PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Altera a Lei Municipal nº. 4.606, de 09 de julho de 2024" 1. Relatório:O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 054/2024 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº. 4.606, de 09 de julho de 2024”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno. 2. Mérito:Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei do Executivo n.º 054/2024, de autoria do Pode Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber. Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:
Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração: As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras. O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Como se depreende do art. 30 da Constituição da República, compete ao Município organizar e prestar o serviço público de transporte coletivo, ao qual a carta constitucional conferiu o caráter de essencialidade. Está bem exercida, ademais, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, tratando a proposta de matéria que diz respeito aos serviços públicos municipais, o que cabe ao Poder Executivo Municipal, sendo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, por força dos artigos 52 e 119 da LOM e art. 60, II, d e 82, VII, ambos da Constituição Estadual: Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito: (…) X - planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais; (...) Art. 119. É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre: (…) II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos; No que diz respeito à matéria de fundo, a proposta pretende alterar a norma que autorizou fornecer passagens para o transporte público municipal e intermunicipal, por prazo determinado, aos moradores de Guaíba, inseridos nas faixas I e II do Cadastro Único, que possuam ou que possuíam residência na área efetivamente atingida pelo desastre climático, como medida de enfrentamento à calamidade pública e dá outras providências e busca adequar as fontes de custeio da medida, tendo em vista que, como foi indicado no Parecer Jurídico nº 151/2024, o Fundo Estadual de Defesa Civil não previa despesas de tal natureza. Com efeito, o artigo 167, II, da CF/88, exige a existência de previsão orçamentária para a realização da despesa pretendida, nos seguintes termos: Art. 167. São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
Via de regra, diante do que determina LRF, para que não haja obstáculos materiais ou formais a tais propostas, em situações normais, deveria ser apresentado estudo de impacto orçamentário e financeiro contemplando as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00).
Ocorre que a Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, acrescentou o art. 167-D à Constituição Federal, flexibilizando e afastando as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal nos casos das proposições legislativas se exclusivamente com objetivo de enfrentamento de calamidade se vigorarem e tiverem efeitos restritos à duração da calamidade:
Art. 167-D. As proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.
Diante desse fundamento, seria admissível o afastamento da norma constante dos art. 14 e 16, da LRF, concedendo benefício ou instituindo ação governamental sem o devido impacto, visto que comprovadamente se trata de medida de enfrentamento das conseqüências sociais e econômicas do desastre e com vigência e efeitos restritos à duração da calamidade pública. Ademais, em se tratando de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, ainda que em parte do território nacional, o art. 65, § 1º, III, do dispositivo constitucional excepciona o cumprimento das condições previstas no artigo 14, desde que o benefício seja destinado ao combate à calamidade pública:
Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação: [...] § 1º Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, nos termos de decreto legislativo, em parte ou na integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação, além do previsto nos incisos I e II do caput: [...] III - serão afastadas as condições e as vedações previstas nos arts. 14, 16 e 17 desta Lei Complementar, desde que o incentivo ou benefício e a criação ou o aumento da despesa sejam destinados ao combate à calamidade pública.
Com efeito, o Decreto Legislativo nº 36, de 7 de maio de 2024, aprovado pelo Congresso Nacional, reconheceu, para os fins do disposto no artigo 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a ocorrência do estado de calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul - https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DLG&numero=36&ano=2024&ato=1f6cXSq1ENZpWTb5e. Igualmente, o art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 prevê a possibilidade de concessão de benefício fiscal em ano eleitoral nos casos de calamidade pública:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: [...] § 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
Acerca da abertura de créditos adicionais, os arts. 42 a 46 da Lei nº 4.320/64 prevêem:
Art. 42. Os créditos suplementares e especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo. Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer à despesa e será precedida de exposição justificativa. Art. 44. Os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que dêles dará imediato conhecimento ao Poder Legislativo. Art. 45. Os créditos adicionais terão vigência adstrita ao exercício financeiro em que forem abertos, salvo expressa disposição legal em contrário, quanto aos especiais e extraordinários. Art. 46. O ato que abrir crédito adicional indicará a importância, a espécie do mesmo e a classificação da despesa, até onde fôr possível.
Nos termos da Cartilha TCE-RS, :
De acordo com o art. 154, § 3º, da Constituição Estadual, o crédito extraordinário aberto deverá ser convertido em lei em trinta dias. O crédito extraordinário, portanto, atende à necessidade de ação urgente do Poder Público, a qual, em virtude da imprevisibilidade do fato que a motivou, não estava previsto no orçamento público. Segundo o art. 44 da Lei nº 4.320/1964, os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que deles dará imediato conhecimento ao Poder Legislativo.
No entanto, cabe trazer à lume o art. 154, § 3º, da Constituição Estadual: Art. 154 São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos nas leis orçamentárias anuais; ... V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; § 3.º A abertura de créditos extraordinários somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de calamidade pública, devendo ser convertida em lei no prazo de trinta dias.
Por fim, está correta a proposta, visto que na lei vigente os recursos serão oriundos do repasse do Fundo Estadual de Defesa Civil – FUNDEC. Sucede que a criação de fundo especial deve observar as determinações impostas pela Lei Federal nº 4.320, de 1964, a qual dispõe sobre o orçamento público, e versa sobre os fundos especiais nos seus arts. 71 a 745 , entre os quais se destaca o seguinte: Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por leis, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação. Cabe ressaltar que qualquer Fundo Especial vincula-se a um objetivo de existência. No mesmo sentido, apresenta-se a Informação nº 005, de 2012, do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE/RS): 2.1.2. Os fundos configuram-se como aquela forma por meio da qual a administração pública reserva determinados valores, dando-lhes uma destinação específica, não podendo tais recursos ser empregados em finalidade distinta daquela que a lei lhes confere.
A legislação de regência da matéria, no caso, a Lei Estadual nº 13.599, de 30 de dezembro de 2010, o Decreto nº 57.292, de 1º de novembro de 2023, que a regulamenta, e a Resolução nº 10, de 7 de junho de 2024, da Junta Deliberativa do FUNDEC, não mencionam o transporte municipal e intermunicipal como finalidade de aplicação de recursos daquele Fundo, conforme disposto no art. 2º desta última norma acima citada, que repete as finalidades descritas na lei de criação do FUNDEC e no decreto regulamentador:
Art. 2º [...] (...) § 2º Os recursos poderão ser utilizados para as ações de: I - resposta a desastres, que compreendem: a) socorro e assistência às populações afetadas por desastres; e (...) II - ações de restabelecimento, que compreendem: a) medidas de caráter emergencial destinadas a restabelecer as condições de segurança e habitabilidade e os serviços essenciais à população na área atingida pelo desastre; e b) restabelecimento dos serviços públicos, da economia da área afetada, do moral social e do bem-estar da população.
Em não sendo possível utilizar recursos daquele Fundo, o Município teria que utilizar recursos próprios, estando correta a proposta ora em análise. 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 054/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, visto que adequada, em nosso ver, a alteração da destinação específica das finalidades estabelecidas para que não sejam empregados os recursos do Fundo Estadual de Defesa Civil (FUNDEC) e serem utilizados recursos próprios do Município. É o parecer. Guaíba, 24 de setembro de 2024.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 24/09/2024 20:44:09 |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 24/09/2024 ás 20:43:59. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação d3d71cc16d104f13965e09e65052a028.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 213155. |