Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 024/2024
PROPONENTE : Ver. Marcos SJ
     
PARECER : Nº 095/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a obrigatoriedade de que os processos seletivos no âmbito da administração pública municipal, quando com provas objetivas, sejam realizados de forma presencial ou que tenham mecanismos que assegurem a verificação da identidade dos candidatos durante a aplicação das provas"

1. Relatório:

O Projeto de Lei do Legislativo n.º 024/2024, de autoria do Vereador Marcos SJ (PL), que “Institui a obrigatoriedade de que os processos seletivos no âmbito da administração pública municipal, quando com provas objetivas, sejam realizados de forma presencial ou que tenham mecanismos que assegurem a verificação da identidade dos candidatos durante a aplicação das provas”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade das proposições.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade. O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora.

A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 105, parágrafo único do RI, nas linhas gerais da Ordem de Serviço 004/2018.

                A iniciativa em relação à competência está adequada. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

O artigo 30, II, da Constituição Federal prevê que cabe aos entes municipais suplementar a legislação federal e estadual no que couber, para amoldar regramentos federais e estaduais às peculiaridades de cada Município, detalhando e pormenorizando as normas gerais editadas com base na competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição Federal.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a matéria não se insere no rol taxativo das matérias vedadas pelo art. 61 § 1º da Constituição Federal ou pelo art. 60 da CERS:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

 Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública

            Nessa lógica, é consagrada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que o rol de matérias de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo é taxativo:

Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. [ADI 3.394, rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.]

Ainda em relação à matéria correlata ao objeto da proposição, firmou a Suprema Corte o entendimento de que não se tratava de reserva de iniciativa na ADI 2.672 em que se pretendia regular a isenção do pagamento de taxa de concurso público:

O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/1988). Dispõe, isso sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não configurada. [ADI 2.672, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 22-6-2006, P, DJ de 10-11-2006.] = AI 682.317 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 14-2-2012, 1ª T, DJE de 22-3-2012

Destarte, o Projeto de Lei ora em análise não trata da estrutura ou da atribuição dos órgãos públicos nem do regime jurídico de servidores públicos, nem afronta o princípio da separação entre os poderes.

A jurisprudência amolda-se à regulação pretendida pelo projeto em análise, já que a proposição não pretende criar obrigações ou atribuições ao Poder Executivo Municipal, tendo os tribunais assentado que as propostas que tratam de condição para a investidura em cargo público não incorrem em vício de iniciativa, tendo em vista que dizem respeito a momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público, havendo jurisprudência que fundamenta tal entendimento:

STF – AI 682317 RJ - “Agravo regimental no agravo de instrumento. Lei nº 3.777/04 do Município do Rio de Janeiro que torna obrigatória a  disponibilidade de editais e/ou instruções de concursos públicos em braile . Ausência da inconstitucionalidade suscitada. Inconstitucionalidade formal. Não ocorrência. Precedentes. 1. Não há inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa em lei oriunda do Poder Legislativo que disponha sobre aspectos de concursos públicos sem interferir, diretamente, nos critérios objetivos para admissão e provimento de cargos públicos. 2. Agravo regimental não provido” (AI 682317 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-059 DIVULG 21-03-2012 PUBLIC 22-03-2012)

O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/1988). Dispõe, isso sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não configurada. (...) (ADI 2.672, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 22-6-2006, P, DJ de 10-11-2006.)

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N° 6.663, DE 26 DE ABRIL DE 2001, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. O diploma normativo em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/88). Dispõe, isto sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Inconstitucionalidade formal não configurada. Noutro giro, não ofende a Carta Magna a utilização do salário mínimo como critério de aferição do nível de pobreza dos aspirantes às carreiras púbicas, para fins de concessão do benefício de que trata a Lei capixaba nº 6.663/01. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

Com efeito, o TJRS assentou a constitucionalidade da Lei Municipal nº 3.709/2018, que prevê a disponibilidade obrigatória de Edital e Prova em Libras e Braile:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE GUAÍBA. LEI Nº 3.709/2018. CONCURSO PÚBLICO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ACESSIBILIDADE. DISPONIBILIDADE OBRIGATÓRIA DE EDITAL E PROVA EM LIBRAS E EM BRAILE. PROJETO DE LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO FORMAL NÃO CONFIGURADO. PRELIMINARES AFASTADAS. 1. Não se conhece do pedido no ponto em que sustenta violação à lei orgânica municipal, uma vez que em sede de controle concentrado não é cabível a análise de inconstitucionalidade de lei municipal em face de outra lei infraconstitucional, pois, apesar de sua hierarquia, a Lei Orgânica do Município não se trata de norma constitucional. 2. A Lei Municipal nº 3.709/2018 torna obrigatória para os Poderes Legislativo e Executivo Municipais, inclusive na administração indireta, a disponibilização de edital de concurso público, assim como a realização de prova, em Libras e em Braile, buscando proporcionar às pessoas com deficiência visual e auditiva igualdade de condições com os demais candidatos. 3. A norma impugnada nada dispõe quanto aos critérios de admissibilidade ou de provimento de cargos públicos, não trata sobre o regime jurídico do servidor público, além disso não cria nem modifica a estrutura e as atribuições dos órgãos do Poder Executivo Municipal. 4. De modo que não resta configurada usurpação da competência reservada ao Chefe do Executivo, com previsão no art. 60 da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força do disposto no art. 8º, caput, da mesma Carta. 5. Outrossim, ainda que as providências necessárias para adaptação do edital e das provas do certame às pessoas com deficiência visual e auditiva possam eventualmente “criar despesas” ao Poder Executivo, não torna inconstitucional a lei municipal, consoante o entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral, de que “não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos” (ARE 878.911 RG, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 11/10/2016). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70079368403, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 29-04-2019)

Da mesma forma, concluiu pela constitucionalidade da proposta, a consultoria DPM, na Informação Técnica 666/2024, anexo aos autos.

3. Conclusão:

 Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 024/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Guaíba, 01 de abril de 2024.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

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01/04/2024 11:34:36
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