PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Autoriza o Poder Executivo a conceder a isenção do Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI) aos beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida, e que tenham sido afetados pelos alagamentos ocorridos em maio do corrente ano, na forma do reconhecimento de calamidade publicado Decreto Municipal n.º 51, de 05 de maio de 2024, e dá outras providências" 1. Relatório:O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 053/2024 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza o Poder Executivo a conceder a isenção do Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter Vivos(ITBI) aos beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida, e que tenham sido afetados pelos alagamentos ocorridos em maio do corrente ano, na forma do reconhecimento de calamidade pública do Decreto Municipal n.º 51, de 05 de maio de 2024, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 72 do RI. 2. Mérito:Inicialmente, cabe sublinhar que neste contexto de estado de calamidade pública de extrema gravidade, cuja declaração se materializou no âmbito municipal através do Decreto n° 51, de 05 de maio de 2024, faz-se premente perceber que cabe ao Administrador Público, diante de uma catástrofe ambiental sem precedentes como a que acontece no Estado do Rio Grande do Sul e especificamente em Guaíba, com potencial dano não só às estruturas fundamentais do Estado, como também à economia, agir de modo eficaz, minimizando os prejuízos à população, o que pretende o Chefe do Poder Executivo com a propositura legislativa em apreço. Verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe autorização legislativa para conceder isenção do Imposto sobre transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bens imóveis e de direito a eles relativos, aos beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida e que tenham sido afetados pelos alagamentos ocorridos em maio do corrente ano, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal: A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara, especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo, ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado. (ADI 724 Me rel. min. Celso de Mello, j. 7-5-1992, P, DJ de 27-4-2001). A norma não reserva à iniciativa privativa do Presidente da República toda e qualquer lei que cuide de tributos, senão apenas a matéria tributária dos Territórios (ARE 743.480 RCI, voto do rel. min. Gilmar Mendes, j. 10-10-2013, P, DJE de 20-11-2013, Tema 682). Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” A CF/88 ainda prevê, no artigo 30, III, a competência do Municípios para “instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazo fixados em lei.” As alterações trazidas com a proposta se inserem, efetivamente, na definição de interesse local e dizem respeito à arrecadação dos tributos municipais. Com efeito, a edição da Medida Provisória n.º 1.162, de 14 de fevereiro de 2023, convertida na Lei Federal n.º 14.620, de 13 de julho de 2023, passou a prever, através dos §§ 11 e 12 do art. 6º, a necessidade dos entes Municipais e Estaduais de impulsionar medidas no campo tributário, sobretudo na concessão de isenções a determinados impostos, a exemplo, o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), para os beneficiários de Políticas Públicas na área habitacional:
Art.6º (...) § 11. A lei do ente federativo, que deverá produzir efeitos previamente à contratação dos investimentos, deverá estabelecer isenções dos seguintes tributos, nas operações que decorram da aplicação dos recursos provenientes das fontes de recursos a que se referem os incisos I a IV do caput: I – imposto sobre a transmissão de bens imóveis; II – imposto de transmissão causa mortis e doação; III – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. § 12. Serão priorizados nas seleções os entes federativos que, no âmbito de suas competências, concederem isenções tributárias para fins dos programas de que trata esta Lei. Corroborando com as alterações legais acima referenciadas, a Portaria MCID n.º 724, de 15 de junho de 2023, também enfatizou a necessidade dos Entes de fazer cumprir com requisitos pontuais prescritos no art. 10 (em especial o inciso XIII) que, após análise por parte dos órgãos municipais competentes, ensejou o Projeto, como se pode observar: Art. 10 Compete aos Municípios, Estados e Distrito Federal, na qualidade de Ente Público Local apoiador ou proponente do empreendimento habitacional: XIII – assegurar, por meio de lei, isenção permanente e incondicionada, enquanto perdurarem as obrigações contratuais do beneficiário, dos tributos de sua competência que tenham como fato gerador a transferência das moradias ofertadas pelo Programa, a qual deverá produzir efeitos em momento prévio à contratação do empreendimento habitacional, vedada a vinculação da isenção à quitação de eventual dívida do beneficiário com o Ente Público. Acerca dos benefícios de ordem tributária previstos, a Emenda nº 3, de 17.3.1993, ao alterar a redação do parágrafo sexto, do artigo 150, da Constituição Federal, aperfeiçoou o texto constitucional e estendeu o princípio da legalidade específica a quaisquer subsídios e causas extintivas ou excludentes do crédito tributário. Destarte, na lição precisa da Doutora Mizabel de Abreu Machado Derzi, ficou consagrada a exclusividade da lei tributária para conceder quaisquer exonerações, subsídios e outros benefícios, redutores, extintivos ou excludentes do crédito tributário. O Código Tributário Nacional define a isenção tributária como a exclusão do crédito tributário e prevê o instituto em seu art. 176: Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Art. 177. Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva: I - às taxas e às contribuições de melhoria; II - aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão. Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. (Redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 1975) Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. § 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automàticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção. § 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no art. 155. A Constituição Federal restringiu a disciplina da isenção e passou a exigir lei específica para evitar o oportunismo oculto em leis sobre matérias totalmente diversas, conforme se observa de seu art. 150, § 6º: Art. 150 (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) Portanto, a proposta se adéqua à melhor técnica legislativa e ao texto constitucional, os quais determinam que a matéria da proposta relativa à isenção do crédito tributário deve constituir lei específica que regule exclusivamente a remissão do tributo. Sendo assim, a propositura legislativa se pode considerar uma medida justa e adequada à política fiscal em tempos de calamidade pública decorrente dos eventos de chuvas intensas - justiça fiscal constitucionalmente assegurada. Via de regra, diante do que determina LRF, para que não haja obstáculos materiais ou formais a tais propostas, em situações normais, deveria ser apresentado estudo de impacto orçamentário e financeiro contemplando as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00). Ocorre que a Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, acrescentou o art. 167-D à Constituição Federal, flexibilizando e afastando as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal nos casos das proposições legislativas se exclusivamente com objetivo de enfrentamento de calamidade se vigorarem e tiverem efeitos restritos à duração da calamidade: Art. 167-D. As proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita. Diante desse fundamento, seria admissível o afastamento da norma constante do art. 14, da LRF, concedendo benefício tributário ao contribuinte sem o devido impacto, visto que comprovadamente se trata de medida de enfrentamento das conseqüências sociais e econômicas do desastre e com vigência e efeitos restritos à duração da calamidade pública. Ademais, em se tratando de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, ainda que em parte do território nacional, o art. 65, § 1º, III, do dispositivo constitucional excepciona o cumprimento das condições previstas no artigo 14, desde que o benefício seja destinado ao combate à calamidade pública:
Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legisla vas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação: [...] § 1º Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, nos termos de decreto legisla vo, em parte ou na integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação, além do previsto nos incisos I e II do caput: [...] III - serão afastadas as condições e as vedações previstas nos arts. 14, 16 e 17 desta Lei Complementar, desde que o incentivo ou benefício e a criação ou o aumento da despesa sejam destinados ao combate à calamidade pública.
Com efeito, o Decreto Legislativo nº 36, de 7 de maio de 2024, aprovado pelo Congresso Nacional, reconheceu, para os fins do disposto no artigo 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a ocorrência do estado de calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul - https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DLG&numero=36&ano=2024&ato=1f6cXSq1ENZpWTb5e. Igualmente, o art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 prevê a possibilidade de concessão de benefício fiscal em ano eleitoral nos casos de calamidade pública: Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: [...] § 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006) 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 053/2024, apresentado com o propósito de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração. É o parecer. Guaíba, 16 de setembro de 2024.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por: ![]() 16/09/2024 14:22:03 |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 16/09/2024 ás 14:21:50. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação a6025e260b9b844c5b3fd78f69271f7f.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 211814. |