativa no calendário oficial de eventos, ocorre violação à reserva de iniciativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo. Isso porque o calendário oficial de eventos municipais é instituído por lei municipal de iniciativa do Prefeito, por se tratar de matéria atinente à organização administrativa, nos exatos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, aplicável por simetria aos Estados e Municípios, devido à sua natureza de norma constitucional de reprodução obrigatória: AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.019/2013, QUE INCLUI NO CALENDÁRIO OFICIAL DE EVENTOS DO MUNICÍPIO DE PELOTAS AS FESTAS DE IEMANJÁ E NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. AUMENTO DE DESPESA. VÍCIO MATERIAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONCESSÃO DA LIMINAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA LEI IMPUGNADA. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL. (Agravo Regimental Nº 70057704108, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 26/05/2014). Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei do Legislativo nº 118/2024 contém vício de iniciativa e afronta ao princípio da separação dos poderes, por dispor sobre matéria cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo, nos termos dos artigos 2º e 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, dos artigos 5º, 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS e artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal. 3. Conclusão:Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposta em epígrafe (PLL nº 118/2024), pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, II, “b”, CF/88; art. 60, II, “d”; e art. 82, VII, CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88; art. 5º, CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal. É o parecer. Guaíba, 12 de dezembro de 2024.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por: ![]() 12/12/2024 12:49:41 |
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