Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 063/2024
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 139/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria a Política Municipal de Apoio e Fomento ao Desassoreamento de rios, arroios, açudes, lagos, lagoas, lagunas e canais visando à prevenção e minimização dos efeitos e danos causados por enchentes, inundações e alagamentos no território guaibense e dá outras providências."

1. Relatório:

O Projeto de Lei do Legislativo n.º 063/2024, de autoria do Vereador Alex Medeiros (PP), o qual “Cria a Política Municipal de Apoio e Fomento ao Desassoreamento de rios, arroios, açudes, lagos, lagoas, lagunas e canais visando à prevenção e minimização dos efeitos e danos causados por enchentes, inundações e alagamentos no território guaibense e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade e legalidade da proposição.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais ou ilegais (art. 94, §1º). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 94, parágrafo único do RI.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O Projeto de Lei do Legislativo nº 063/2024 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, já que apenas institui, no Município de Guaíba, a “Política Municipal de Apoio e Fomento ao Desassoreamento”. A fixação de programas relacionados ao meio ambiente em âmbito municipal atende ao interesse local porque busca impulsionar setores, grupos ou atividades relevantes à comunidade, incentivando o debate e a criação de novas políticas públicas.

A respeito da competência suplementar dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

Importante, ainda, destacar o entendimento firmado no STF sobre os limites da competência legislativa municipal em matéria de meio ambiente (RE nº 586.224/SP, julgado em 5/3/2015), publicado no Informativo nº 776:

O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88).

Ademais, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, não havendo qualquer limitação constitucional à apresentação de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria aqui tratada, desde que não sejam previstos deveres, obrigações ou mesmo “permissões” ao Executivo no que diz respeito à logística e à operacionalização dos pretendidos programas, o que macula o projeto de vício de iniciativa.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Essa também foi a conclusão do TJRS ao julgar a ADI nº 70030187793, que versou sobre diploma legal do Município de Porto Alegre (Lei Municipal nº 10.531/2008), reconhecendo que o programa que instituía programa inserido em matéria de meio ambiente, de iniciativa parlamentar, não possuía vício de iniciativa no processo legislativo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. NORMA MUNICIPAL QUE CRIA PROGRAMA DE REDUÇÃO GRADATIVA NO NÚMERO DE VEÍCULOS DE TRAÇÃO ANIMAL E DE VEÍCULOS DE TRAÇÃO HUMANA. VÍCIO FORMAL INEXISTENTE. Não é inconstitucional a lei de iniciativa da Câmara de Vereadores que não atribui ao Poder Executivo quaisquer ônus e merece deste a defesa de sua constitucionalidade. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70030187793, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Redator: Danúbio Edon Franco, Julgado em: 05-10-2009).

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém destacar que o objetivo principal do Projeto de Lei do Legislativo nº 063/2024 é promover a proteção dos componentes do meio ambiente natural. A Constituição Federal, no artigo 225, caput, dispõe: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

O § 1º do referido art. 225 da CF/88, detalhando os meios de garantir a proteção ambiental, obriga o Poder Público a “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Do mesmo modo, o artigo 251, caput, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido.”

Entre as medidas de proteção ao meio ambiente, o § 1º, VII, do referido artigo prevê: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, especialmente os cursos d’água, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais a crueldade.”

Do ponto de vista científico, Welber Senteio Smith et al. leciona que “O aumento significativo da impermeabilização dos solos induz a diminuição na taxa de infiltração e na quantidade de águas nos terrenos. As canalizações de cursos d’água causam acúmulos e alterações nas vazões naturais das águas e a intensa movimentação de grandes volumes de terras por meio de terraplanagens provoca assoreamentos e contribui para a diminuição da capacidade de vazão dos sistemas de drenagem urbana (CARVALHO et al., 2017). Como consequência desses impactos, temos o aumento das inundações (POLI, 2013), uma vez que os episódios de chuva e enchentes acabam tendo seus efeitos potencializados, visto a ausência de vegetação marginal, situação que favorece ainda o assoreamento do leito dos rios (NOVA et al., 2015). A ausência de vegetação marginal em decorrência do desmatamento culmina em desequilíbrios de ordem física, química e ecológica, dado que a remoção da vegetação marginal de corpos hídricos resulta na erosão do solo e consequentemente no assoreamento dos rios (SILVA et al., 2015b)”[1].

A realização de obras de desassoreamento constitui uma ação drástica e paliativa, uma vez que não atinge a causa do problema, normalmente relacionada com os processos erosivos, por exemplo, desmatamento, altos níveis de impermeabilização, alocação inadequada de material particulado etc. (ZELLHUBER; SIQUEIRA, 2007).

A Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei Federal nº 9.433/1997, estabelece como uma de suas diretrizes a articulação da gestão de recursos hídricos com o uso e cobertura da terra, situação que mostra uma relação direta com o Plano Diretor Municipal, instrumento instituído pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) - responsável pelo disciplinamento da ocupação do território e estabelecimento de diretrizes; situação que pode contribuir para a redução do aporte de sedimentos para os ambientes aquáticos.

Cabe referir que a Resolução CONAMA n° 454/2012 estabelece diretrizes e procedimentos para o gerenciamento do material a ser dragado em águas nacionais. Já a Resolução CONAMA n° 420/2009 traz valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas para auxiliar no processo de gerenciamento. Esses dispositivos normativos em conjunto trazem uma série de elementos que devem ser atendidos nos procedimentos de dragagem de material dos corpos aquáticos.

[1] Ambiente & Sociedade n São Paulo. Vol. 22, 2019 n Artigo Original n 2019;22:e00571  Desassoreamento de rios, pág. 3 de 20

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 063/2024 e pela sua regular tramitação.

É o parecer.

Guaíba, 19 de junho de 2024.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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19/06/2024 14:00:01
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 19/06/2024 ás 13:59:46. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 5055950bb133188f91d444f4c0215061.
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