Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 013/2024
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 063/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a Política Municipal de mapeamento das zonas com maior risco de enchentes, firmando parceria com entidades locais (clubes e igrejas) que possam acolher a população local"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares (PDT) apresentou o Substitutivo ao Projeto de Lei do Legislativo nº 013/2024 à Câmara Municipal, o qual “Institui a Política Municipal de mapeamento das zonas com maior risco de enchentes, firmando parceria com entidades locais (clubes e igrejas) que possam acolher a população local”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

A norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade. Solução análoga é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º),no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina caracteriza a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno como um instrumento do controle de constitucionalidade preventivo, desempenhado pelo Parlamento, por meio de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição legislativa tenha seu trâmite regimental.A devolução perfaz-se por despacho fundamentado da Presidência, com direito a recurso ao proponente.

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do art. 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de iniciativa comum ou iniciativa concorrente, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos federativos, com fundamento no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um poder sobre o outro.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

  • 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

  1. a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
  2. b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
  3. c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
  4. d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
  5. e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  6. f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o entendimento de que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum; a iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III.

Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta realmente ser de iniciativa privativa do Prefeito de Guaíba, porquanto trata de programa municipal, que integraria ações da estrutura orgânica do Poder Executivo Municipal. Ocorre que, em relação a essa matéria, já se posicionou a jurisprudência do Tribunal de Justiça de SP sobre lei municipal análoga ao projeto, em decisão na qual se reconheceu a sua constitucionalidade material e formal.

 

Na situação, em ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal nº 2.069, de 16 de outubro de 2015, do Município de Conchal/SP, que instituiu o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino, com dispositivos legais idênticos aos da proposição em apreciação, decidiu o Tribunal de Justiça de SP, em termos gerais, pela constitucionalidade da referida legislação, com exceção apenas de um dispositivo, por avaliar que não houve, no todo, qualquer violação à separação entre os poderes e à iniciativa legislativa, caracterizada, no caso, como concorrente:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de origem parlamentar que institui o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino de Conchal. Inconstitucionalidade parcial, apenas no tocante ao artigo 3º da referida norma, que efetivamente dispõe sobre matéria de organização administrativa, em ofensa aos artigos 5º e 47, incisos II e XIV, ambos da Constituição Estadual. Não ocorrência de ofensa à regra da separação dos poderes, todavia, no tocante aos demais dispositivos, Precedentes deste Órgão Especial e do Supremo Tribunal Federal. Inexistência de vício de iniciativa: o rol de iniciativas legislativas reservadas ao chefe do Poder Executivo é matéria taxativamente disposta na Constituição Estadual. Precedentes do STF. Ausência, por fim, de ofensa à regra contida no artigo 25 da Constituição do Estado. A genérica previsão orçamentária não implica a existência de vício de constitucionalidade, mas, apenas, a inexequibilidade da lei no exercício orçamentário em que aprovada. Precedentes do STF. Ação julgada parcialmente procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2056692-29.2016.8.26.0000; Relator (a): Márcio Bartoli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 03/08/2016; Data de Registro: 05/08/2016)

Destaca-se, ainda, que o único dispositivo legal reconhecido como inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de SP foi retirado pelo proponente, nada havendo a ser corrigido.

Nesse aspecto, cabe observar que o Judiciário vem adotando posicionamento mais flexível no que tange à iniciativa parlamentar para edição de leis que versem sobre programas e serviços públicos, desde que não haja invasão da esfera administrativa – esta reservada em nosso ordenamento ao Poder Executivo – o que se daria, por exemplo, através da determinação de criação de órgãos ou da criação de novas atribuições a órgãos já existentes, ou ainda, da criação de cargos públicos.

Assim, embora aparentemente inconstitucional, por supostamente interferir nas atribuições de órgãos públicos pertencentes ao Poder Executivo Municipal (instituições escolares municipais), a proposição legislativa, na realidade, revela-se formalmente constitucional à luz do precedente invocado, o qual se acolhe neste parecer jurídico por enaltecer a iniciativa legislativa dos membros do Poder Legislativo e, sobretudo, por tornar efetivo importante comando constitucional constante no art. 137 da Lei Orgânica do Município, consistente na promoção do planejamento urbano e corrigir as distorções do crescimento urbano desordenado, bem como da proteção do meio ambiente insculpido no art. 225 da Constituição da República.

Quanto à divulgação das entidades, o Tribunal de Justiça de São Paulo definiu que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo no que diz respeito a projeto de lei voltado para a concretização da transparência dos serviços públicos não viola o princípio da separação dos poderes. É o que se depreende deste excerto do Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade:

No caso vertente, a Lei Municipal nº 10.591, de 7 de outubro de 2013, do Município de Sorocaba, cuidou de tema de interesse geral da população, sem qualquer relação com matéria estritamente administrativa ou relativa à organização de serviços públicos, na forma prevista no art. 47, inciso II, da Constituição Estadual, razão pela qual poderia mesmo decorrer de iniciativa parlamentar; na verdade, a lei local impugnada pretendeu apenas disciplinar a ordem de atendimento aos interessados em vagas em creches ou pré-escolas municipais, de molde a facilitar e garantir o pleno cumprimento de obrigação constitucionalmente imposta ao ente público local, sem qualquer interferência direta na administração municipal; aliás, cuida-se de importante instrumento de controle da distribuição das vagas existentes entre os postulantes, de molde a permitir à população o acompanhamento regular dessa disponibilidade, reclamando seu direito no momento oportuno. A Presidência da Câmara Municipal de Sorocaba bem realçou em suas informações que a legislação municipal objurgada tão somente pretende fazer o Poder Público “cumprir com seu dever de informar ao munícipe a ordem de inscrição das crianças para vagas em creches e pré-escolas, possibilitando o controle para o preenchimento das vagas, evitando que os pais ou responsáveis legais necessitem se dirigir constantemente aos estabelecimentos de ensino para verificar se surgiram vagas, posto que atualmente não há possibilidade de inscrição para novas vagas, fato que, inclusive, causa uma enorme injustiça, na medida em que caso o interessado não tenha a 'sorte' de se dirigir novamente ao estabelecimento de ensino no dia em que surgiu a vaga, outro interessado que comparecer em tal dia ficará com a vaga, sendo, portanto, imperativo que exista uma lista de espera, através da qual o interessado possa consultar a distribuição das vagas munido de seu número de protocolo, sendo este o móvel da criação do protocolo de inscrição previsto na legislação em debate”(v. fls. 178/179). Ademais, possível considerar aqui que a contestada Lei Municipal nº 10.591/2013 nada mais fez do que permitir o acesso da população a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, nos moldes previstos na Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (…) Como se vê, a divulgação de dados atinentes à gestão municipal, dentre os quais pode ser inserida a ordem de requisição de vagas em creches e pré-escolas municipais, representa uma obrigação imposta ao ente público local pela legislação federal em apreço, tratando-se, portanto, de providência que incumbia realmente ao Legislativo local, sem implicar em intromissão nas atribuições privativas do Prefeito, o que basta para arredar o alardeado vício de iniciativa do processo legislativo que deu origem à lei contestada nos autos. E nem se alegue que o ato normativo em causa produzirá reflexos no orçamento municipal, sem que tenha havido a respectiva indicação da origem da receita, em afronta aos preceitos contidos nos arts. 24, § 5º, “1”, e 25, da Constituição Estadual. Ora, há que se considerar que a vedação ao aumento da despesa, estabelecida no citado art. 24, § 5º, “1”, da Carta Paulista diz respeito apenas aos projetos de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, razão pela qual essa regra não tem aplicação no caso dos autos; forçoso reconhecer, outrossim, que se toda lei com repercussão no orçamento fosse, obrigatoriamente, deflagrada a partir de proposta do Prefeito, a atribuição legislativa da Câmara Municipal restaria completamente esvaziada, aí sim, em completa desconsideração ao princípio da independência entre os Poderes. Por outro lado, nada indica que a Lei nº 10.591/2013 poderá realmente trazer algum impacto nas despesas do Município de Sorocaba, haja vista que a obrigação ali imposta poderá ser facilmente cumprida por qualquer agente público responsável pelo atendimento à população nas creches e pré-escolas municipais, sem maiores empecilhos ou necessidade de qualquer gasto extraordinário, o que arreda também o argumento de violação ao disposto no art. 25 da Constituição Estadual.

A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à iniciativa é no sentido que o simples fato de a norma estar direcionada ao Poder Executivo não implica, por si só, que ela deva ser de iniciativa do Prefeito Municipal, sob pena de nefasto engessamento do Poder Legislativo, em franco desprestígio à sua elevada função institucional no Estado de Direito. É notória a jurisprudência do STF no sentido de que o rol do artigo 61, § 1º, da Constituição Federal é taxativo, não estando elencada nesse rol medidas que pretendem assegurar o princípio da transparência na prestação do serviço público municipal, visto que não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local.

Logo, aplicável o entendimento firmado pelo STF no Tema 917: “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal).” Ou seja, o fato de a norma dirigir-se, de algum modo, ao Poder Executivo, é insuficiente para, por si só, restringir a iniciativa legislativa, quando não disponha, efetivamente, sobre a estruturação ou as competências dos órgãos públicos.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Substitutivo ao Projeto de Lei do Legislativo nº 013/2024, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 05 de março de 2024.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
05/03/2024 13:43:07
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 05/03/2024 ás 13:42:54. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação b94b123e090b00a532141c7671c4185d.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 197550.