PARECER JURÍDICO |
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"Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 10 (dez) Contadores e dá outras providências" 1. Relatório:O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 057/2024 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 10 (dez) Contadores e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 72 do Regimento Interno. 2. Mérito:O Projeto de Lei do Executivo nº 057/2024, de autoria do Poder Executivo Municipal, pretende autorizar que o Município de Guaíba contrate temporariamente 10 (dez) Contadores, através do permissivo do artigo 37, inciso IX, da CF/88, por tempo determinado (até um ano, prorrogável por igual período), valendo-se da relação de classificação de processo seletivo vigente ou de processo seletivo simplificado, mediante análise curricular e de títulos. O proponente justifica a proposição com o fato de que “O setor da Contadoria do Município possui, neste momento, 2 (dois) Contadores efetivos lotados, uma vez que houve a necessidade de redirecionamento dos demais para pastas e setores específicos, em razão das demandas próprias das referidas estruturas. Há de se considerar, também, que registramos situação de licença de servidor por motivo de saúde. Aliado a isso, os 6 contadores contratados temporariamente, ou já encerraram seus contratos ou estão por encerrar nas próximas semanas, ante a impossibilidade de renovação neste período em que é defeso, consoante disposição da lei eleitoral. Por este mesmo motivo, imperioso asseverar que o que se busca é a autorização legislativa para a realização de processo seletivo, porém ultimando-se as contratações no próximo ano, após a posse dos eleitos, com a devida observância a mesma legislação supramencionada. Cabe salientar que a empresa atualmente contratada para a realização dos concursos públicos está submetida a processo administrativo especial de licitação e contrato, para averiguar eventual falha na prestação do serviço. Assim, até que haja a definição resultante neste procedimento, por cautela, novos concursos restam suspensos. Portanto, a realização de novo concurso público para o preenchimento destas necessidades de servidores efetivos da área contábil, ainda que em fase de planejamento, está suspenso. Por fim, ressaltamos que, de fato, registra-se o aumento também da demanda ordinária desta municipalidade, especialmente no que se refere às análises das prestações de contas dos fundos e recursos diversos e análises contratuais, fora a emergencialidade exposta nestas razões.” Constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no art. 18 da CF/88, que garante a autonomia a este ente, e no art. 30 da CF/88, que assegura a autoadministração e a autolegislação com um conjunto de competências materiais e legislativas para os Municípios: Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Alexandre de Moraes leciona: "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente ao interesse local. Com efeito, há permissivo constitucional da contratação por tempo determinado, desde que esteja atendida a necessidade temporária de excepcional interesse público: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
Em âmbito local, o permissivo constitucional (art. 37, inciso IX, da CF/88) foi regulamentado pelo Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba, que prevê, em seu Título X, a contratação temporária de excepcional interesse público: TÍTULO X DA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO Art. 216 Para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, poderão ser efetuadas contratações de pessoal por tempo determinado. Art. 217 Consideram-se como necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que visam a: I - atender a situações de calamidade pública; II - combater surtos epidêmicos; III - atender outras situações de emergência que vierem a ser definidas em lei específica. IV - atender programas ou ações governamentais temporários definidos por lei especifica. Art. 218. As contratações de que trata este capítulo serão realizadas por prazo determinado de 01 (um) ano com possibilidade de serem prorrogados por igual período. (Redação dada pela Lei nº 4538/2024) Nos casos de contratação temporária, não é necessária a realização de concurso público, exigindo-se, como regra, a realização de processo seletivo simplificado (art. 3º, caput, da Lei nº 8.745/93). Apenas nas situações previstas no § 1º do art. 3º da Lei Federal nº 8.745/93 é possível dispensar a realização do processo seletivo, como forma de impulsionar a pronta ação do Poder Público para fazer face às necessidades de interesse público:
Art. 3º (...) § 1º A contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em saúde pública prescindirá de processo seletivo. (Redação dada pela Lei nº 12.314/2010 – MP 922/2020 com vigência esgotada no dia 29/6/2020)
As Cortes de Contas têm sido rígidas quanto à obrigatoriedade de realizar o processo seletivo com critérios objetivos para efetivação das contratações autorizadas em lei. Veja-se o exarado pelo TCE/RS e em seguida pelo TCU: TCE/RS: Tipo Processo AUDITORIA DE ADMISSÃO Número 006484-02.00/14-1 Exercício 2012: Publicação 29/08/2017 Boletim 1303/2017 “Com efeito, as mesmas se colocam num contexto de reiteração dos contratos, o que demonstra o caráter permanente das demandas, restando descaracterizada a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos estipulados na Constituição da República (art. 37, inc. IX). Além disso, conforme consignado no Relatório de Auditoria (fl. 81), “o Município não realiza concurso desde o ano de 2005, configurando inércia da administração na realização de concurso público. Em relação aos demais 53 ingressos, oriundos de contratação por tempo determinado examinados neste feito, verifico que não foram precedidos de processo seletivo simplificado ou outro critério que assegurasse o respeito aos princípios da impessoalidade, da igualdade e da moralidade, nos termos do entendimento fixado por este Tribunal no Pedido de Orientação Técnica nº 7577- 02.00/10-0”. 9.2.3.1. utilize critérios objetivos de seleção de pessoal, assegurando a isonomia entre os interessados, a impessoalidade, a transparência e a publicidade dos procedimentos; restrinja a avaliação de habilidades dos candidatos, inclusive a avaliação psicológica, àquelas que sejam indispensáveis ao desempenho das funções a serem executadas, adotando sempre critérios claros, objetivos, previamente definidos e divulgados em edital; e suprima a fase de entrevista nas hipóteses em que sua finalidade não for avaliar os conhecimentos dos candidatos por meio de critérios objetivos pré-fixados e com conteúdo programático previamente divulgado em edital; (Acórdão nº 969/2006 – Plenário TCU) Acórdão 1174/2005-TCU - Primeira Câmara. [Prestação de Contas do Sebrae/DF. Exercício de 2003]. Subitem 2.1 - ‘exclua da Resolução CDN 59/2002 a realização de entrevista como etapa do processo seletivo de pessoal’. Subitem 2.2 - ‘estabeleça na Resolução CDN 59/2002 critérios para utilização na análise curricular de candidatos participantes de processo seletivo, de forma que lhes seja atribuída pontuação em virtude da qualificação profissional por eles comprovada, conferindo caráter classificatório a essa etapa da seleção de pessoal’. Subitem 2.3 - exclua da Resolução CDN 59/2002 a possibilidade de processo seletivo interno e preveja, em respeito ao princípio constitucional da publicidade, a necessidade de participação no processo seletivo externo pelos funcionários que desejarem ingressar em outros cargos.’ Constata-se que o Tribunal de Contas da União tem recomendado a supressão da fase de entrevistas na seleção de pessoal nas hipóteses em que sua finalidade não for avaliar os conhecimentos dos candidatos através de critérios objetivos previamente estabelecidos e com seu conteúdo programático previamente divulgado em edital. O TCE/SC, no Prejulgado nº 1927, estabeleceu um rol exemplificativo de critérios que o edital de seleção precisa conter para que sejam atendidos os princípios constitucionais fundamentais para a lisura e idoneidade do processo, a fim de orientar os gestores e seus servidores na elaboração do edital. Leia-se, ainda, o entendimento do TCE/SP: Sessão: 26/8/2014 76 TC-000531/009/08 - Acompanha(m): Expediente: TC000425/016/13. Não obstante, impende notar que os órgãos que se manifestaram nos autos verificaram a existência de edital contendo regras que se mostraram contrárias aos princípios constitucionais da isonomia, igualdade e impessoalidade, sendo este entendimento corroborado pelo e. Conselheiro Julgador Singular. (...) Verifico, por outro lado, que os professores foram selecionados por meio do processo seletivo simplificado nº 1/2007, que segundo o edital foi realizado em etapa única, consistente em: apresentação de títulos e tempo de serviço. Neste caso foi pontuado o tempo de serviço prestado ao município e por esta razão, considerando as decisões exaradas no âmbito deste E. Tribunal de Contas, bem como em razão do princípio da impessoalidade, considero que não há como se acolher a prática adotada, que privilegia aqueles que já trabalham ou trabalharam no município. Cito a título de ilustração o TC – 406/002/10. Nesse sentido, foi devidamente prevista no artigo 2º, parágrafo único, a realização de processo seletivo simplificado. Verifica-se estar correta a proposição quando fixa um prazo determinado à duração dos contratos, com previsão da possibilidade de prorrogação pelo idêntico período de 1 (um) ano, pois a providência está justificada na exata medida das necessidades de atendimento às demandas. Importante destacar o tema de repercussão geral do STF nº 612, quanto aos requisitos para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos: Tema 612. Nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração. Verifica-se, ademais, que a configuração da seleção a ser adotada pela Administração Municipal na proposta em análise está de acordo com parâmetros estabelecidos pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) na Informação 010/2011. Quanto às previsões da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC nº 101/2000, o TCE-RS sublinha que o mandamento do art. 21 (vedações previstas para os últimos 180 dias do mandato) não deve ser lido de maneira isolada. No Parecer TCE-RS nº 51/2001 (íntegra disponível em https://tinyurl.com/tt9l3jx), que conferiu interpretação sistemática à LRF em face da Constituição Federal de 1988, visando a não paralisação da Administração Pública, a Corte de Contas lista a possibilidade de realização de concurso público e a contratação temporária de pessoal, por exemplo, sem adentrar na matéria atinente ao Direito Eleitoral. Cabe referir o disposto no art. 73, V, d, da Lei Eleitoral, com conduta vedada no ano eleitoral, devendo em regra a contratação ou eventual renovação ocorrer em até 3 meses anteriores ao pleito ou após a posse dos eleitos, nos termos da Lei Federal nº 9504/97 e da jurisprudência das Cortes Eleitorais:
“Eleições 2016 [...] Conduta vedada. Renovação de contratos de servidores temporários. Novo vínculo de direito público. Configuração da conduta vedada. Serviços de educação e assistência social. Ausência de essencialidade. [...] 1. A renovação de contratos de servidores públicos temporários, nos três meses que antecedem as eleições, configura conduta vedada, nos termos do art. 73, inciso V, da Lei nº 9.504/1997. 2. Teleologicamente, a conduta vedada do art. 73, inciso V, da Lei das Eleições busca evitar que o agente público abuse da posição de administrador para auferir benefícios na campanha, utilizando os cargos ou empregos públicos, sob sua gestão, como moeda de troca eleitoral. Sendo assim, é indiferente que se trate de contratação originária ou de renovação, pois a ‘promessa de permanência’ no cargo pode ser tão quanto ou ainda mais apelativa que a promessa de contratação. 3. A renovação contratual, ao modo de prorrogação, encontra-se contida no campo semântico do verbo ‘contratar’, pois, na realidade, o contrato por prazo determinado é extinto e substituído por um novo; este, ainda que venha a ter o mesmo conteúdo, constitui novo vínculo entre as partes contratantes. 4. A contratação de servidores por tempo determinado pressupõe necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da CF/88). Após cada período, a necessidade de contratação e o excepcional interesse público devem ser reavaliados, de forma a fundamentar a renovação dos contratos. Portanto, a renovação constitui ato administrativo diverso da contratação originária, com fundamentação nova e atualizada, não podendo ser considerada mera extensão de vínculo anterior. 5. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não faz distinção entre a contratação originária e a renovação dos contratos temporários. Precedente. 6. O legislador excepcionou a regra apenas para os casos em que a contratação seja necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do chefe do Poder Executivo (art. 73, inciso V, alínea "d", da Lei nº 9.504/1997)... 7. O conceito de ‘serviço público essencial’ é interpretado pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral de maneira restritiva, abarcando apenas aqueles relacionados à sobrevivência, saúde ou segurança da população. Exclui-se, portanto, a contratação de profissionais das áreas de educação e assistência social. Precedentes. 8. Embora os serviços de educação sejam de relevante interesse público, o legislador optou por critério diverso para excepcionar a regra do art. 73, inciso V, da Lei das Eleições. Não pode o julgador, diante da opção legislativa, substituí-la por regra que, em seu juízo, lhe parece mais justa ou adequada, sob pena de ofensa ao princípio democrático (art. 2º da CF/88). 9. A análise consequencialista da decisão judicial não pode conduzir à negativa de aplicação da lei vigente. [...]” (Ac. de 13.8.2019 no REspe nº 38704, rel. Min. Edson Fachin.) “[...] Eleições 2016. Prefeita e vice-prefeito reeleitos. [...] Conduta vedada. Art. 73, V, da Lei 9.504/97. [...] 2. Quanto ao agravo dos candidatos, extrai-se da moldura fática do aresto a quo que se contrataram três professores no período vedado. 3. Conforme entende esta Corte, admissões de docentes não se enquadram na ressalva da alínea d do inciso V da Lei 9.504/97, por não integrarem serviço público essencial, pois, ainda que a descontinuidade da educação acarrete prejuízos, não haverá dano irreparável à ‘sobrevivência, saúde ou segurança da população´ [...] 4. Os ilícitos do art. 73 da Lei 9.504/97 têm caráter objetivo e independem da finalidade eleitoral do ato. Precedentes. [...]” (Ac. de 1º.8.2018 no AgR-REspe nº 46166, rel. Min. Jorge Mussi.) Cabe ressaltar que a mera realização de concurso público ou de processo seletivo não encontra vedação na legislação eleitoral. Sendo assim, é possível a pretendida realização de processo seletivo, desde que a contratação não ocorra no período vedado (3 meses antes da eleição até a posse dos eleitos). 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 057/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observado o disposto no art. 73, V, d, da Lei Eleitoral - desde que a contratação não ocorra no período vedado (no período de três meses que antecedem a eleição até a posse dos eleitos). É o parecer. Guaíba, 04 de novembro de 2024.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 04/11/2024 12:37:18 |
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Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 04/11/2024 ás 12:37:04. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 9f8a4287ee80a76b5dbb0a1c6bad0863.
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