Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 057/2024
PROPONENTE : Ver. Rosalvo Duarte
     
PARECER : Nº 126/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade das instituições de ensino públicas e privadas, seja de nível básico, fundamental, médio, técnico e superior, a oferecerem canais sigilosos de denúncias sobre a Prática de “bullying”, e dá outras previdências"

1. Relatório:

O Vereador Rosalvo Duarte (PL) apresentou o Projeto de Lei nº 057/2024 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre a obrigatoriedade das instituições de ensino públicas e privadas, seja de nível básico, fundamental, médio, técnico e superior, a oferecerem canais sigilosos de denúncias sobre a Prática de “bullying”, e dá outras previdências”. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As medidas de prevenção e de combate que se pretendem instituir no âmbito do Município de Guaíba se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 227, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22, CF), o Projeto de Lei do Legislativo nº 057/2024 estabelece meios de proteção à infância e à juventude contra a prática de atos de violência física ou psicológica intencionais e repetitivos, cabendo ao Estado, à família e à sociedade coibir tais condutas de modo absolutamente prioritário.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Legislativo nº 057/2024 é promover a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, por meio de medidas de prevenção e de combate ao bullying, o que se alinha aos deveres estabelecidos na Constituição.

O artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito lato sensu, abrangendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes. Veja-se:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

É perceptível, pois, que as medidas pretendidas no Projeto de Lei do Legislativo nº 057/2024 são compatíveis com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei, desde que haja previsão do programa na lei orçamentária anual, na forma do artigo 154, I, da CE/RS e do artigo 167, I, da CF/88. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE nº 878.911/RJ, Rel.: Min. Gilmar Mendes, p. em 11/10/2016).

É importante, ainda, ressaltar que é pacífica na jurisprudência brasileira a possibilidade de que o Estado seja obrigado, por lei de iniciativa parlamentar, a realizar a instalação de câmeras de monitoramento ou medidas análogas em escolas públicas, o que, sob o ponto de vista do princípio constitucional da igualdade (art. 5º da CF/88), justifica que seja concedido idêntico tratamento aos estudantes e profissionais da rede privada, que têm sofrido dos mesmos riscos.

Relativamente ao emblemático julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre lei municipal instituidora do dever de instalação de câmeras em escolas públicas (ARE 878.911), argumentou o relator, Min. Gilmar Mendes, que “a proteção aos direitos da criança e do adolescente qualifica-se como direito fundamental de segunda dimensão que impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva destinado a todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro, nos termos do art. 227 da Constituição.” No mérito do recurso extraordinário, votou pela procedência para reafirmar a jurisprudência do STF no sentido de que “não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).

Decidiu-se, dessa forma, por reconhecer a constitucionalidade da Lei Municipal nº 5.616/13, do Município do Rio de Janeiro, para tornar obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências e cercanias de todas as escolas públicas municipais daquela cidade.O entendimento, firmado em outubro de 2016 pelo STF, órgão responsável pela guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF/88), ecoa por todos os tribunais brasileiros, sobretudo porque manifestado em recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil).

Logo, aplicável o entendimento firmado pelo STF no Tema 917: “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal).” Ou seja, o fato de a norma dirigir-se, de algum modo, ao Poder Executivo, é insuficiente para, por si só, restringir a iniciativa legislativa, quando não disponha, efetivamente, sobre a estruturação ou as competências dos órgãos públicos.

Em âmbito federal, a Lei nº 13.185, de 06 de novembro de 2015, institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), prevendo diretrizes e estabelecendo regras para a prevenção e o combate dessa prática. Por se tratar de norma federal, o seu alcance atinge todo o território nacional, sendo possível, no caso de Guaíba, aliar a norma local que se pretende aprovar com o programa nacional, garantindo maior efetividade.

Com efeito, mais recentemente, a Lei Federal nº 14.811/2024 acrescentou o artigo 146-A ao Código Penal, tipificando a prática do crime de bullying e de cyberbullying, como ação individual, ou em grupo, de intimidar, sistematicamente, mediante violência física ou psicológica:

Código Penal

“Intimidação sistemática (bullying)

Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:

Pena - multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:

Pena - reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.”

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 057/2024, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. Sugere-se que seja alterado o termo WhatsApp por “redes sociais”. É necessária adequação do texto do art. 2º ao que dispõe o art. 146-A do Código Penal.

É o parecer.

Guaíba, 30 de abril de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
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30/04/2024 15:48:21
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 30/04/2024 ás 15:48:08. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação d7be43fb6a91bbd238ad8ab537b52e14.
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