Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 036/2024
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 132/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 10 (dez) Fiscais de Trânsito e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 036/2024 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 10 (dez) Fiscais de Trânsito e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 72 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirellesna obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Mérito:

O Projeto de Lei do Executivo nº 036/2024, de pretende gerar autorização para que o Município de Guaíba contrate temporariamente, através do permissivo do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, 10 (dez) Fiscais de Trânsito .

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo na autonomia política do Município, insculpida no artigo 18 da CF/88, e na competência para legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, I, da CF/88), assim dispostas:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes expõe que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

De fato, há permissivo constitucional que prevê a contratação por tempo determinado, desde que atenda a necessidade temporária de excepcional interesse público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Analogicamente, adisciplina da previsão constitucional de contratação temporária foi regulada pela Lei nº 8.745, de 9 de Dezembro de 1993, que “Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências”. O próprio art. 2º, II, do referido diploma legal considera como necessidade temporária de excepcional interesse público a assistência a emergências em saúde pública, cenário que justifica a pretendida contratação temporária pelo Município. Em âmbito local, tal permissivo foi regulamentado pelo Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba, que dispõe, em seu Título X, sobre a contratação temporária de excepcional interesse público:

TÍTULO X

DA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

Art. 216 Para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, poderão ser efetuadas contratações de pessoal por tempo determinado.

Art. 217 Consideram-se como necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que visam a:

I - atender a situações de calamidade pública;

II - combater surtos epidêmicos;(...)

Art. 218 As contratações de que trata este capítulo serão realizadas por prazo determinado de 01 (um) ano com possibilidade de serem prorrogados por igual período. (Redação dada pela Lei nº 4538/2024)

Art. 219. Os contratos serão de natureza administrativa, ficando assegurados os seguintes direitos ao contratado:

I - remuneração equivalente à percebida pelos servidores de igual ou assemelhada função no quadro permanente do Município;

II - jornada de trabalho, serviço extraordinário, repouso semanal remunerado, adicional noturno e gratificação natalina proporcional, nos termos desta lei;

III - férias proporcionais, ao término do contrato;

IV - inscrição no regime geral de previdência social.

Parágrafo Único. No caso de contratação para programas específicos, a remuneração será aquela definida na lei que instituiu o referido programa.

Nos casos de contratação temporária, não é necessária a realização de concurso público, exigindo-se, como regra, a realização de processo seletivo simplificado (art. 3º, caput, da Lei nº 8.745/93). Ocorre que, nas situações de emergência ou calamidade, o art. 3º, § 1º, II, da Lei nº 8.745/93 possibilita a dispensa da realização de processo seletivo para a contratação temporária, como forma de impulsionar a pronta ação do Poder Público para fazer face às necessidades de interesse público. Isso não impede, obviamente, nessas situações, a adoção do processo seletivo ou ainda de outros critérios que mantenham a isonomia e a impessoalidade da seleção, tal como fez o proponente, ao definir que a contratação será realizada através de processo seletivo simplificado.

Veja-se, a respeito, a Orientação Técnica nº 7577-0200/10-0, do TCE/RS, sobre a possibilidade de dispensa de processo seletivo simplificado nas contratações fundamentadas em estado de calamidade pública:

PEDIDO DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA. CONTRATAÇÕES POR PRAZO DETERMINADO. PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO. LINHAS BÁSICAS. As contratações por prazo determinado que não decorram de calamidade pública ou de situações fáticas que imponham uma pronta ação do Poder Público devem ser antecedidas de procedimento seletivo simplificado, em reverência aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie. A inexistência de disciplinamento acerca das admissões excepcionais e dos correspondentes procedimentos seletivos simplificados não impede o exame sob a ótica da observância aos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública.

Também se verifica estar correta a proposição no sentido de fixar um prazo determinado e exíguo à duração dos contratos, com previsão de duração de um ano, prorrogáveis.

Importante destacar o tema de repercussão geral do STF nº 612, quanto aos requisitos para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos:

Tema 612. Nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração.

Em relação à contratação temporária de agentes de fiscalização, o TCE-RS possui entendimento bem restrito. No caso de fiscais, é possível em caso de substituição de servidores, via de regra.

Veja-se, além disso, parte do relatório e voto do Conselheiro Marco Peixoto na Auditoria de Admissão nº 013205-0200/16-4 (TCE/RS):

Quanto à Lei Municipal nº 2.618/2015 (fls. 36 e 37), que autorizou a contratação temporária de 01 (um) Fiscal Sanitário e Ambiental para atuar junto à Secretaria da Saúde, visando substituir servidora efetiva em razão de licença maternidade, o Ministério Público de Contas (item “2”, pela irregularidade, fls. 146 e 147), divergiu do Corpo Técnico (pelo registro, fls. 74 e 140), posicionamento este que acompanho, conforme ato arrolado no item 1.1.1 do Relatório, fl. 79. Com efeito, não desconheço as dificuldades vivenciadas pelos gestores municipais, principalmente de municípios pequenos e interioranos, distantes de regiões mais desenvolvidas, a exemplo de Ajuricaba, os quais possuem carência de profissionais qualificados em seu quadro de servidores efetivos, para o atendimento de demandas relevantes da sociedade, no caso, “Fiscalização Sanitária (saúde) e Ambiental”. Nessa linha, defendo que a razoabilidade é o mecanismo mais indicado, respeitado os limites do ordenamento jurídico pátrio, para solver demandas nestas circunstâncias, e assim tenho decidido nos processos submetidos à minha Relatoria, sopesando, caso a caso, as falhas verificadas, no contexto da causa, com as dificuldades experimentadas e/ou suportadas pelos Gestores Públicos, assim como valorando as iniciativas e acertos nas decisões do Administrador para solução dos problemas vivenciados no município e, por consequência, os resultados alcançados. No caso, concluo que estão presentes os requisitos da temporalidade e excepcionalidade previstos no inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, pois a admissão ocorreu em face do afastamento de uma servidora efetiva em licença maternidade, por um curto período de tempo, a fim de garantir a continuidade e qualidade na prestação deste serviço de suma relevância à população, e, portanto, decorrente de uma situação transitória e pontual (eventual), justificando-se, no meu entender, a necessidade da contratação pela via excepcional, cujo vínculo contratual já se encontra extinto desde 13-02-2016, conforme BDA (1250) consultada em 06-06- 2018.

Via de regra, o exercício do poder de polícia administrativa é uma prerrogativa de carreira, cujo desempenho na rotina pública municipal deve se dar por intermédio de servidor efetivo e, usualmente, não pela via da contratação temporária. Aliás, essa é a posição do TCE/RS:

  1. Início pelo contrato relacionado nos itens 1.1 e 1.2 Neste tópico, foram incluídos os ingressos considerados regulares, porque, além de atendidos os requisitos do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, a escolha dos profissionais contratados ocorreu por meio de processo simplificado de seleção pública, conforme orientação fixada por esta Corte no Pedido de Orientação Técnica n° 7577-0200/10-0. Sendo assim, também minha conclusão vai no mesmo sentido dos exames precedentes, vale dizer, pela chancela dos contratos aqui listados. A única exceção à sugestão de registro, em face do apontado pelo Agente Ministerial e, também, em face de decisões desta Casa nesse mesmo sentido, reside na contratação para a função de Médico Veterinário para inspecionar frigoríficos (Fiscal Sanitário), autorizada pela Lei 4.110/2017, visto que, em se tratando de função que demanda em sua essência o poder de polícia, próprio do Estado, esta função só poderia ser desempenhada por detentor de cargo público de provimento efetivo, com competência para lavrar autos de infração. Nesse sentido, vale repisar a decisão colacionada no Parecer do Agente Ministerial, relativamente à manifestação do Ministro Marco Aurélio nos autos da ADI nº 2310/DF, em que se cuidava do poder de polícia conferido às Agências Reguladoras, nos seguintes termos: Prescindir, no caso, da ocupação de cargos públicos, com os direitos e garantias a eles inerentes, é adotar flexibilidade incompatível com a natureza dos serviços a serem prestados, igualizando os servidores das agências a prestadores de serviços subalternos, dos quais não se exige, até mesmo, escolaridade maior, como são serventes, artífices, mecanógrafos, entre outros. Atente-se para a espécie. Está-se diante de atividade na qual o poder de fiscalização, o poder de polícia fazem-se com envergadura ímpar, exigindo, por isso mesmo, que aquele que a desempenhe sinta-se seguro, atue sem receios outros, e isso pressupõe a ocupação de cargo público, a estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição Federal.

 

Em pesquisa na base de jurisprudência do TCE/RS, percebe-se que, embora existam alguns precedentes que neguem registro de admissões oriundas de contratação temporária para cargos de fiscalização, há outros, notadamente recentes, que chancelaram registros, em especial quando presentes circunstâncias excepcionais. Leia-se o trecho do relatório e voto do Conselheiro Cezar Miola na Auditoria de Admissão nº 947-0200/17-4:

I – Presentes os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, passo ao exame do mérito. 1 – Em relação aos ingressos decorrentes das Leis locais nºs 3.018/2016 e 3.030/2016, para as funções de Fiscal Sanitarista e Fiscal Tributário, em que pese a opinião do Agente Ministerial, entendo de modo diverso. Com efeito, ainda que as atividades de fiscalização estejam relacionadas ao poder de polícia, tratando-se, portanto, de função de Estado, a qual deve ser desempenhada por servidor efetivo, tenho que as circunstâncias em tela – substituição de servidores em gozo de licença para tratamento de interesses particulares – revelam excepcionalidade e emergencialidade (art. 37, inc. IX, da CR/1988). Assim, ressaltando as especificidades do caso concreto, concluo pela chancela desses atos (Modelo I, Título 02, item 004 – fl. 204).

Veja-se, além disso, parte do relatório e voto do Conselheiro Marco Peixoto na Auditoria de Admissão nº 013205-0200/16-4 (TCE/RS):

Quanto à Lei Municipal nº 2.618/2015 (fls. 36 e 37), que autorizou a contratação temporária de 01 (um) Fiscal Sanitário e Ambiental para atuar junto à Secretaria da Saúde, visando substituir servidora efetiva em razão de licença maternidade, o Ministério Público de Contas (item “2”, pela irregularidade, fls. 146 e 147), divergiu do Corpo Técnico (pelo registro, fls. 74 e 140), posicionamento este que acompanho, conforme ato arrolado no item 1.1.1 do Relatório, fl. 79. Com efeito, não desconheço as dificuldades vivenciadas pelos gestores municipais, principalmente de municípios pequenos e interioranos, distantes de regiões mais desenvolvidas, a exemplo de Ajuricaba, os quais possuem carência de profissionais qualificados em seu quadro de servidores efetivos, para o atendimento de demandas relevantes da sociedade, no caso, “Fiscalização Sanitária (saúde) e Ambiental”. Nessa linha, defendo que a razoabilidade é o mecanismo mais indicado, respeitado os limites do ordenamento jurídico pátrio, para solver demandas nestas circunstâncias, e assim tenho decidido nos processos submetidos à minha Relatoria, sopesando, caso a caso, as falhas verificadas, no contexto da causa, com as dificuldades experimentadas e/ou suportadas pelos Gestores Públicos, assim como valorando as iniciativas e acertos nas decisões do Administrador para solução dos problemas vivenciados no município e, por consequência, os resultados alcançados. No caso, concluo que estão presentes os requisitos da temporalidade e excepcionalidade previstos no inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, pois a admissão ocorreu em face do afastamento de uma servidora efetiva em licença maternidade, por um curto período de tempo, a fim de garantir a continuidade e qualidade na prestação deste serviço de suma relevância à população, e, portanto, decorrente de uma situação transitória e pontual (eventual), justificando-se, no meu entender, a necessidade da contratação pela via excepcional, cujo vínculo contratual já se encontra extinto desde 13-02-2016, conforme BDA (1250) consultada em 06-06- 2018.

Conforme expuseram os conselheiros, necessidades temporárias e excepcionais podem justificar os registros de admissão de contratos temporários até mesmo para funções típicas de Estado, como são as de fiscalização, com base no princípio da razoabilidade e nas circunstâncias casuísticas, seara na qual não cabe a esta Procuradoria adentrar.

Em tais situações, houve o registro dos atos de admissão de pessoal a título precário com base no art. 37, IX, da CF/88 em consideração à efetiva temporariedade da necessidade, resultante, respectivamente, do gozo de licença para tratar de interesse particular e de licença maternidade por servidores efetivos do quadro permanente de fiscais, o que não se pode identificar se é o caso da proposta.

Nesses termos, embora alguns precedentes do TCE/RS tenham negado registro a atos de admissão a título precário para a função de fiscais, entendo que as circunstâncias que vão demonstrar se a proposta se adéqua à real e efetiva excepcionalidade disposta nos precedentes destacados acima.

Isso porque, de acordo com a justificativa do Prefeito, providências. ”Considerando a declarada situação de Calamidade Pública, reconhecida pelo Decreto Municipal nº 051/2024, em razão das fortes chuvas e enchentes que atingiram o Município de Guaíba, surgiu a necessidade emergencial de atendimento aos indivíduos e famílias desalojados ou desabrigados. Insta evidenciar que os levantamentos preliminares do desastre indicam que mais de 12.000 residências foram atingidas, resultando em mais de 40.000 pessoas desalojadas ou desabrigadas, além do fato do Município já ter abrigado, no ápice do desastre, mais de 12.000 pessoas simultaneamente. Desta feita, exsurgiram demandas urgentes nas mais variadas áreas (saúde, social, econômica, segurança, infraestrutura, ambiental), presumivelmente desgarrando da normalidade e do poder de pronta reação do Poder Público, e de sua equipe de servidores, carecendo assim da contratação emergencial dos profissionais arrolados. Assim sendo, sem a intenção de esgotar as necessidades que surgem diariamente, cabe notabilizar as principais considerações sobre a infraestrutura de trânsito diante deste desastre: I – aumento das demandas gerais de fiscalização e organização de trânsito, além da atribuição de fiscalização de transportes que lhes cabe; II - aumento significativo e anormal no número de veículos provenientes de outras localidades; III – aumento significativo dos acidentes de trânsito e de infrações em geral, exigindo intensificação da fiscalização para garantir a segurança viária e reduzir os índices de acidentes; IV – necessidade, com o intuito de enfrentar a crise atual e garantir a segurança e a fluidez do trânsito, da fiscalização operar 24 horas por dia. Por fim, cabe salientar, dada a urgência da situação de calamidade e o aumento das demandas de fiscalização de trânsito, que a contratação emergencial de 10 novos fiscais é crucial para garantir a segurança e a eficiência no gerenciamento do trânsito em Guaíba. Esta medida responde às necessidades críticas atuais e aprovisiona o Município para enfrentar os desafios atuais e futuros com a infraestrutura de fiscalização adequada e robusta para atendimento da situação de anormalidade”.

Quanto às vedações da Lei Eleitoral, o TSE já decidiu que as disposições normativas do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, sobre as restrições à contratação e exoneração de servidores nos três meses que antecedem a eleição até a posse dos eleitos, aplicam-se aos casos de contratação temporária.

No entanto, de acordo com o precedente abaixo destacado, a ressalva da alínea “d” do inciso V, relativa à instalação ou ao funcionamento inadiável dos serviços públicos essenciais, incide sobre os serviços emergenciais, entendidos como aqueles umbilicalmente ligados à sobrevivência, à saúde ou à segurança da população:

Conduta vedada a agente público em campanha eleitoral. Art. 73, inciso V, alínea d, da Lei nº 9.504/97. 1. Contratação temporária, pela administração pública, de professores e demais profissionais da área da educação, motoristas, faxineiros e merendeiras, no período vedado pela Lei Eleitoral. 2. No caso da alínea d do inciso V da Lei nº 9.504/97, só escapa da ilicitude a contratação de pessoal necessária ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais. 3. Em sentido amplo, todo serviço público é essencial ao interesse da coletividade.Já em sentido estrito, essencial é o serviço público emergencial, assim entendido aquele umbilicalmente vinculado à “sobrevivência, saúde ou segurança da população”. 4. A ressalva da alínea d do inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504/97 só pode ser coerentemente entendida a partir de uma visão estrita da essencialidade do serviço público. Do contrário, restaria inócua a finalidade da Lei Eleitoral ao vedar certas condutas aos agentes públicos, tendentes a afetar a igualdade de competição no pleito. Daqui resulta não ser a educação um serviço público essencial. Sua eventual descontinuidade, em dado momento, embora acarrete evidentes prejuízos à sociedade, é de ser oportunamente recomposta. Isso por inexistência de dano irreparável à “sobrevivência, saúde ou segurança da população”. (...)

(Ac. de 12.12.2006 no REsp nº 27.563, rel. Min. Carlos Ayres Britto.)

Nesse precedente, o TSE esclareceu que, muito embora todos os serviços públicos sejam essenciais ao interesse da coletividade (sentido amplo da essencialidade), a mitigação da conduta vedada ocorre apenas sobre os serviços públicos tidos como estritamente essenciais, ou seja, sobre aqueles ligados diretamente à sobrevivência, saúde e segurança da população (sentido estrito de essencialidade). De outro modo, a legislação estaria a permitir que a manutenção de todo e qualquer serviço público pudesse justificar a contratação temporária e excepcional em período vedado, não sendo esse o sentido da norma.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Executivo nº 036/2024, observando-se o entendimento do TCE-RS quanto à contratação temporária para as atividades de fiscalização relacionadas ao poder de polícia, não cabendo a esta Procuradoria adentrar nas especificidades do caso concreto.

É o parecer.

Guaíba, 06 de junho de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
06/06/2024 18:50:34
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 06/06/2024 ás 18:50:10. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 50f157c7d2b3088d94e24f0e00a30cec.
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