Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 038/2024
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 137/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 4.313 de 29 de dezembro de 2022, que institui o Programa de Microcrédito Desenvolve Guaíba e autoriza o Poder Executivo a apoiar o Acesso ao Crédito em condições adequadas aos Microempreendedores Individuais, microempresas, empresas de pequeno porte e micros e pequenos produtores rurais, mediante o cumprimento das condições que especifica, e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 038/2024 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 4.313 de 29 de dezembro de 2022, que institui o Programa de Microcrédito Desenvolve Guaíba e autoriza o Poder Executivo a apoiar o Acesso ao Crédito em condições adequadas aos Microempreendedores Individuais, microempresas, empresas de pequeno porte e micros e pequenos produtores rurais, mediante o cumprimento das condições que especifica, e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A lei que se pretende criar se insere, efetivamente, na definição de interesse local, pois estabelece alteração no programa de viabilização de microcrédito pelo Município de Guaíba em parceria com operadores financeiros previamente credenciados, instituído pela Lei Municipal nº 4.313/2022, de alcance estritamente municipal, com fundamento no art. 30, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na CF/88, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual em relação à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, informa o art. 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, porquanto o projeto disciplina alterações no programa municipal de microcrédito a empreendedores instalados no Município de Guaíba, instituído pela Lei Municipal nº 4.313/2022, cuja coordenação será de responsabilidade da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Inovação (art. 5º da Lei 4.313/2022), sendo a iniciativa legislativa, portanto, privativa do Chefe do Executivo.

Em relação à matéria de fundo, observa-se que a proposição tem o objetivo de alteração dos limites de crédito por tomador, estabelecidos nos incisos do art. 3º da Lei Municipal nº 4.313/2022, com o intuito de instituir medidas para fazer frente aos efeitos econômicos enfrentados pelas empresas afetadas pela calamidade pública em decorrência de chuvas intensas, consoante o estado de calamidade declarado pelo Decreto Municipal nº 051/2024, além de promover o desenvolvimento local, através do apoio aos microempreendedores instalados no Município de Guaíba, possibilitando-lhes o acesso ao crédito, serviços financeiros e educação empreendedora, por meio de um programa que envolverá a municipalidade, operadores financeiros cadastrados e os empreendedores locais interessados.

Para a concessão dos incentivos, a proposta definia algumas condições, como a formalização e atividade do empreendedor há pelo menos seis meses, o que se está suprimindo por meio da presente proposta. Estão sendo alterados os valores, fixando-se limite de R$ 10.000,00 e está sendo concedida carência de 60 dias durante o período de calamidade.

Via de regra, diante do que determina LRF, para que não haja obstáculos materiais ou formais a tais propostas, em situações normais, deveria ser apresentado estudo de impacto orçamentário e financeiro contemplando as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00).

Ocorre que a Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, acrescentou o art. 167-D à Constituição Federal, flexibilizando e afastando as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal nos casos das proposições legislativas se exclusivamente com objetivo de enfrentamento de calamidade se vigorarem e tiverem efeitos restritos à duração da calamidade:

Art. 167-D. As proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, desde que não impliquem despesa obrigatória de caráter continuado, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

Diante desse fundamento, seria admissível o afastamento da norma constante do art. 14, da LRF, concedendo e aumentando o benefício sem o devido impacto, visto que comprovadamente se trata de medida de enfrentamento das conseqüências sociais e econômicas do desastre e com vigência e efeitos restritos à duração da calamidade pública. Ocorre que há dúvidas acerca dessa possibilidade em razão de que os limites de que trata o art. 3º estão sendo alterados de forma definitiva, implicando despesa obrigatória de caráter continuado.

Ademais, em se tratando de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, ainda que em parte do território nacional, o art. 65, § 1º, III, do dispositivo constitucional excepciona o cumprimento das condições previstas no artigo 14, desde que o benefício seja destinado ao combate à calamidade pública:

 

Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

[...]

§ 1º Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, nos termos de decreto legislativo, em parte ou na integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação, além do previsto nos incisos I e II do caput:

[...]

III - serão afastadas as condições e as vedações previstas nos arts. 14, 16 e 17 desta Lei Complementar, desde que o incentivo ou benefício e a criação ou o aumento da despesa sejam destinados ao combate à calamidade pública.

 

Com efeito, o Decreto Legislativo nº 36, de 7 de maio de 2024, aprovado pelo Congresso Nacional, reconheceu, para os fins do disposto no artigo 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a ocorrência do estado de calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul - https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DLG&numero=36&ano=2024&ato=1f6cXSq1ENZpWTb5e.

Igualmente, o art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 prevê a possibilidade de concessão de benefício fiscal em ano eleitoral nos casos de calamidade pública:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

Quanto à técnica legislativa, no § 1º do art. 3º, deve ser esclarecido se o prazo máximo de pagamento das operações de crédito será de 20 ou 24 meses, diante da imprecisão do trecho “será de até 24 (vinte meses)...”.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 038/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É necessária a revisão da técnica legislativa, nos termos expostos no último parágrafo da fundamentação, sendo necessária a correção do § 1º do art. 3º, esclarecendo se o prazo máximo de pagamento das operações de crédito será de 20 ou 24 meses, diante da imprecisão do trecho “será de até 24 (vinte meses)...”.

É o parecer.

Guaíba, 18 de junho de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS n.º 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
18/06/2024 13:47:44
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 18/06/2024 ás 13:45:48. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 8bbf6d2a1fc194a4249a1483ccc95eba.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 203040.