Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 045/2024
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 159/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 1.441/98, que institui o Código Municipal de Saúde no Município de Guaíba, e dá outras providências."

1. Relatório:

 O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 045/2024 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 1.441/98, que institui o Código Municipal de Saúde no Município de Guaíba, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, visto que o Projeto de Lei do Executivo nº 045/2024 objetiva, nos termos da exposição de motivos do proponente: regulamentar “o julgamento dos processos administrativos sanitários, adequando a legislação no que tange à definição de três instâncias julgadoras, bem como seu campo de atuação, em observância às normas federais e estaduais que regulam a matéria”.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS.

Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto de lei apresentado dispõe sobre organização administrativa, dizendo respeito ao modo de funcionamento dos serviços públicos, pelo que se conclui tratar-se de proposição de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo.

Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. De acordo com o art. 1º da Lei 9.782/99, o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) compreende o conjunto de ações definido pelo § 1º do art. 6º e pelos arts. 15 a 18 da Lei 8.080, de 19/9/1990, executado por instituições da Administração Pública direta e indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, que exerçam atividades de regulação, normatização, controle e fiscalização na área de vigilância sanitária. Partindo da Constituição Federal, o art. 200 registra que compete ao Sistema Único de Saúde (SUS), além de outras atribuições, nos termos da lei, controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos (inciso I); executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador (inciso II); fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano (inciso VI); e participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos (inciso VII).

Na mesma linha, também a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de 1989, consignou essa atribuição de forma expressa em seu Título VII – Da Segurança Social, Capítulo III – Da Saúde e do Saneamento Básico, em sua Seção I – Da Saúde, em termos semelhantes: Art. 243 - Ao Sistema Único de Saúde no âmbito do Estado, além de suas atribuições inerentes, incumbe, na forma da lei: [...] VII - realizar a vigilância sanitária, epidemiológica, toxicológica e farmacológica.

A Lei 8.080/1990 traz também como definição do SUS: o sistema que se constitui do conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público (art. 4º); estando nele incluídas a execução de ações de vigilância sanitária (art. 6º, I, "a") e outras, tais como o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano; e a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos. Importante frisar que a citada Lei 8.080/1990, em seu art. 6º, § 1º, traz como definição de "vigilância sanitária" o registro apresentado a seguir: (...) um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.

A Lei Federal nº 6.360, de 1976, é regulamentada pelo Decreto nº 8.077, de 14 de agosto de 2013, que assim estabelece quanto às competências municipais:

Art. 2º O exercício de atividades relacionadas aos produtos referidos no art. 1º da Lei nº 6.360, de 1976, dependerá de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa e de licenciamento dos estabelecimentos pelo órgão competente de saúde dos Estados, Distrito Federal ou Municípios, observados os requisitos técnicos definidos em regulamento desses órgãos.

Parágrafo único. As atividades exercidas pela empresa e as respectivas categorias de produtos a elas relacionados constarão expressamente da autorização e do licenciamento referidos no caput. (...)

Art. 12. As atividades de vigilância sanitária de que trata a Lei nº 6.360, de 1976, e este Decreto serão exercidas:

(...)

III - pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de seus órgãos de vigilância sanitária competentes.

Quanto à repartição de competências, os municípios legislam em concorrência com a União e com os estados para cobrir setores específicos em cada caso e obedecem a legislação federal e estadual. As Secretarias de Saúde municipais são responsáveis pela parte fiscal, com a determinação de unidades financeiras nas cobranças de taxas e multas previstas para cada tipo de aplicação da lei. Atuam na fiscalização e aplicação da legislação federal e da sua própria, regulando o setor administrativamente e operacionalmente com órgãos especiais criados para este fim (TCU no Acórdão 732/2020-TCU-Plenário).

A atividade fiscalizatória é emanada do poder de polícia derivado do mandamento constitucional contido no art. 174 da Constituição da República. Essa atividade de fiscalização consiste na verificação do cumprimento dos preceitos das normas e procedimentos legalmente estabelecidos pela vigilância sanitária. Portanto, o Processo Administrativo Sanitário é um importante instrumento para consecução dos objetivos da vigilância sanitária, preservando a segurança sanitária da população. O PAS deve observar, ainda, o princípio constitucional da razoável duração do processo. Há de se ter cautela, diante disso, em que se mantenha razoabilidade no número de instâncias recursais, com vários recursos sucessivos e que não se admitam recursos meramente protelatórios (TCU - Acórdão 732/2020-TCU-Plenário).

O mesmo TCU em seu relatório no Acórdão 732/2020-TCU-Plenário recomenda que se busque a utilização de “medidas alternativas à simples aplicação de multas, de forma a trazer maior efetividade às decisões regulatórias e evitar a continuidade da prática de condutas semelhantes no futuro e, consequentemente, proporcionar melhorias que não seriam obtidas com a aplicação de sanções ordinárias”, como Termos de Ajustamento de Condutas[1].

Reitera, ainda, que a “utilização do Temo de Ajustamento de Conduta como instrumento de solução de conflito apresenta maior probabilidade de correção dos problemas que geram as recorrentes aplicações de multas, pois as partes formularão nesse acordo as condições, prazos e forma de ajustamento das condutas recorrentemente infringidas pelos regulados”.

[1] A Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) também serve de base legal para a criação de tais regulamentos, in verbis, no parágrafo 6º: § 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

  

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 044/2024, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Recomenda-se que a redação do inciso I do art. 159 seja com conjunção alternativa “ou”:

I – ao Secretário Municipal de Saúde ou ao Coordenador da Vigilância em Saúde, a aplicação as penalidades de:

É o parecer.

Guaíba, 26 de julho de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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26/07/2024 18:47:13
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