Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 026/2024
PROPONENTE : Ver. Rosalvo Duarte
     
PARECER : Nº 072/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Assegura aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos ou tutelados em atividades extracurriculares realizadas nas escolas públicas localizadas no Município de Guaíba."

1. Relatório:

O Vereador Rosalvo Duarte (PL) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei do Legislativo nº 026/2024, o qual “Assegura aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos ou tutelados em atividades extracurriculares realizadas nas escolas públicas localizadas no Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Mérito:

Cabe, antecipadamente, analisar se a proposição encontra respaldo no que diz respeito à competência legislativa e à competência material propriamente dita do Município, contemplando ou não o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

...

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

...

IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

Diante desse contexto constitucional normativo, deve-se analisar a compatibilidade das proposições municipais a fim de considerar a possibilidade de que o Município institua norma sobre as diretrizes e bases da educação nacional, como pretende a proposição, sem que isso caracterize desarmonia com o as regras constitucionais de competência, sendo as regras de distribuição de competências legislativas alicerces do federalismo.

 

Constata-se que a Constituição Federal assegura à União a competência legislativa para dispor sobre as diretrizes e bases da educação nacional (artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República), efetivamente a matéria sobre a qual o Projeto de Lei do Legislativo nº 026/2024 pretende dispor. No exercício dessa competência material, cabe à União legislar sobre a matéria, quando não inserida no campo do interesse local, o que não parece ser o caso. Assim, verifica-se que a carta republicana, na repartição das competências aos entes federados não conferiu aos municípios a possibilidade de legislar sobre o assunto, que diz respeito à competência da União.

Sendo assim, a proposição local vai de encontro ao entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, que vem assentando que só à União cabe a competência para legislativa sobre a matéria:

“Norma estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da língua portuguesa viola a competência legislativa da União.” É inconstitucional — por violar a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV) — lei estadual que veda a adoção da “linguagem neutra” na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas e privadas, assim como em editais de concursos públicos locais. [ADI 7.019, rel. min. Edson Fachin, j. 10-2-2023, P, Informativo STF 1.082.].

 

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Iniciativa. (...) Competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. [ADI 1.399, rel. min. Maurício Corrêa, j. 3-3-2004, P, DJ de 11-6-2004.]

Em contexto equivalente ao proposto, recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a inconstitucionalidade formal orgânica de lei municipal que tornava obrigatória a notificação dos pais ou responsáveis sobre a realização de eventos de caráter extracurricular ocorridos dentro ou fora dos estabelecimentos de ensino. Vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de São José do Rio Preto n.º 14.251/22, que torna obrigatória a notificação dos pais ou responsáveis sobre a realização de eventos de caráter extracurricular que ocorram dentro ou fora dos estabelecimentos de ensino. Preliminar. Legitimidade ativa. Ocorrência. Sindicato de servidores municipais da educação. Interesse jurídico e pertinência temática demonstrados. Representatividade adequada, ressalvado o entendimento pessoal. Inteligência do art. 90, inc. V, da CE. Legitimidade passiva. Ocorrência. Processo objetivo, desvinculado de questões individuais ou coletivas. Legitimidade que deve ser verificada apenas no momento da propositura da ADI e em razão do cabimento de recursos. Exegese do art. 90, caput, da CE. Mérito. Texto impugnado que dispõe sobre diretrizes e bases da educação. Competência privativa da União. Inteligência do art. 22, inc. XXIV, da CF. Parâmetro de constitucionalidade que deve ser admitido consoante a inteligência do art. 144 da CE. Inconstitucionalidade formal. Ademais, texto que interfere em critérios de conveniência e oportunidade e determinam a forma de execução da política pública. Violação à reserva da Administração. Exegese do art. 47, inc. II, da CE. Doutrina. Não bastasse, mera reprodução da disciplina de leis federais, em especial sobre a obrigatoriedade dos estabelecimentos de ensino prestarem informações a qualquer dos genitores sobre os filhos (CC, art. 1.584, § 6º) ou, se o caso, aos responsáveis legais sobre a execução da proposta pedagógica da escola (Lei n.º 9.394/96, art. 12, inc. VII, in fine). Precedentes deste C. Órgão Especial. Pedido procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2242410-89.2022.8.26.0000; Relator (a): Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 05/07/2023; Data de Registro: 11/07/2023)

Da análise das referidas normas, além da jurisprudência, percebe-se que as limitações que tais regulamentos impõem são matéria de competência legislativa da União. Nesse sentido verifica-se ainda o entendimento do TJRS:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE NOVA HARTZ. LEI MUNICIPAL Nº 2.130/17. VEDAÇÃO DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS QUE VISEM À REPRODUÇÃO DO CONCEITO DE “IDEOLOGIA DE GÊNERO”. 1. A Constituição da República atribui à União a competência privativa para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV) e a competência para estabelecer normas gerais sobre os demais temas relativos à educação (art. 24, IX). Assim, falece ao Município competência para legislar sobre diretrizes para a organização da educação. 2. De acordo com a Constituição e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o ensino deve ser informado pelos princípios da liberdade de aprendizado e de ensino, da divulgação do pensamento, do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, do respeito à liberdade, do apreço à tolerância e da vinculação da educação com as práticas sociais. A proibição das atividades pedagógicas relativas a ideologia de gênero contraria tais princípios. 3. Destarte, a Lei Municipal nº 2.130/17 do Município de Nova Hartz padece de inconstitucionalidade formal e material. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70077723617, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em: 26-11-2018)

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de devolução da proposição, por inconstitucionalidade manifesta (art. 94 RI), por invadir a competência legislativa da União, notadamente por consistir em norma que trata sobre diretrizes para a organização da educação, em desrespeito às regras de distribuição de competência conferidas pelos arts. 22, XXIV, e 24, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil.

É o parecer.

Guaíba, 13 de março de 2024.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
13/03/2024 11:21:24
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 13/03/2024 ás 11:19:57. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação d2d86cbe758102ed94a1c06d84b4fd03.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 198205.